Em pelo menos 44 pontos de alto fluxo de tráfego em Goiânia os pedestres atravessam as ruas sem a garantia mínima de segurança, de acordo com um levantamento feito pelo professor do curso de Engenharia de Trânsito do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen. Ele, que também é engenheiro, acompanhou in loco vários locais das regiões Sul e Central da capital e constatou diversas falhas de infraestrutura ou de sinalização que colocam em risco os transeuntes durante as travessias. Há problemas desde a falta de faixa de segurança, a continuidade da sinalização, confusão nos alertas a quem passa ou até mesmo problemas de infraestrutura.Neste último caso, Rothen aponta os viadutos construídos em Goiânia como um grande perigo aos pedestres, visto que não há qualquer barreira ou sinal que impeça as pessoas de atravessarem as avenidas de alto fluxo de carros nos locais em que foram construídas as obras de arte, como no cruzamento das avenidas 85 e T-63. Também na 85, entre a T-11 e a Mutirão, há faixas de pedestres duplicadas, mas sem a continuidade do outro lado da rua. Ou seja, uma delas, mais perto da T-11 está praticamente apagada, mas houve o corte no canteiro central permitindo a travessia, a outra, mais próxima da Mutirão, é bem visível, só que termina entre os dois sentidos da pista.Há ainda diversos pontos da Avenida Paranaíba, especialmente em quadras maiores, visto que se trata de uma via larga, de dois sentidos e sem canteiro central. O professor lembra que, especialmente em dias de eventos no Estádio Olímpico, a travessia se torna mais perigosa devido ao aumento do volume no tráfego e de pessoas, mesmo que seja uma Zona 40, cujo limite máximo de velocidade permitido é de 40 quilômetros por hora (km/h). Outros locais inseguros são as rotatórias de grande porte, como a Praça Ciro Lisita, em que não há local para o pedestre e muitos se arriscam para atravessar, tendo de correr para não ser atropelado.In locoPara a realização da pesquisa, o professor utilizou como critério ficar pouco tempo em cada local visitado para perceber como os pedestres se comportavam, como e onde faziam a travessia e se corriam risco, tendo de correr ou fazer qualquer outra ação não normal de caminhar para chegar ao destino.”Mesmo assim, diversos flagrantes foram feitos, até com facilidade. Várias situações são pitorescas, mas também causam agonia”, diz. Outro critério foi restringir os locais aos bairros próximos da área central de Goiânia, sendo adotada a percepção da situação de risco, exemplos apresentados na literatura técnica e soluções resolvidas em cidades estrangeiras e as normas definidas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e os manuais de sinalização.“No projeto estudo manuais técnicos relacionados a países desenvolvidos. Nesse estudo observei que em todos os modelos de projetos, o pedestre deve ser considerado, sendo obrigatório dar opções seguras para ele efetuar a travessia, associei essa teoria a minha experiência, e a experiência de alguns alunos, como pedestres em Goiânia e expandi a pesquisa para locais onde passo como motorista. O objetivo foi verificar as falhas e como os pedestres fazem para sobreviver numa cidade onde não são devidamente considerados como usuários da cidade”, observou o professor.Ele ressalta que já havia verificado problemas em locais já estabelecidos, como os apontados na Avenida 85, mas lhe chamou a atenção o fato de que as obras mais recentes também não apresentarem soluções para a segurança dos pedestres.“O pedestre foi esquecido. E, desses casos, o mais impressionante é o do Viaduto da Avenida Jamel Cecílio. A região é densamente ocupada por atividades comerciais e o pedestre foi totalmente esquecido”, afirma.O professor aponta que na cidade de São Paulo, mesmo tendo maior tráfego que Goiânia, há uma maior garantia para os pedestres atravessarem avenidas.O secretário da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), Horácio Mello, considera que, no geral, todas as cidades brasileiras possuem uma dívida histórica com os pedestres. “Não conheço ainda o estudo do professor do IFG, mas todo apontamento é importante para a gente, que possamos ver e reconhecer caso possamos melhorar. As cidades não têm sido mesmo planejadas para os pedestres, no Brasil inteiro, há essa dívida. Mesmo que as leis coloquem os pedestres como prioridade, a gente sabe que isso não ocorre, não tem infraestrutura adequada”, diz. Mello aponta que a SMM deve lançar ainda neste ano um novo pacote sobre mobilidade, e haverá foco no respeito à faixa de pedestre e o reforço sobre a prioridade de quem anda a pé.Avenida 85 é a mais perigosaEntre os pontos visitados e analisados pelo professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen, como inseguros para a travessia de pedestres, a Avenida 85/S-1 é a que mais apresenta locais propícios a atropelamentos. O viaduto João Alves de Queiroz, no cruzamento da T-63, recebe pedestres que tentam cortar a via em locais inapropriados, como nas ruas T-64 e T-62, mesmo com muretas que iniciam a obra de arte. “Nas saídas da trincheira da Praça do Chafariz a situação é dramática e no corredor da 85, na altura da Avenida 136, do Setor Sul, onde há risco para os passageiros de ônibus”, aponta o pesquisador.No último caso, o ponto de embarque e desembarque do transporte coletivo é situado em uma ilha que fica na divisa entre a 85 e a 136, no