Os agentes de trânsito que atuam em Goiânia aplicam uma multa por possível prática de corrida irregular, comumente chamada de racha, a cada 10 horas. Na avaliação de especialistas e autoridades do setor, a disputa de velocidade ou a realização de manobras perigosas em vias públicas da capital é ainda mais comum do que mostram os números. Em muitos casos, como o registrado no Jardim América no último fim de semana, as competições acabam em acidentes com mortes.Pelos registros da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), 914 multas por artigos relacionados à possível prática de racha foram aplicadas em 2021, alcançando a média de uma multa a cada 10 horas. Neste ano os números são parecidos, com 344 registros do tipo nos primeiros quatro meses, uma média de uma a cada 11 horas. O montante leva em consideração os artigos 173, 174 e 175 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), tipificações relacionadas à prática, conforme explicam especialistas ouvidos pelo POPULAR.A titular da Delegacia de Investigação de Crimes de Trânsito (Dict), Adriana Fernandes Carvalho, diz que o CTB não limita a tipificação do racha às corridas irregulares, que são punidas pelo artigo 173. Assim, conforme explica, manobras perigosas e exibicionismo, punidos pelos artigos 174 e 175, também podem ser interpretados como rachas. “Depende de cada situação. O policial se depara, descreve o que foi levantado por ele e encaminha para o delegado analisar se a conduta é de fato um racha”, explica.O racha mais comum na capital, analisa Adriana, são as corridas. “Os motoristas têm pontos de encontro. Eles vão para a Marginal Botafogo e para as proximidades do Autódromo, por exemplo, e a partir de um determinado horário da madrugada começam a fazer essas corridas”, diz a titular da Dict. A delegada informa que atualmente sua equipe está investigando uma denúncia de um racha realizado de forma rotineira próximo de um condomínio fechado.Apesar de a prática ser comum, há dificuldades para alcançar o flagrante e a punição. Entre as adversidades, Adriana diz que na maioria dos casos os rachas não são aqueles organizados com antecedência e sim em semáforos, locais em que os motoristas combinam as corridas sem se conhecerem. “Normalmente carros muito potentes, que quando se encontram trocam sinais já conhecidos por eles e começa ali o racha. Então o flagrante fica muito difícil.”A recorrência de casos de rachas em que os motoristas não se conhecem foi avaliada como um fator que poderia dificultar a identificação do registrado em Goiânia no último sábado (7) que até o momento contabiliza duas mortes. “O fato de eles serem amigos é algo muito raro e isso possibilitou que o outro motorista fosse localizado. Normalmente, quando um dos veículos se acidenta, o outro foge do local sem identificação e a gente não consegue comprovar que o racha existiu”, acrescenta Adriana.MaiorNa avaliação do Mova-se Fórum de Mobilidade, o número de rachas em 2021 pode ter sido ainda maior, chegando a 1.160. Isso porque o grupo inclui as multas pelo Art. 170 como possíveis rachas. A aplicação por este artigo se dá em casos de direção perigosa que coloca em risco a travessia pública e ou os demais veículos. Coordenador do Mova-se, Miguel Angelo Pricinote explica que incluir o artigo reduz as distorções sobre os dados reais.“Tirando aquele evento previamente agendado, no cotidiano é difícil para o agente provar que aquilo é uma corrida. Ele nem sempre consegue ver os dois veículos que estão participando e dificilmente flagra o momento da largada”, considera Pricinote. Assim, o coordenador diz que se fossem observados apenas os dados sobre corridas na tipificação própria haveria a sensação de que a prática não é comum.“Mesmo observando todos esses artigos, ainda dá a sensação de que o total de casos não representa uma porcentagem alta de todas as infrações cometidas”, aponta Pricinote ao avaliar que os dados só não são maiores porque falta fiscalização. “Tanto por conta do baixo quantitativo de fiscais, como pela limitação da atuação. Os agentes não conseguem estar em todos os lugares ao mesmo tempo. E, em específico sobre os rachas, eles ocorrem durante a madrugada, o que dificulta essa fiscalização”, descreve o coordenador.MortesOs números de acidentes com mortes registrados pela Dict mostram que tanto a capital como o estado mantêm grande quantidade de óbitos em ocorrências de trânsito. Em Goiânia foram 212 vítimas em 2019, contra 216 em 2021. Em Goiás foram 1.190 em 2020 contra 1.449 no ano passado. Na capital, a maior incidência de infrações de trânsito é a alta velocidade. Apenas nos quatro primeiros meses deste ano foram 135.326 multas pela questão (confira o quadro).“Roleta-russa” pode explicar outro acidente registrado no sábado (7)Um caso lembrado pelo coordenador do Mova-se foi o acidente envolvendo três veículos na no cruzamento da rua S-4 com a avenida T-64, no Setor Bela Vista, também na madrugada de sábado (7), que matou o ex-vereador de Cristianópolis Apoene Aimoré Rezende, de 61 anos.Para Pricinote, do Mova-se, o caso se assemelha com a prática da chamada “roleta russa”, em que motoristas furam o sinal vermelho em alta velocidade, características identificadas sendo praticadas pelo veículo que se chocou contra o carro dirigido pelo ex-vereador.Rezende era servidor da prefeitura de Cristianópolis e levava Geovanna Karolina Ribeiro Vaz, de 14 anos, para um atendimento médico. Imagens de câmera de segurança registraram o momento em que o carro preto, em alta velocidade, colide contra o veículo da prefeitura de Cristianópolis, um VW Gol branco, e ainda atinge um terceiro carro, que estava estacionado na esquina.Com sinais de embriaguez, as três pessoas que estavam no veículo preto fugiram do local, segundo a delegada Adriana Fernandes de Carvalho, titular da Dict. “Os três fugiram e o veículo está com forte odor etílico, bebida alcoólica jogada no tapete”, explicou.Para Pricinote, além das falhas de fiscalização, os condutores têm a falsa sensação de segurança por conta das atuais tecnologias dos carros, que são equipados com airbag, por exemplo.