O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2021 divulgado nesta sexta-feira (16) deixou a rede estadual de educação, no Ensino Médio, com a segunda melhor nota entre os estados brasileiros, com 4,5. Em 2019, última vez que o indicador foi realizado (ele ocorre a cada dois anos), Goiás tinha alcançado a primeira posição do ranqueamento, quando atingiu 4,7. A liderança agora é do Paraná, com a nota de 4,6. Especialistas alertam, no entanto, que a comparação entre as redes, neste ano, é distorcida em razão das medidas sanitárias que tiveram de ser tomadas em razão da pandemia de Covid-19, já que houve diferença entre os modelos adotados entre os estados e escolas.A sexta reportagem de uma série que O POPULAR tem realizado sobre os temas que merecem maior atenção dos candidatos às eleições estaduais que ocorrem em outubro traz a situação e os principais desafios para a próxima administração estadual na educação. Os números do Ideb, mais que o ranqueamento entre outros entes federativos, mostram as consequências da pandemia em alunos e escolas em Goiás e apontam quais os focos devem ser abordados, como a defasagem no aprendizado, o aumento da saída de alunos das escolas, tanto por abandono ou evasão, e a necessidade de rever os modelos de ensino, impactado com novos equipamentos e tecnologias que tiveram de ser utilizados mesmo sem treinamento específico.A secretária da Secretaria de Estado de Educação de Goiás (Seduc), Fátima Gavioli, entende que a segunda posição, ao analisar todo o contexto da realização das provas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e os critérios de aprovação e fluxo dos alunos em todo o Brasil, é positivo. “No Ensino Médio era o primeiro e hoje é o segundo com 4,55. O primeiro é o Paraná com 4,6, é um décimo de diferença. Acredito que é porque eles têm aprovação automática, em São Paulo também tem. Se eu adotasse o contínuo, nós estaríamos disparados em primeiro. Acho que esse resultado agora vai fazer refletir sobre a aprovação automática no País.”No entanto, a secretária ressalta que, para ela, “esse Ideb não deverá fazer parte do histórico”. “Ele nunca deveria ter sido divulgado dessa forma e ninguém deveria ter colocado essas crianças para fazer essa avaliação com esta finalidade de ranquear. Se o MEC (Ministério da Educação) e o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, responsável pelo índice) realmente quisessem fazer, deveria ser para recompor a aprendizagem, não para ranquear. Quem teve mais dinheiro para lidar com a crise, evidentemente que se saiu melhor. Pedimos muito que fizesse com a finalidade pedagógica, mas, talvez, até por motivos políticos, querem divulgar o ranking”, diz.Fátima afirma que, assim mesmo, para Goiás o resultado foi reconfortante, “mas educação deve ser vista como sistema de ensino e não como ilha”. “O aluno que está hoje pode vir de uma queda de mais de 10 pontos. Ou eu faço a minha análise, como vou fazer, para recomposição de aprendizagem, ou não vai servir, mas quem não tiver dinheiro para fazer essa avaliação, fica com esse resultado aqui. Mas acho que foi o maior erro que a educação cometeu.”Superintendente executivo do Instituto Unibanco, o economista Ricardo Henriques avalia que a análise das notas do Ideb devem ser ponderadas diante das consequências da pandemia. “Até mesmo a apresentação do MEC foi mais comedida e é difícil ter comparações. Na pandemia, corretamente, houve mudanças, foi uma estratégia correta, mas isso fragiliza o índice, porque o rendimento (aprovação dos alunos) é artificial, com um crescimento que só se explica pela pandemia”, esclarece.Leia também:- Goiás tem expectativa de boas notas para o Ideb, diz secretária de Educação- Evasão escolar preocupa secretária estadual de educação- Projeto de lei muda a escolha de diretores nas escolas estaduais de GoiásHenriques diz que a melhor análise a ser feita pelos dados é com relação às notas do Saeb e mesmo assim levando em consideração que o recorte apresentado nesta sexta-feira (16) é ainda “muito agregado”, ou seja, ainda não foram disponibilizados os microdados. Com estes, seria possível analisar o quanto cada aluno evoluiu na aprendizagem. Fátima Gavioli lembra que Goiás fará essa análise e ainda terá as notas do sistema estadual (Saego), que consegue identificar se o aprendizado foi captado por cada aluno.O superintendente do Instituto Unibanco acredita que as notas do Saeb apontam uma tendência de defasagem no aprendizado, mas ainda não é possível ver a magnitude. Para se ter uma ideia, a proficiência em matemática no Ensino Médio, entre 2019 e 2021, teve uma queda de 11 pontos (de 283 para 272), o que para Henriques demonstra a defasagem, mas não se sabe qual o tamanho, podendo ser maior ou menor. “Importante usar isso para o ciclo