sentido Sul-Centro, e o único ponto relativamente seguro para acessar o local é um pouco mais abaixo, no encontro das vias no sentido oposto, que dá acesso à Rua T-55. Até por isso, há uma preferência dos pedestres em chegar até o ponto se arriscando entre os carros. Situação semelhante ocorre entre a Avenida T-11 e Alameda Coronel Joaquim Bastos, em que o ponto de ônibus está no meio da quadra e muitos pedestres fazem o trajeto longe da faixa, justamente em que o canteiro central foi retirado para o aumento de espaço para os carros.Para o professor, o caso é ainda mais grave por se tratar de um corredor do transporte coletivo, ou seja, uma via transcrita no Plano Diretor e que já recebeu intervenções para favorecer o tráfego dos ônibus da região metropolitana, mas não houve a iniciativa de dar segurança aos passageiros, que sempre vão precisar caminhar para chegar aos pontos. Já nas proximidades do viaduto Latif Sebba, na Praça do Ratinho, há muitos pedestres que realizam a travessia de seis faixas de rolagem de veículos automotores sem ter o canteiro central, que serve como descanso ou mesmo segurança para quem caminha. O professor também declara como pontos mais inseguros percebidos na pesquisa outro corredor de ônibus, este realizado ainda mais recentemente, que é o do BRT Norte-Sul, no cruzamento da Rua 90 com a Avenida 136, e em outros pontos em que não foi pensado o acesso dos passageiros ao corredor. Rothen afirma ainda que a construção do viaduto da Avenida Jamel Cecílio se fez com as mesmas falhas de segurança para quem anda a pé na região.Segundo Rothen, “nos viadutos devem ser fornecidas opções de travessia, com a implantação de faixas de pedestres semaforizadas. Os pedestres devem ser impedidos de efetuar a travessia fora das faixas e isso deve ser feito com a implantação de barreiras físicas que impeçam os pedestres de se arriscarem. Chama-se canalização dos pedestres e é muito utilizada em diversos locais”. O secretário de Mobilidade, Horácio Mello, confirma que há previsão de barreiras para canalizar a passagem dos caminhantes, mas que não há programa municipal para a instalação destas.Planejamento deve incluir pedestresNa conclusão de sua pesquisa, o professor de Engenharia de Trânsito do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen, considera que o pedestre não é considerado nos projetos viários em Goiânia. “Ao fazermos um projeto em uma interseção temos que verificar os volumes e movimentos dos veículos, volumes e movimentos dos ônibus, os volumes e os movimentos dos pedestres. Ao esquecer ou deixar de considerar os pedestres, o projetista da sinalização favorece o movimento dos carros, permitindo maior velocidade”, explica. O entendimento é que Goiânia deveria incluir o pedestre nos projetos já implantados como um dos usuários prioritários da via e não apenas priorizar a velocidade elevada dos veículos. “O projeto de pesquisa procura trazer para as situações encontradas práticas adotadas com sucesso em outros locais, trazendo ideias, normalmente mais ‘frescas’ ou mais ‘abertas’”.Rothen acredita que a pesquisa pode contribuir com bons exemplos. “Na realização deste projeto foram vivenciadas situações dramáticas com os pedestres correndo risco, pessoas que andam com dificuldades tendo que correr para não serem atropeladas. As autoridades podem fazer parcerias com a academia na busca de uma maior segurança para os pedestres.”Prefeitura promete reforçar segurançaO titular da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), Horácio Mello, afirma que o Paço Municipal vai lançar ainda neste mês um pacote de campanhas e instalações que visam dar maior segurança aos pedestres em Goiânia. “Vamos divulgar o respeito às faixas não semaforizadas, porque as semaforizadas são mais fáceis, tem o semáforo que faz o controle do tráfego. As que não possuem são mais problemáticas, os motoristas não costumam respeitar. Vamos fazer uma campanha simbólica para mudar o comportamento, reforçar a sinalização, lembrar que a preferência é sempre do pedestre”, diz.Outra campanha será feita em 2022, quando houver o retorno do período letivo nas escolas de Goiânia, com treinamento de funcionários das escolas para auxiliar na travessia dos alunos e no respeito às faixas de pedestres. Mello também diz que o Paço Municipal fará obras de acessibilidade entre as faixas e as calçadas. “Muitas vias foram recapeadas e as faixas foram refeitas em locais diferentes, onde não tem rampa de acesso.” Um dos pontos verificados pelo estudo do IFG é na Avenida T-3 com T-5, no Setor Bueno, em frente ao Parque Vaca Brava, em que a faixa de pedestre liga um lote baldio, sem qualquer acesso, a um bueiro elevado, do qual o pedestre não consegue ultrapassar.Sobre a insegurança de atravessar as vias nas proximidades dos viadutos de Goiânia, o secretário ressaltou que há proibição de que isso ocorra, inclusive com a aplicação de multa, mas que a mesma não está regulamentada. “Eu mesmo fui e sou contra regulamentar e dar multa para pedestre, porque não oferecemos infraestrutura para eles e não podemos multar a vítima. A cidade hoje não dá segurança”, considera. Mello ressalta, no entanto, que os próximos viadutos a serem construídos na capital deverão contar com estrutura própria e segura para pedestres e também ciclistas. “Os pedestres se arriscam muito, vamos ter que induzir a ir pelo caminho mais seguro.” -Imagem (1.2366374)