O crescimento urbano de Goiânia na próxima década deve produzir um aumento de áreas alagáveis na cidade, com a alta de locais que exercem maior pressão hidrológica nas bacias do município. A tese de doutorado do geógrafo Rodrigo Lima Santos, defendida na Universidade Federal de Goiás (UFG), mostra que a bacia hidrográfica do Córrego Quebra-Anzol, na Região Oeste da capital, poderá mais que dobrar a sua área impermeável até 2030 com relação a 2020, quando 15,27% do espaço exercia pressão alta ou muito alta. A tendência é que este índice chegue a 31,26%.O cálculo é feito com o Índice de Pressão Hidrológica (IPH) calculado por Santos. A medida utiliza os valores do tempo de concentração da água, a velocidade de escoamento superficial, o coeficiente de armazenamento de água no solo e o coeficiente de escoamento, além da área urbanizada e a tendência de urbanização. O estudo analisou três bacias hidrográficas urbanas em diferentes processos de ocupação. A do Córrego Quebra-Anzol apresentava 7,17% da área totalmente impermeável em 2020, sendo descrita a partir da presença de grandes áreas permeáveis e abertura recente de loteamentos.Rodrigo Lima Santos explica que uma bacia hidrográfica é “uma área cercada por uma extensão mais alta do relevo, que faz com que toda água caia em direção ao curso do córrego”. Ele reforça que sua tese “mostra que há aumento histórico da urbanização e que pressiona hidrologicamente a bacia, ou seja, tem uma intensificação de alguns dos seus processos, que são em um primeiro momento naturais”. “A urbanização não implica em surgimento de novos processos, mas a intensificação de processos naturais. E pela urbanização esses processos são modificados e aí vêm os problemas ambientais”, esclarece.Na região do Córrego Quebra-Anzol, a cobertura urbana medida em 2020, ou seja, o espaço em que há construções de residências ou comércios nos loteamentos, por exemplo, foi de 5,5%. A tendência apontada pelo estudo é que em 2025 já se tenha 22,7% de toda a área da bacia ocupada por casas ou prédios e que esse total chegue a 33,2% no ano de 2030, ou seja, um terço de toda a bacia hidrográfica. O resultado disso é que no ano inicial a água ficava em média 446,47 minutos concentrada em determinada área realizando a infiltração, enquanto que o modelo aponta um tempo de concentração de 261,34 minutos, causando uma maior velocidade de escoamento.Para se ter uma ideia, no ano de 2020 apenas 1,5% de toda a área da bacia do Quebra-Anzol tinha uma velocidade de escoamento superficial acima de 1,52 metro por segundo (m/s), o que corresponde a cerca de 5,5 quilômetros por hora (km/h). Daqui a oito anos, o modelo analisado pelo estudo verifica que essa velocidade será atingida pela água em 3% de toda a bacia. Como comparação, na bacia hidrográfica do Córrego Vaca Brava, na Região Sul de Goiânia, que também foi analisada pelo geógrafo, atualmente os pontos com maior pressão hidrológica, o que corresponde a 1,8% de toda a área, a velocidade do escoamento da água é de no mínimo 6,6 km/h.Válido ressaltar que o entorno do Vaca Brava possui hoje, conforme a tese de doutorado mencionada, cinco pontos de monitoramento dentro de seus limites que estão passíveis de ocorrências de inundações, enxurradas e alagamentos. Por outro lado, no caso desta bacia, o estudo mostra que há uma tendência de leve redução, podendo ser entendida como estabilidade, das áreas de pressão hidrológica (lei mais na página ao lado). O que não deve ocorrer na outra bacia hidrográfica analisada, que é a do alto do Córrego Macambira, na Região Sudoeste da capital. Neste caso, em 2020 se verificou que 8,4% da área tinha velocidade de escoamento da água de no mínimo 5,4 km/h com a tendência de que isso ocorra em 9,9% da região até 2030.Santos explica que a ideia de seu estudo foi obter amostras de bacias com diferentes situações com relação à ocupação urbana. “A do Quebra-Anzol foi ocupada recentemente, já a do Macambira e Vaca Brava tem padrões diferentes e em estágios já consolidados. Vaca Brava é altamente urbanizada, com ocupação vertical. Macambira altamente urbanizada, mas com áreas permeáveis nas nascentes e sem verticalização. A gente mapeou diferentes cenários de uso e ocupação da terra.Ele complementa que a bacia hidrográfica “é uma porção do território que se assemelha a uma esponja”. “Quando abre a torneira e derrama água sobre a esponja, ela vai absorver até o momento que não tem mais capacidade e a água transpasse a esponja. A bacia na sua condição natural é isso. Mas se eu despejo sobre a esponja algum tipo de impermeabilizante, eu quebro a capacidade natural de absorver. A água que cai é direcionada para vários fluxos e lados que a esponja tem”, afirma ao explicar a relação da urbanização com a criação de espaços alagáveis. O geógrafo ressalta que “quando eu impermeabilizo a cidade, com prédios, asfalto, estacionamentos, calçadas e outras estruturas cimentadas, eu impeço que a água seja absorvida e direcionada para lençol freático e depois córregos e rios”.Macambira com tendência de altaAlém da análise sobre a bacia hidrográfica do Quebra-Anzol, a tese de doutorado do geógrafo Rodrigo Lima Santos, intitulada “Expansão urbana e modelagem de cenários hidrológicos em bacias hidrográficas de Goiânia-GO (2002-2030)” verificou a situação do entorno do Córrego Macambira, na Região