Goiás registrou dois casos de estelionato virtual por semana em 2021. Ao todo, foram 112 ocorrências no ano passado, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Especialistas argumentam que a prática do crime deve continuar aumentando com o avanço do uso da internet no cotidiano das pessoas e alertam para a importância de a população se proteger contra este tipo de atividade criminosa.A corretora de imóveis Joana Darc de Oliveira, de 47 anos, foi vítima de um estelionato virtual em maio deste ano. Ela estava usando o aplicativo do Instagram quando o perfil de uma amiga que é esteticista começou a publicar uma série de stories anunciando promoções de procedimentos estéticos e também a venda de outros objetos como, por exemplo, uma máquina de lavar roupas e um micro-ondas.“Na hora achei que era um bom negócio e chamei ela no chat. A pessoa conversou comigo como se fosse ela e disse que os itens eram de uma funcionária que estava se separando e precisava vender tudo com urgência”, relata. A intenção de Joana Darc era adquirir um pacote de procedimentos estéticos e um micro-ondas. Entretanto, ela acabou ficando apenas com um prejuízo de 600 reais.“Logo depois que fiz o PIX, eu caí na real. Então, liguei na clínica e uma funcionária me contou que a conta dela tinha sido invadida e ela estava indo para a delegacia. Levaram mais de R$ 20 mil dos clientes dela. Minha filha tinha caído em um golpe parecido pouco tempo antes e perdido 300 reais. Porém, na hora eu nem me toquei. Eles se aproveitam do nosso desejo de adquirir alguma coisa e ficam colocando pressa para fazermos a transferência do dinheiro. Não dá tempo de racionalizar”, desabafa.O advogado e especialista em Direito Digital, Fernando Abdelaziz, diz que nesses casos é imprescindível guardar toda e qualquer prova do crime. “Em seguida, caso o crime envolva a conta bancária, é necessário entrar em contato com a instituição financeira para tentar impedir o prosseguimento da ação. Depois, recomenda-se procurar a delegacia especializada em crimes cibernéticos e, por fim, procurar um advogado de sua confiança.”ModalidadesO delegado da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (Dercc), Davi Rezende, esclarece que o crime de estelionato é quando um indivíduo obtém alguma vantagem indevida usando de fraude. “É aquela máxima: eu te engano e você me entrega algo. O estelionato digital é quando este crime acontece por meio eletrônico.”Rezende aponta que a situação que Joana Darc viveu é um dos tipos mais comuns de estelionato digital, junto com golpes ligados ao WhatsApp, que funcionam utilizando a mesma lógica. “Também tem o golpe do leilão. Os criminosos criam páginas falsas de leilão de veículos. As vítimas entram, arrematam e fazem a transferência bancária. Só quando entram em contato com a casa de leilão real, é que percebem que foram vítimas do golpe. Dificilmente o prejuízo é abaixo de R$ 30 mil”, conta Rezende.O delegado explica que independentemente da maneira que o golpe é aplicado, os estelionatários têm sempre o mesmo modo de agir. “Mesmo virtualmente, eles usam da engenharia social para poder aplicar esses golpes. Eles se utilizam sempre dessas técnicas de ludibriar as pessoas”, afirma.Rezende elucida também que o PIX, ferramenta para transações financeiras rápidas lançada em 2020 pelo governo federal, tornou a aplicação do golpe mais rápida. “Antigamente, muitas vezes a pessoa tinha de ir até o banco para fazer a transferência. Nesse meio tempo, poderia cair em si de que estava sendo vítima de um golpe.”AumentoO delegado considera natural que com o aumento do número de operações que são feitas pelo celular, este tipo de crime também cresça. “É comum que uma prática criminosa mude de uma modalidade para outra. Isso acontece por diversos fatores. Esses crimes praticados à distância têm crescido, pois a nossa vida também está assim. Atualmente, é tudo feito remotamente. O dinheiro que usamos é em grande parte virtual (cartões de crédito, PIX, aplicativos, etc.).”O presidente da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO), Cristiano Moreno, compartilha do mesmo ponto de vista. “Isso ocorre principalmente pela ampliação do uso das tecnologias para se comunicar, trabalhar e especialmente em face da pandemia da Covid-19, deixando as pessoas ainda mais conectadas. Assim, os crimes antes praticados em sua maioria de forma presencial, migram para o ambiente digital potencializando o número de vítimas.”Moreno destaca ainda que grande parte da prática desse crime está alicerçada no desconhecimento do cidadão. “Assim, investir em campanhas educativas e levar informação de qualidade é essencial para que a população em sua maioria esteja atenta aos golpes.”Invasão de perfis é passo para violaçãoA invasão de perfis em redes sociais ou de WhatsApp é um dos principais meios pelos quais o crime de estelionato virtual acontece. O delegado da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (Dercc), Davi Rezende, explica que existem várias formas diferentes de um criminoso sequestrar o perfil ou roubar dados de alguém. Muitos deles estão ligados ao WhatsApp como, por exemplo, o golpe do novo número. Nesse caso, a conta do WhatsApp e o número da pessoa não são roubados. O que acontece é que por meio de um vazamento de dados, os criminosos conseguem informações como contatos próximos e a foto de perfil da pessoa. Então, utilizando outro número de celular, eles se passam pela pessoa para pedir dinheiro a conhecidos. O