Biólogo e pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG) um dos responsáveis por estudos de projeções de Covid-19 no Estado explica porque as previsões mudam e diz que teria se comunicado diferente sobre o último estudo para evitar interpretações erradas Por que houve uma mudança das projeções de Covid-19 em Goiás de maio (nota técnica 3) para as de junho (nota técnica 7)? As projeções são revistas em função do aparecimento ou descoberta de novas informações, Em particular, da nota técnica 3 para a nota técnica 7 houve um (novo) inquérito populacional, de prevalência, aquele teste rápido, que a Prefeitura de Goiânia fez. A gente ajustou o modelo da nota técnica 3 para ter a prevalência (estimativa de pessoas que tiveram contato com o vírus) em Goiânia na data estimada do inquérito. Depois da nota técnica 3 teve um novo inquérito. Aí a gente recalibrou a nota técnica 3 para que acertasse também esse inquérito populacional. Essa incorporação de novas informações na medida em que elas ficam disponíveis dentro de modelos de simulação é uma coisa absolutamente normal, inclusive justifica o nosso próprio aprendizado sobre uma doença nova. Considerando que agora a curva de óbitos parece não seguir o cenário mais grave como o previsto, o senhor teria mudado alguma coisa na sua apresentação sobre a projeção em live com o governador Ronaldo Caiado (DEM) no fim de junho? Na ocasião ficou bem evidenciado o pior cenário possível de 18 mil mortos até setembro. Eu acho que o que eu teria feito de diferente seria não em função da realização do cenário, ou de qual cenário ia apresentar. É que realmente eu não estava preparado para as pessoas ficarem tão focados no cenário pior, de 18 mil óbitos. Não era intenção apresentar o de 18 mil óbitos, o cenário vermelho como sendo o cenário mais plausível. Nem tampouco o cenário azul o mais plausível. Eu também dei muitas outras entrevistas depois falando que a notícia que UFG projeta 18 mil óbitos em Goiás não é uma notícia real, não é uma manchete verdadeira. A manchete verdadeira, da mensagem que eu quis transmitir é que a UFG projeta que em Goiás até fim de setembro ia ter entre 3,5 e 18 mil óbitos, que é a diferença entre o cenário azul e o vermelho, a distância entre eles. E nesse intervalo, entre o 18 e o 3,5, dentro deste intervalo a sociedade é que ia decidir quantas pessoas ia ter de óbito a depender de como as pessoas se comportassem. Eu mantenho ainda que em um cenário catastrófico, de que ninguém realmente lida com a pandemia e volta com comportamento de janeiro, a gente teria sim 18 mil óbitos. Eu mantenho isso, só que isso nunca aconteceu, a gente nunca esteve na trajetória de isso acontecer. Esse era o limite superior de um caso extremo. Nem tampouco acho que a gente vai ter menos de 3 mil óbitos em Goiás até setembro. Eu acho que vai ser mais do que isso. Acho que se tivesse de apresentar de novo, eu acho que teria gastado 10 minutos falando só isso, de que não era aceitável, eu ia até escrever a manchete para os jornalistas: “atenção aos jornalistas a manchete é essa, para que o povo não ficasse focado nos 18 mil óbitos”. Então, acho que o que aconteceu foi uma falha de comunicação da minha parte. Inclusive, porque para mim é muito comum analisar o cenário mais provável em relação ao cenário extremo. É comum de eu pensar. E eu achei, assumi que as pessoas iam pensar da mesma maneira. Eu preciso saber se o que era possível de ser feito foi feito, e se a gente está muito pior ou muito melhor que o pior ou melhor cenário. Por que a pandemia é inevitável, que vai morrer gente é inevitável, tudo isso é inevitável. A questão é saber se o número de óbitos que está acontecendo ou que aconteceu foi muito maior do que o melhor cenário ou muito menor que o pior, isso que me informa se a gente está em uma boa trajetória ou má trajetória. Sem nunca tentar sugerir que eram eles que iriam se concretizar. Por que as projeções da UFG previam