Com 30.914 doses de vacina contra a Covid-19 aplicadas até o momento na faixa etária de 5 a 11 anos, o Goiás alcançou apenas 4,2% do público estimado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) colocam o Estado na 15ª posição do ranking nacional de vacinação do país e podem indicar necessidade de rever as estratégias de imunização infanto-juvenil. Desde o início da pandemia, 43 óbitos foram confirmados por complicações da Covid-19 em Goiás em menores de 10 anos de idade.O alerta dos especialistas é que a situação pode se complicar com falta de leitos e de profissionais em casos de aumento de internação das crianças. Em todo o país, apenas 11% do público-alvo infantil foi alcançado.Além disso, no Brasil, desde o começo da pandemia até o início de dezembro de 2021, 301 óbitos foram confirmados em crianças de 5 a 11 anos em decorrência do coronavírus. Os dados de antes do início da liberação das vacinas para o grupo apontavam uma morte a cada dois dias.O total de casos confirmados da doença ultrapassou 6,5 mil. Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha alerta que com a maior transmissão da variante Ômicron e de casos graves para não vacinados, a situação das crianças pode mudar.“É claro que quando comparamos com o total de mortes do país, 300 parece um número baixo. Mas estamos falando de uma mortalidade que agora pode ser evitável com a vacina. Vacinar é um sinal de amor pelo seu filho. A transmissão da ômicron têm nos preocupado e estamos vendo aumentar o número de casos graves entre não vacinado. As crianças entram nesse grupo e neste momento de volta às aulas, por exemplo, é um motivo a mais para que a cobertura vacinal aumente. Temos duas vacinas licenciadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que foram avaliadas em segurança e eficácia. Também temos a experiência de outros países. A vida real tem mostrado que as vacinas são extremamente seguras”, completa o presidente da SBIm.O levantamento, feito pelo O Popular entre os dias 2 e 4 de fevereiro, revela que 2,3 milhões de crianças com de até 11 anos receberam a primeira dose da vacina no país. No total, o Brasil possui 20,4 milhões de crianças com idade entre 5 e 11 anos. Apenas dois estados não repassaram dados: Minas Gerais (MG) e Paraíba (PB). Pela tabela (veja quadro), São Paulo lidera com 33,1% do público estimado pelo IBGE, seguido de Distrito Federal com 25,73% e Mato Grosso do Sul, com 15,59%. Amapá e Tocantins não chegaram a 1% do público.Crianças descobertas A Superintendência de Vigilância em Saúde da SES-GO, Flúvia Amorim afirma que a situação já ocorreu com outras doenças. Em entrevista à CBN Goiânia, disse que vacinar uma faixa etária e deixar outra descoberta, pode resultar em um deslocamento de casos.“A partir do momento que eu protejo mais um grupo etário e deixo outro mais descoberto, esse grupo pode ser atingido em futuras novas ondas que possam acontecer. É uma possibilidade, é o que pode acontecer. Diante de uma possibilidade como essa, a gente precisa ter esse alerta. Precisamos vacinar nossas crianças. Precisamos proteger nossas crianças de formas graves e principalmente de mortes. A vacina está disponível pra que isso aconteça”, comentou.Amorim pontua que ainda não há um estudo concreto sobre as causas envolvendo a demora na procura da vacinação pelos pais e responsáveis, mas que entre os gestores municipais, há um burburinho envolvendo uma suposta espera. “Muitos pais estão dizendo que vão esperar para saber o que vai acontecer com as crianças vacinadas. O que eu tenho chamado atenção é que esse ‘esperar’ pode colocar as crianças em risco”.Para os municípios, ela pede que o acesso seja facilitado com salas funcionando em horários alternativos incluindo noite, finais de semana. Além disso, ressalta a importância do combate às fake News.Internações O presidente da SBIm, que também atua como médico intensivista pediátrico alerta para outro ponto importante: a quantidade de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) pediátricos no país, bem como mão de obra especializada. Em Goiás, por exemplo, eram 21 leitos de UTI Covid disponibilizados em hospitais estaduais e nesta quarta-feira (2), a taxa de ocupação era de 81%. Na noite de quinta-feira (3), a ocupação chegou a 100%, com 12 leitos ocupados e 9 bloqueados. Nesta sexta-feira (4), o número total de leitos disponibilizados era de 31, sendo que a ocupação estava em 52% com 15 disponíveis e dois bloqueados.“O Brasil não tem condições de aumentar rapidamente a internação de crianças. A estrutura sempre foi precária. Eu sou intensivista pediátrico e sei que não adianta querer montar UTI pediátrica de um dia pro outro. Não temos sequer mão de obra experiente. Estamos caminhando para o pior cenário, chegando perto do Carnaval e não sabemos como será depois. Outras estratégias precisam continuar como o uso de máscaras, por exemplo”, completa Juarez.Campanha com atraso de um mêsA Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso do imunizante Pfzer para crianças de 5 a 11 anos em 16 de dezembro de 2021. Os imunizantes, entretanto, só chegaram aos Estados um mês depois, em 17 de janeiro. A Coronavac foi aprovada a partir de 6 anos dias depois, em 20 de janeiro e não possui dose específica para o público infantil. São Paulo que lidera o ranking já havia comprado 30 milhões de doses em um contrato direto com o Butantan. O estado, que possui aproximadamente 4,24 milhões de crianças com a idade em questão, possuía quantidade suficiente para aplicar duas doses. Já no DF, 500 mil doses de estoque auxiliaram no avanço da aplicação. Apesar de a vacinação caminhar a passos lentos, não há, nos estados e ministério, doses suficientes para a imunização completa. Desta forma, o governo federal chegou a consultar o Butantan sobre a possibilidade de compra de 10 mil imunizantes, mas nenhum acordo foi fechado, apesar da disponibilidade, inclusive, de pronta-entrega. A última remessa enviada aos estados ocorreu em setembro, data que coincidiu com o fim do último contrato do instituto com o ministério. Desde então, não houve renovação. Pós CovidAté o último dia 27 de novembro foram confirmados no Brasil 1.466 casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P). Os dados do Ministério da Saúde apontam ainda que 88 mortes foram registradas entre 0 e 19 anos. A síndrome é uma condição inflamatória considerada rara, mas que afeta vasos sanguíneos de crianças e adolescentes podendo levar à morte. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, a doença está associada à infecção aguda pelo vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19.Resistência é gerada pelo medoMestre em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e psicóloga clínica comportamental Laura Oliveira explica que o contexto do medo reflete diretamente nas decisões envolvendo pais e responsáveis pela vacinação das crianças. Em uma perspectiva psicológica, Laura defende que é preciso analisar o estado de calamidade e medo, que força decisões mais emocionais que racionais. Assim, mudar a forma como as pessoas pensam e se comportam, envolve também mudar o contexto em que estão inseridas. Na análise, pontos importantes como um governo federal que não incentiva a vacina e um presidente da república que propaga informações falsas. “O que está por trás de tudo, é medo. Quando a gente está com medo, a gente entra numa situação de alerta muito grande e neste momento a gente está com medo. É um contexto muito novo, pelo qual nunca passamos antes, com uma pandemia, as pessoas morrendo. Quando sentimos medo, temos duas vertentes que geralmente escolhemos. A primeira é buscar informações de autoridades, alguma certeza pra gente se agarrar. Aí entram as fake news e a seriedade disso. Estamos em um governo que não incentiva a vacinação, as pessoas estão com medo, buscando informações de autoridades pra se agarrarem e encontram como resposta um desencontro de informações. Naturalmente entram em processo de resistência”, diz Laura. A psicóloga explica que o fato de alguns médicos não incentivarem a imunização, assim como o governo do país, faz com que a responsabilidade não seja apenas da comunidade e nem dos indivíduos. “Acho muito interessante, que uma questão que é muito social, as pessoas acabam individualizando: ‘nossa, os pais estão com ignorância, medo’. Sim, estão com medo porque é uma desinformação e quando chega a vez das crianças, sobre quem os onde os pais se sentem responsáveis, naturalmente darão um passo pra trás para avaliar melhor. ‘Ah, mas todo mundo sempre vacinou sem questionar’. Mas acho que também não houve uma campanha pública de tanto desincentivo à vacinação e de tanta informação equivocada”, completa. A segunda vertente apontada pela mestre em psicologia é o processo de decisões que deixa de ser racional e passa a ser mais emocional. Mesmo tendo sido imunizados, pais estão escolhendo não vacinar crianças. Segundo Oliveira, esse comportamento pelos pais é comum. Às vezes os adultos correm riscos que não deixam os filhos correrem, ou acabam sendo mais cautelosos pela responsabilidade da questão. Isso significa dizer que a informação passada desde o começo da pandemia de que crianças não adoecem ou não morrem por Covid-19, dá a falsa sensação de que a doença não é tão perigosa. “Entre o risco da vacina, que para os pais podem causar efeitos colaterais, as fake news e o risco da Covid-19, na balança, os pais preferem pagar para ver. E isso não foi algo que saiu da cabeça das pessoas, foi plantado, divulgado em massa. Esse comportamento dos pais é uma extensão de comportamento generalizado e social. É um medo que está sendo implantado na população. E aí, como esperar que eles reagissem de forma diferente?” Entidade defende papel das escolasImunologista e membro da Sociedade Goiana de Pediatria (SGP), Lorena Diniz lista outros pontos importantes que também podem estar atrasando a vacinação infantil. Entre os principais, o pedido de 30 dias após infecção por coronavírus para a aplicação da vacina. Isto porque, o final do ano de 2021 e o início de 2022 foram marcados também pelo aumento de casos confirmados entre os mais jovens atrasando assim a primeira dose dos imunizantes. Entre as possibilidades de reforço da campanha, a SGP defende o apoio das escolas, não apenas como ponto de vacinação, mas como fonte de informação para as famílias. “Nacionalmente os casos de síndrome respiratória por Covid-19 aumentou de 2,5 para 7,5 entre 0 e 19 anos. Assim, muitas crianças infectadas ainda não tiveram os 30 dias de intervalo para a vacina. O segundo ponto envolve as fake news que fazem com que as famílias sintam medo e insegurança de vacinar as crianças. Em terceiro lugar acreditamos que o fim das férias e retorno das rotinas para pais e filhos, também dificulta a ida aos postos de vacina”. A imunologista defende o debate nas escolas, ou o modelo implantado em alguns municípios como Aparecida de Goiânia e Caldas Novas, que está vacinando nas unidades de ensino. “Muitas escolas não querem debater, têm medo dos pais, de perder adultos, mas essa é uma questão que deveria ser conversada. Infelizmente a vacina deixou de ser um assunto de saúde e virou assunto político. Não necessariamente estamos falando de uma ação individual das escolas, mas de uma ação que vem de cima, dos sindicatos, das secretarias”, finaliza. -Imagem (Image_1.2398537)-Imagem (1.2398595)