delegado alerta para a existência de outros formatos mais sofisticados, como quando acontece o sequestro do WhatsApp ou do número de celular de alguém depois de a pessoa clicar em algum link. Isso pode acontecer por meio de links enviados por criminosos no próprio WhatsApp com, por exemplo, proposta de emprego, mas também por e-mail, nas redes sociais e em sites não confiáveis.De acordo com ele, uma das maneiras mais eficazes de combater o crime é fortalecer a segurança. “No ‘mundo tradicional’ a gente se preocupa em aumentar a proteção da nossa casa e em tomar a vacina para resguardar nossa saúde. Também precisamos fazer isso no meio digital.”Crime tem pena mais rígidaAté maio do ano de 2021, crime de estelionato virtual não tinha uma tipificação própria e entrava nas estatísticas junto com o crime de estelionato. No ano passado, o Código Penal sofreu uma mudança e o crime passou a ter uma pena maior. Enquanto a pessoa pode ficar de um a cinco anos presa pelo crime de estelionato, a pena pelo estelionato por meio eletrônico vai de quatro a oito anos. O presidente da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO), Cristiano Moreno, explica que tecnicamente a fraude eletrônica caberia no mesmo conceito do estelionato quando o Artigo 171 do Código Penal usa a expressão “ou qualquer outro meio fraudulento”. “Porém, visando a trazer mais clareza e aumentar a pena, o legislador cria a figura da fraude eletrônica citando os meios digitais como mecanismo de majorar a pena.”A pena por estelionato por meio eletrônico ainda pode aumentar de um terço ao dobro se a vítima do crime for um idoso ou pessoa vulnerável. Além desta tipificação, a Lei nº 14.155 de 27 de maio de 2021, também criou um tipo penal específico para quando existir invasão de dispositivo eletrônico, que é um dos meios utilizados pelos criminosos para cometer o estelionato virtual. A pena é de um a quatro anos de prisão. MudançaAté 2020, todos os crimes de estelionato eram computados juntos. De uma maneira geral, ao longo dos anos, os números tiveram crescimento tanto em Goiás quanto no Brasil (veja quadro). Para se ter ideia, no estado, foram 35,2 mil casos em 2020 contra 55,6 mil em 2021. Com esta alteração na legislação, ao longo dos próximos anos será possível avaliar de forma mais consistente o crescimento da prática específica do estelionato virtual. Os dados também são ferramentas utilizadas para o desenvolvimento de políticas públicas relacionadas ao tema.O delegado da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (Dercc), Davi Rezende, avalia a mudança na legislação de forma positiva. “É um sinal de que os legisladores estão atentos às mudanças e migrações das práticas criminosas, que perceberam a especificidade deste tipo de crime e que ele merece ser punido de forma mais severa.”Rezende aponta ainda que é natural que as mudanças legislativas aconteçam depois do crescimento de determinada prática criminosa. “A legislação penal não consegue antever o crime. Então, a partir do momento que uma conduta começa a ser reprovada em maior ou menor grau, surge esta necessidade de tipificação. Estas alterações são importantes para conseguirmos trabalhar. Atualmente, principalmente depois do Marco Civil da Internet em 2014, temos ferramentas que possibilitam uma investigação que nos faça chegar até os autores dos crimes”, finaliza. Estado teve 77 roubos ou furtos de celular por diaGoiás registrou uma média de 77 roubos ou furtos de celulares por dia em 2021. Foram 28 mil casos. Além do interesse no aparelho em si, o roubo ou furto desses objetos também está ligado à prática de crimes cibernéticos, já que muitas vezes os celulares são roubados para que os aplicativos sejam invadidos e outros crimes como o roubo do dinheiro em contas bancárias e o estelionato virtual sejam praticados. Apesar do número de roubos e furtos de celulares ser alto, em Goiás, ele ainda teve uma redução em relação a 2020, quando foram registradas 32,1 mil ocorrências, uma média de 88 roubos ou furtos por dia. A queda vai na contramão dos números nacionais, que tiveram aumento. Foram 825,9 mil roubos ou furtos no Brasil em 2020 e 847,3 mil em 2021. Ao mesmo tempo que o roubo ou furtos de celulares no Brasil cresceu, o roubo a transeuntes diminuiu. Foram 521 mil casos em 2020 contra 485,4 mil em 2021. De acordo com informações do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, esse contraste muito possivelmente indica que os dados de roubos e furtos de celulares retratam melhor os crimes cometidos em vias públicas e a sensação de segurança nos ambientes urbanos.Em Goiás, o número também teve uma queda. Foram 18,3 mil roubos a transeuntes no ano passado contra 13,7 mil neste ano. O delegado da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (Dercc), Davi Rezende, aponta que na prática tem percebido uma relação entre os crimes de estelionato virtual e roubos ou furtos. “Quando prendemos alguém por isso (estelionato virtual), normalmente essa pessoa não tem passagens por estelionato e sim por furto ou roubo.”No início de junho, a Polícia Militar recuperou 80 celulares que foram furtados durante o show da dupla sertaneja Henrique e Juliano, no estádio Serra Dourada, em Goiânia.Leia também:- Organização é suspeita de aplicar golpes milionários com fabricação de dinheiro- Homem é preso suspeito de dar golpe de R$ 300 mil em banco de Formosa- Suspeitos de estelionato virtual são alvos de operação em Catalão-Imagem (1.2484229)