Não somente pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) podem ser desmobilizados com o fim dos recursos do Banco Mundial para o monitoramento do Cerrado, mas também uma equipe de pelo menos 15 cientistas da Universidade Federal de Goiás (UFG). É o que informa o professor doutor Laerte Guimarães, pró-reitor de Pós-Graduação da instituição, que está envolvido com o projeto desde 2016, quando o Brasil foi escolhido como destino essencial para receber recursos do Forest Investment Program - FIP (Fundo de Investimento para Florestas), bancado por vários países e administrado pelo Banco Mundial. A UFG desenvolveu a principal plataforma tecnológica para monitorar o desmatamento do Cerrado brasileiro.No dia 16 de dezembro último, em Brasília, Laerte Guimarães participou do encontro que marcou o encerramento das atividades. O Banco Mundial destinou uma verba de US$ 9 milhões para o Inpe que o dividiu com as Universidades Federal de Goiás e de Minas Gerais, instituições que vinham trabalhando no projeto. Com o dólar alto, os recursos foram redimensionados até abril. A expectativa agora é se o governo federal vai dar continuidade ao trabalho, que pode ser executado com cerca de R$ 2,5 milhões por ano. Na UFG, já foram desmobilizados três pesquisadores, mas outros, de iniciação científica e até doutorandos, aguardam o desfecho da discussão.As atenções dos pesquisadores estão voltadas para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) que, oficialmente, não se manifestou sobre a questão. O Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) conta com recursos da ordem de R$ 8,8 bilhões. “A grande questão é se eles serão ofertados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que os gerencia. Há uma grande incógnita.” Em um vídeo divulgado nesta segunda-feira (10), Clézio de Nardim, diretor do Inpe, disse que não é verdade que o programa de monitoramento do Cerrado esteja sendo desmontado. “Estamos ampliando o monitoramento dos biomas brasileiros que agora se chama Biomas BR MCTI”. Segundo ele, o Inpe está buscando recursos junto ao FNDCT para financiar o programa por mais quatro anos.Para Laerte Guimarães, o monitoramento do desmatamento na Amazônia tem apelo global, mas a pressão em relação ao Cerrado é crescente. “Há uma grande discussão sobre a moratória de produtos oriundos de áreas desmatadas da Amazônia depois de 2008. Os mercados internacionais estão pressionando. E o desmatamento no Cerrado é crescente.”Em 2021 foram desmatados 8.500 km², um aumento de 8% em relação a 2020. Em Goiás, segundo dados do FIP Monitoramento do Cerrado, o crescimento da devastação em relação ao ano anterior foi ainda maior, de 25%, com a retirada de 920 km² de vegetação natural. “Goiás já perdeu 61% do bioma, agora vem crescendo o desmatamento no chamado Matopiba.” A nova fronteira agrícola do País, que engloba parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, é formada por áreas majoritariamente de Cerrado.O FIP Monitoramento do Cerrado é um projeto com três grandes objetivos: monitorar o desmatamento, detectar áreas queimadas e gerar um modelo de propagação do fogo, e monitorar gases de efeito estufa. “O FIP aportou o recurso para desenvolver o projeto, mas o governo precisa assumir a continuidade. Não acredito que será interrompido porque será um escândalo político e ambiental”, especula o representante da UFG.O professor da UFG explica que não há possibilidade de uma ausência de referências sobre o desmatamento. “Os números são gerados por satélites e há outros sistemas que podem divulgar. O MAP Biomas, do qual fazemos parte, está com um projeto pronto para entrar em operação, mas a imagem para o País é muito ruim. O Cerrado é um bioma de importância fundamental pela sua biodiversidade e para a regulação hídrica do Brasil”, salienta Laerte Guimarães. No dia 25 próximo, ele vai conversar com a titular da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Andrea Vulcanis, para tratar do assunto. UFG desenvolveu aplicação de R$ 2 miO Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da instituição, do qual Laerte Guimarães é colaborador, teve papel fundamental no processo. O Lapig desenvolveu a plataforma Cerrado DPAT, uma aplicação on-line e gratuita criada para monitorar e contextualizar os desmatamentos detectados com dados geográficos de diversas fontes do bioma Cerrado. “Se um empresário fosse bancar isso, gastaria cerca de R$ 2 milhões. A UFG desenvolveu um modelo estatístico para determinar a acurácia do desmatamento com dados de campo e análises automáticas, com 94% de exatidão. Algo que só poderia ser feito numa universidade e rendeu vários projetos de pesquisa”, afirma o professor. “Esta plataforma - cerradodpta.ufg.br - é motivo de muito orgulho para a UFG”, ressalta Laerte Guimarães. DPAT, que significa Deforestation Polygon Assessment Tool, ou Ferramenta de Avaliação do Polígono de Desmatamento do Cerrado, nasceu de um grande desafio. “A UFG entrou no FIP porque o Lapig possui excelência na análise de imagens de satélites, mas eu tinha muita vontade de participar. Tínhamos uma ideia grosseira de como fazer, quebramos a cabeça e fizemos uma estratégia de validação reconhecida internacionalmente. A pesquisa precisa se meter em enrascadas”, brinca o pró-reitor de Pós-Graduação.