Sudoeste de Goiânia. No ano de 2020, a bacia deste córrego estava com 49,09% de sua área verificada como impermeável e foi descrita com o crescimento de construções em ascensão. O cálculo do Índice de Pressão Hidrológica (IPH) na bacia do Macambira percebeu um aumento nas áreas que vão causar maior pressão hidrológica na região. Em 2020, o índice estava em 51,29% dos hectares considerados entre os locais com alta ou muito alta pressão, ou seja, espaços em que o tempo de concentração da água é menor e o escoamento é mais rápido, fazendo com que não se tenha infiltração no solo durante as chuvas. O modelo de ocupação urbana calculado por Santos apontou que em 2030 essa situação deve estar em 72,15% da área da bacia, algo semelhante ao que se tem no entorno do Córrego Vaca Brava atualmente.Segundo Santos, isso ocorre porque se dará uma urbanização muito consolidada em estrutura, com poucos espaços vazios. “Isso preocupa, porque do ponto de vista da solução, a melhor é garantir cada vez mais espaços permeáveis, manter os espaços naturais. É o que a Prefeitura tenta fazer um pouco com canteiros em rotatórias, serviço de vegetação distribuído em toda a bacia. Parque e bosque ficam em local fixo, mas a chuva e os problemas são distribuídos e o ideal é ter soluções em toda a bacia hidrográfica, ter mais áreas verdes, fazer com que tenham qualidade. Não é só o espaço sem utilização com o mato tomando conta que vai ser importante, tem de ser recuperada”, afirma o geógrafo. Bacia do Vaca Brava vai manter pressãoA bacia hidrográfica do Córrego Vaca Brava é outra analisada pelo geógrafo Rodrigo Lima Santos, que também é professor na Universidade Estadual de Goiás (UEG). Neste caso, a área impermeável total verificada em 2020 chegava a 76,32%. Por outro lado, o estudo verificou uma redução no porcentual de áreas que possuem maior risco de alagamentos, enxurradas e inundações para os próximos anos. Enquanto que atualmente o cálculo aponta 79,71% das áreas, em 2030 esse número deve chegar a 76,79%. “A explicação para a redução das áreas com potencial de pressão hidrológica muito alta reside no fato de a cobertura vegetal na bacia hidrográfica ter passado por um processo de regeneração no período compreendido entre os anos de 2002 e 2020”, considera o estudo.Com isso, há uma tendência de que isso continue até o ano de 2030. O geógrafo explica que esse resultado da bacia do Vaca Brava “ressalta a importância dos parques e bosques urbanos, funcionam como mecanismos de preservação das dinâmicas naturais. O que cai nos parques vai percorrer o caminho natural da infiltração.” No entorno do córrego citado, Santos ressalta que é importante destacar justamente o papel desempenhado pelo espaço do Parque Sulivan Silvestre, popularmente conhecido como Vaca Brava, e, especialmente em vista da cobertura vegetal da bacia, que teve seu aspecto melhorado ao longo desse intervalo de tempo, uma maior presença da cobertura vegetal urbana nesse período, em que praticamente dobra entre 2002 e 2020. “Significa maior potencial da bacia em reter a água e fazer com que ela infiltre. A gente viu esse processo acontecer em diversos pontos. No geral percebemos também no alto do Córrego Macambira, onde teve diversos investimentos com o Parque Urbano Ambiental Macambira Anicuns (Puama) e liga isso à importância dos parques e bosques para a cidade, que são investimentos recompensadores”, afirma Santos. Ele reforça que, assim, o seu estudo aponta três bacias hidrográficas urbanas em situações distintas e que devem ter soluções para o que se vê na tendência para os próximos anos.O geógrafo ressalta que a situação é resultado de um modelo de ocupação que vem sendo adotado em Goiânia a partir das áreas mais baixas das bacias e que vai migrando. “Até determinado momento foi planejado, depois se torna espontâneo e aí tem as consequências, em diferentes níveis, com redução da capacidade permeável, impactos superficiais dentro do impacto urbano, inundação, alagamento e enchentes, que causam pressão hidrológica.”Aumento da pressão hidrológica ainda interfere no meio ambienteO aumento da pressão hidrológica nas bacias dos córregos em decorrência do processo de urbanização nas cidades não gera problemas apenas aos moradores e suas residências. Segundo o geógrafo Rodrigo Lima Santos, a situação também causa danos ambientais, e não só aos córregos, mas para toda a bacia. “Ocupando qualquer parte está gerando impacto, que pode ser para a região mais próxima e também o córrego e até áreas mais longínquas e outras bacias hidrográficas.” Isso ocorre, segundo ele, porque para ocupar o espaço há o desmatamento e ainda processos de outras estruturas. “Gera produção de sedimentos que vão parar nos córregos e deposição nos fundos dos leitos. Gera impacto significativo às áreas de proteção permanentes (APPs), caso não estejam preservadas. Se a água vai chegar mais rápido, vou ter de ter a mata ciliar da APP. O papel dessa vegetação é absorver o impacto da água que vem e traz sedimentos, lixo, e com força cinética grande, com potencial de causar assoreamento dos córregos”, assegura Santos.Leia também:- Entrada do Zoo de Goiânia é alvo de queixas- Pesquisa do IBGE aponta que mais da metade dos domicílios de Goiânia tem a mulher como responsável- Mulher denuncia ter sido chamada de “macaca” pela atual do ex-marido em Silvânia