seguinte, aumentar a coordenação, mapear e ver o que aconteceu.”Retomada de aprendizagem é desafioA defasagem de aprendizagem dos alunos como consequência da pandemia de Covid-19 é o principal desafio para a próxima gestão estadual, segundo especialistas da área de educação. Além disso, as mudanças decorrentes das medidas sanitárias, como as aulas remotas, e também a crise financeira nas famílias aumentada nos últimos anos, causaram abandono e evasão escolar, sendo necessário ao novo mandato estabelecer ainda políticas de retorno dos alunos para as salas de aula.Segundo o presidente do Conselho Estadual de Educação (CEE), Flávio Castro, o sistema educacional ficou muito tempo parado com a pandemia e o retorno se deu com dificuldades na rotina escolar, disciplina e na aprendizagem. “A evasão até foi se resolvendo. Tem uma situação histórica de evasão que é do fim do ensino fundamental para o médio, mas o fundamental a ser resolvido é a adequação dos aprendizados. Não se consegue mais dar a mesma aula que existia antes da pandemia”, diz. Já a educadora Fabiane Oliveira, membro do Comitê Goiás da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), entende que “esses sempre foram problemas que acompanham a educação”.“Com relação ao ‘catastrofismo’ anunciado da educação pela pandemia, há algo que precisa estar presente na cabeça das pessoas: mesmo sem as condições apropriadas de trabalho as escolas e seus profissionais da educação continuaram firmemente trabalhando, sobretudo nas escolas públicas, e desenvolvendo, dentro do possível e em detrimento da falta de infraestrutura tecnológicas que a população sofre”, diz Fabiane. Ela confirma, no entanto, que houve quedas de rendimento, já que “a maioria da população não tinha acesso à rede de internet e teve limitação ao uso de dispositivos, que, por muitas vezes, era compartilhado por uma família toda”.“Será um desafio rever as aprendizagens que não foram atingidas? Sim. Contudo, se a gestão estiver com o olhar voltado à educação, essa questão poderá ser trabalhada, de forma séria, inclusiva e necessária”, afirma Fabiane, ao ressaltar a necessidade de ver o tema como investimento e não como gasto. Líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge considera que essas consequências da pandemia na educação são os maiores desafios que os gestores vão encontrar no seu próximo mandato. “É importante que eles tenham ações voltadas à recuperação da aprendizagem, o aumento da permanência e da frequência escolar, em um acolhimento muito robusto aos professores e profissionais de educação que estão na escola lidando com toda essa volta às aulas em um processo muito delicado.”Mais cuidado com o ambienteAinda como consequência da pandemia de Covid-19, alunos, professores e funcionários apresentaram problemas psicológicos, como mais ansiedade e mesmo agressividade. Em maio deste ano, O POPULAR divulgou que a rede estadual de ensino recebeu mais de uma ameaça de atentados ou massacres por semana neste ano. “Os casos de violência ou ameaças não podem ser vistos de forma isolada e também não é somente a culpabilização na pandemia que é a resposta. Há um conjunto de fatores que precisam ser levados em consideração”, acredita a educadora Fabiane Oliveira, membro da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE).Segundo ela, a miséria a que a parcela mais vulnerável da população está submetida e a falta de segurança por essa parcela da população ser “alvo” e não protegida são alguns dos motivos para os problemas apresentados, além das consequências da pandemia, como a perda de parentes e pessoas próximas. “O ambiente escolar é um reflexo da sociedade. O que acontece no espaço social é configurado dentro de uma sala de aula. Negar o vírus foi uma escolha de governantes, infelizmente. Contudo, a escola não é um espaço que seja possível desenvolver um trabalho de cunho psicológico”, afirma Fabiane.Outro ponto importante, tanto neste sentido como na melhora da aprendizagem, é a valorização do profissional da educação. “Quando a gente fala de valorização, a gente precisa olhar pra várias dimensões que passam pela valorização salarial e para uma melhoria da carreira, mas que tem a ver com a estruturação de uma carreira atrativa, com desenvolvimento ao longo da carreira, alinhado com uma formação inicial e continuada”, diz o líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge.Fabiane ressalta que “é preciso que haja valorização dos profissionais com a garantia de salários que estejam realmente sendo pagos de acordo com o piso salarial nacional do magistério garantido pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e inseridos inclusive no Plano Nacional de Educação (PNE), nas metas 17 e 18, algo que não está ocorrendo de forma efetiva”.-Imagem (1.2531320)