A semana que termina neste sábado (10) trouxe uma notícia quente para os goianienses: marca atingida anteriormente apenas uma vez na história, os termômetros da capital se acostumaram com temperaturas acima de 40° Celsius (C). Os picos inéditos de calor, porém, são resultado de uma elevação constante que coincide também com o aumento da chamada mancha urbana da capital. Em 30 anos, os eventos extremos de temperatura subiram cerca de 3°C, enquanto a mancha urbana (que é onde há construções) cresceu aproximadamente 140%.As mudanças de temperatura ocorrem em escala global. Além das mudanças climáticas, há atuação de fenômenos como o El Niño e La Niña. Mas intervenções pontuais, como a diminuição da cobertura vegetal, interferem diretamente no microclima local. Em Goiânia, a mancha urbana cresceu de 180 para 440 quilômetros quadrados em 30 anos. Em Aparecida de Goiânia, a mancha foi de 90 para 200 quilômetros quadrados, conforme dados do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás.O avanço da mancha urbana ocorre em todos os municípios da região metropolitana de Goiânia. Em números aproximados, os maiores avanços ocorreram em Senador Canedo (de 15 para 62 km²), Bela Vista de Goiás (de 4 para 28 km²) e Hidrolândia (de 2 para 32 km²). “Mais área construída, menos área verde. A relação é direta”, resume o doutor em Ciências Ambientais Manuel Eduardo Ferreira, da UFG.PastagensAlém da mancha urbana, a troca de vegetação nativa por pastagens ou plantações é outro fator a influenciar no clima local. As gramas usadas para o gado, por exemplo, têm raízes e folhas mais curtas que as árvores do Cerrado, comprometendo o fenômeno chamado evapotranspiração – a conjunção da evaporação da água da superfície e da transpiração das plantas. Assim, perde-se um importante fator de controle da temperatura.Na região metropolitana de Goiânia, esta é uma característica comum. Em Caldazinha, por exemplo, quase 70% da área do município são de pastagens. Em Aragoiânia e Nova Veneza, são 60%. Além da questão da evapotranspiração, os pastos interferem também em outro fenômeno, o efeito de albedo, que é a capacidade de uma determinada superfície de refletir a radiação solar. Sem árvores, esta radiação acaba tocando o solo e retornando em grande porcentual, causando a sensação de calor extenuante nas pessoas.Doutor em geografia e professor da UFG, Diego Tarley Ferreira do Nascimento destaca que os principais fatores que ocasionam os eventos extremos de temperatura são a maior liberação de gases de efeito estufa pelas atividades humanas, desmatamento e queimadas, “que têm tido maior incidência neste ano”.Nos centros urbanos, como é o caso de Goiânia e a maior parte dos municípios da região metropolitana, há ainda a substituição da vegetação natural por asfalto e concreto, presença de indústrias e maior fluxo de veículos. “Tudo isso repercute na temperatura”, explica o especialista.Mesmo em pequena escala, há prejuízos para o microclima local. É o caso, por exemplo, do trecho da Avenida Goiás Norte, entre a Praça do Trabalhador e a Perimetral Norte, onde a arborização foi retirada para a construção do BRT Norte Sul. “Trocar flamboyants por concreto deixa o local insalubre”, diz Manuel Eduardo. “Compensar plantando em outros locais, mais adensados de vegetação, é até interessante, mas não vai melhorar a situação do ambiente afetado”.Esta tendência de incremento nas temperaturas máximas também se repete nas mínimas. É o que demonstra a pesquisa para doutorado da professora Gislaine Cristina Luiz, do Instituto de Pesquisas Socioambientais da UFG.Coletando dados de 1961 a 2008, a pesquisadora notou que, para um acréscimo de 1,9°C na média mensal da temperatura máxima, houve um acréscimo de 2,4°C na média mensal da temperatura mínima. Isso significa que as noites também estão mais quentes que nos anos anteriores. Uma semana acima dos 40°CAs temperaturas romperam a casa dos 40° Celsius por seis vezes desde o dia 3 em Goiânia. A máxima chegou a 40,5°C, nos dias 4 e 7. As medições foram feitas na estação automática do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A única vez que a capital havia chegado a 40°C foi no dia 15 de outubro de 2015, como demonstra um estudo conduzido pelo professor Diego Tarley Ferreira do Nascimento com dois estudantes de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Essa medição, porém, foi feita na estação convencional.Esta onda de calor é reflexo da ação de uma massa de ar quente e seca, com movimentos de cima para baixo, que impedem a formação de nebulosidade. “Isso proporciona um céu claro, com muita radiação solar e, consequentemente, maior elevação na temperatura do ar”, explica Diego Tarley.O professor diz que os registros de eventos de temperaturas máximas extremas em Goiânia, de 1961 a 2019, mostram que é evidente a tendência de elevação nestes valores. Especialmente a após a década de 1990. Ele lembra, ainda, que o período mais quente em Goiânia é exatamente na primavera e não no verão, período chuvoso.