um colapso do sistema em julho se nas notas técnicas não havia informações sobre estrutura hospitalar? Por que não houve esse colapso?A resposta é que quando nós falamos de um possível colapso do mês de julho, nós estávamos falando de uma maneira não projetada. Era um comentário, de um possível colapso, em função da capacidade instalada de leitos naquele momento, no momento que a gente falava. E no aumento projetado pelo modelo da demanda. Esta é a resposta simples. A resposta mais longa é: principalmente no início do nosso trabalho, lá em abril, eu estava muito, muito interessado em tentar ir atrás do número de leitos disponíveis. Passei mais de um mês tentando ir atrás desta informação. Quando concluí e vocês (jornalistas) concluíram a mesma coisa, o Márcio (Leijoto, editor do POPULAR) concluiu. Os sistemas eram independentes. Público, privado, público estadual, público municipal, as ONGs, os hospitais filantrópicos... Eram todos muito desconectados e era praticamente impossível ter todos esses dados de uma maneira tão fácil. Então, nós abandonamos. Como você mesmo diz, nenhuma nota técnica tem comparação entre a projeção e a capacidade instalada. O motivo pelo qual eu não soube está muito mais claro agora. O número de leitos, a capacidade hospitalar do sistema é muito elástica. Eles vão criando leitos à medida que há aumento da demanda, para sempre estar um pouquinho acima da demanda. Então, se o Estado nunca tivesse expandido leitos em maio, ou em junho, ou em julho, o sistema já teria colapsado faz tempo. Até onde eu saiba, pelo menos na Prefeitura de Goiânia, que é onde eu tenho mais contato, o modelo ainda continua bastante ajustado à demanda. A demanda modelada e a demanda real continuam bastante próximas. O governador até fala algumas vezes que não tem mais como expandir o sistema hospitalar por causa disso ou daquilo. Aí na semana que vem ele está inaugurando 15 leitos no hospital X no interior. Então, está sendo expandido e o colapso nunca chegou em função do aumento constante no número de leitos. Hoje nós sabemos que há um atraso alto na notificação de óbitos de Covid-19 que prejudica uma análise do cenário da pandemia em tempo real. Por conta disso, a projeção da UFG é comparada com dados de óbitos por dia da morte. No entanto, no início da pandemia, as primeiras projeções eram validadas por dados de morte por dia de divulgação e não do óbito em si. Por quê? Lá no início da pandemia, o maior número de óbitos era em Goiânia. E Goiânia tem toda uma estrutura e todo o cérebro do funcionamento do Estado. É um dos municípios que notifica mais rápido. Então, lá no início da pandemia não era problema comparar o número de óbitos projetado pelo modelo com o número de óbitos notificados até ali. À medida em que a pandemia avançou para o interior, este atraso aumentou. O número de óbitos notificado por dia em relação ao real diminuiu. O atraso ficou cada vez maior porque avançava para municípios no interior do Estado com menos recursos e talvez com menos cobrança. Vocês pretendem fazer uma nova projeção de Covid-19 em Goiás que supere a última feita em junho? Ainda não temos tanta certeza se nós deveríamos preparar nova nota técnica, uma vez que agora a maior parte das incertezas ainda não foram resolvidas. Principalmente em relação a essa imunidade natural. Apesar de saber que o modelo vai errar, e gostaria muito de antecipar esse erro e já ter uma recalibração, no atual momento a gente está usando toda a informação disponível. Não saberia exatamente como melhorar o modelo sem novas informações da parte imunológica. Não é da parte epidemiológica, é imunológica. Mas nós estamos estudando bastante a literatura internacional e assim que sair alguma maneira, alguma nova informação dentro da calibração do modelo, nós vamos fazer isso imediatamente, mas no momento a gente está mais buscando a informação que a gente precisa do que realmente calibrando o modelo neste instante.