Os familiares dos trabalhadores rurais que atuam diretamente no manuseio de agrotóxicos também são atingidos pelos efeitos das substâncias. A pesquisa feita pela Universidade Federal de Goiás (UFG), que avalia os danos ocasionados ao DNA, colheu amostras também de filhos e esposas desses trabalhadores. A ideia, a princípio, era colocá-los no grupo de comparação, entre as pessoas que não são expostas e que, em tese, teriam uma condição normal que possibilitaria o confronto dos resultados. Nas primeiras análises, porém, ficou evidente que isso não seria possível, pois eles também eram afetados pela exposição de maneira indireta, com um índice de lesão ao DNA acima do normal.A professora que coordena o Laboratório de Mutagênese do Instituto de Ciências Biológicas da UFG, Daniela de Melo e Silva, explica que isso deve ocorrer, em muito porque, como os equipamentos de proteção individuais (EPIs) não são devidamente utilizados, a família acaba tendo contato com as vestimentas do pai. “A mulher, às vezes, é quem lava a roupa. Essa roupa, muitas vezes, é colocada no meio das roupas do restante da família, os calçados são deixados pela casa e por aí vai...”, expõe ela. As regras de utilização dos equipamentos de segurança estipulam, inclusive, como eles devem ser retirados e higienizados, ao fim do uso. Para lavá-los, por exemplo, deve-se utilizar luvas de borracha.Dessa maneira, na escala de danos ao DNA, feita pela pesquisa, até então, constam os familiares dos trabalhadores rurais como uma espécie de grupo intermediário, ou seja, com um índice de lesão entre o máximo e o que seria normal. A pesquisa analisou, principalmente, as amostras de quem trabalha em lavouras de soja em Goiás. Entre os agrotóxicos identificados, estão o Glifosato, a Atrazina, o herbicida 2,4 D e o fungicida Priori Extra. “Eles falam que sabem, que têm acesso à informação. Cada produto tem uma cor na embalagem que expressa a toxicidade. Eles falam que têm consciência de como usar e que precisam dos equipamento, mas quase 100% não os utilizam da maneira certa”, diz Daniela.Reflexos chegam ao ecossistemaO uso de agrotóxicos no campo não deixa de atingir também o ecossistema a sua volta. Uma pesquisa desenvolvida desde 2016, em parceria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com a Universidade Federal de Goiás (UFG), analisa os danos causados ao DNA de comunidades de anfíbios, mais especificamente de girinos, nas propriedades rurais que ficam no entorno do Parque Nacional das Emas, no Sudoeste goiano. O estudo usou como comparativo as amostras coletadas em girinos que vivem nos rios e lagos de dentro do parque, ou seja, onde não se utiliza agrotóxicos. O biólogo Tiago Quaggio Vieira conta que, para se atingir uma análise final, inclusive com mais detalhes sobre os efeitos gerados a longo prazo, o trabalho deverá ser feito por muitos anos. Até então, os resultados já mostram uma diferença significativa nas lesões causadas ao DNA. Os girinos que vivem nas proximidades das lavouras da região, onde costuma-se utilizar o método de pulverização para aplicar os agrotóxicos, chegam a ter duas vezes mais danos ao DNA (48%) do que os anfíbios da mesma espécie que vivem a poucos quilômetros dali, no caso dentro da reserva ambiental de Cerrado (24%). Tiago explica que, com a pulverização, principalmente a aérea, o vento acaba levando parte da substância para outros ponto que não seja necessariamente a lavoura. Os rios e lagos, claro, não estão imunes. A água das chuvas também age no sentido de levar as substâncias para o leito dos rios e, por consequência, atingem o ecossistema local. A professora Daniela de Melo e Silva, que coordena o Laboratório de Mutagênese do Instituto de Ciências Biológicas da UFG, conta que pretende até o final deste ano realizar uma nova etapa de testes. O grupo vai avaliar os danos causados em animais pelos novos agrotóxicos liberados no País. No caso dos lagos e rios, os pesquisadores avaliam que os peixes também acabam sendo atingidos. E, nessa escala, incluir o homem como afetado final torna-se uma consequência, em razão da lei natural da cadeia alimentar. “O agrotóxico, ao cair no rio, afeta os peixes, os anfíbios e todos os animais de fauna aquática que vivem ali. E quem come esses animais também é afetado, porque entra na cadeia alimentar. É o que a gente chama de bioacumular. Vamos supor, por exemplo, um pássaro que coma um sapo que cresceu naquela lagoa. Ele também vai sofrer os efeitos do agrotóxico”, aponta Alessandro Arruda Alves, professor e doutorando pelo Programa de Genética e Biologia Molecular da UFG.Operador que faz aplicação de defensivos agrícolas precisa passar por treinamento, diz SenarPor determinação do Ministério do Trabalho, todo operador que faz a aplicação de agrotóxico precisa fazer passar portreinamento. A afirmação é do gerente de formação profissional do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Leonnardo Furquim. Engenheiro agrônomo com mestrado em Agroquímica, ele diz que os trabalhadores sabem que é importante usar equipamentos de proteção, mas não entendem ao certo todos os riscos da situação em que estão envolvidos. “Aí entra o Senar, com a capacitação profissional”, afirma.Furquim explica que o Senar Goiás tem treinamentos voltados para a área de segurança do trabalho que orientam desde a operação da máquina até todos os parâmetros de segurança do operador. As capacitações são gratuitas, com certificado e validade de 2 anos. Depois desse período, o curso precisa ser renovado.“Eles são orientados sobre como vestir os equipamentos de proteção individual (EPIs), como retirar, como lavar. Não é só falar que é importante utilizar, mas também mostrar a forma correta de fazer isso para que o equipamento tenha maior durabilidade e não contamine outras pessoas.Questionado se há resistência por parte do trabalhador rural em usar os EPIs, Furquim diz se tratar de um problema de falta de informação. “A gente percebe que, antes do nosso treinamento, as pessoas não entendem o tamanho e a complexidade da problemática em que estão envolvidas. Depois do treinamento, quando elas entendem o que pode resultar a não utilização dos EPIs e o quanto é fácil utilizar, essa resistência é quebrada”, afirma.De acordo com o gerente de formação, todas as ações de capacitação são feitas em conjunto entre o Senar, a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) e os sindicatos rurais.-Imagem (1.1806295)