Uma confusão que teria sido iniciada por divergências políticas acabou com um fiel baleado em uma igreja evangélica de Goiânia nesta quarta-feira (31). O disparo foi feito por um policial militar que frequenta a Congregação Cristã no Brasil (CCB) Finsocial, bairro situado na região noroeste da capital. O irmão da vítima diz que as brigas começaram há um mês após ele e o irmão se posicionarem contra falas do líder da igreja que passou a pedir para os membros não votarem em partidos “vermelhos”.No registro da ocorrência consta apenas a versão dos policiais que estiveram no local. Um dos militares diz que o cabo Vitor da Silva Lopes, de 37 anos, que efetuou o disparo, teria agido de forma acidental. Sem expor o que teria causado a briga, o registro se limita a dizer que “indivíduos tentaram entrar em luta corporal com o policial” e que ele, para se “desvencilhar”, efetuou o disparo que atingiu a perna de Davi Augusto de Souza, de 40 anos. O homem está internado no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), passou por uma cirurgia e não corre risco de morte. A Polícia Militar (PM) diz que instaurou processo de apuração.O irmão de Davi, o bacharel em Direito Daniel Augusto, de 45 anos, contesta a versão do boletim de ocorrência e diz que o cabo iniciou a briga dando socos nele e no irmão e logo na sequência tentou atirar diversas vezes, tendo a arma falhado na maioria das tentativas. As agressões seriam uma reação ao possível enfraquecimento do líder da igreja após Daniel conceder entrevista no dia 26 do último mês. Na matéria do jornal Diário de Goiás, o homem que frequenta a igreja desde que nasceu denunciava que o líder religioso passou a indicar, durante os cultos, em quem os membros da igreja deveriam votar.Leia também:- TSE proíbe porte de arma perto de seções eleitorais no dia da votação- Secretaria apura como projeto com crianças marchando com réplicas de fuzis foi parar em escola- PMs suspeitos pelo assassinato de servente que entrou em viatura estão envolvidos em 15 mortesOs vídeos registrados minutos após Davi ser baleado mostram que o culto religioso continuou a ser realizado normalmente, com dezenas de pessoas que se mantinham em posição alheia ao ocorrido, apesar do movimento de policiais e de equipes de resgate. O POPULAR tentou falar com outros fiéis durante todo o dia para buscar outras versões do ocorrido. A igreja estava vazia durante a tarde e não tinha programação para a noite desta quinta-feira (1º). Um casal que estava na igreja no momento do disparo desligou o telefone após ser pedido para explicar o que havia acontecido.A publicação com a entrevista de Daniel recebeu centenas de comentários de fiéis da CCB nas redes sociais. A maioria deles nega que a igreja esteja buscando interferir nos votos. Muitos, no entanto, defendem que o pastor deve de fato instruir os membros sobre em quem votar. Segundo Daniel, o dirigente está à frente da igreja do Finsocial há 33 anos, e até o início deste ano não colocava temas políticos nas pregações. A situação mudou e Daniel passou a ter de lidar com comentários como “esse pessoal da bandeirinha vermelha é do demônio”.RegimentoO bacharel em Direito tem histórico de participação em movimentos sociais, diz que preza a fé, mas não aceita que haja interferência. “Em um desses cultos eu levantei a mão e pedi para que ele não falasse de política e apenas de Jesus. Na hora ele já me chamou de demônio, de rebelde”, conta Daniel sobre o momento em que as desavenças ganharam uma maior proporção.Um dos motivos para o bacharel em direito seguir frequentando a CCB é pelo que prevê o estatuto da igreja, disponível no site oficial, tendo este sido consultado pela reportagem. No documento fica determinado que as unidades não podem ter qualquer vínculo com partidos ou ideologias políticas. “Também é vedado aos membros, integrantes do Ministério e da Administração utilizar-se do nome da Congregação Cristã para fins políticos, eleitorais ou ideológicos”, prevê o regimento da igreja que diz ter mais de 20 mil templos pelo País e cerca de 4,5 milhões de fiéis.No entanto, poucos dias após a confusão na CCB Finsocial, a direção nacional da igreja publicou um documento que deixa as orientações políticas subentendidas. “Não devemos votar em candidatos ou partidos políticos cujo programa de governo seja contrário aos valores e princípios cristãos ou proponham a desconstrução das famílias no modelo instruído na palavra de Deus, isto é, casamento entre homem e mulher”, diz o documento encaminhado para todas as igrejas.Orientação central repassada era moderadaPara o irmão de Davi, Daniel Augusto, a diretriz nacional da igreja foi muito menos enviesada do que as posições do pastor. “Depois que a minha entrevista foi publicada eu voltei tranquilo para a igreja, porque muitos anciões me receberam bem. Fizeram uma reunião para dizer que deveríamos parar com as brigas e que a igreja deveria estar pronta para receber irmãos de todas as vertentes políticas”, diz sobre a repercussão. No entanto, uma ala da igreja, que incluía o cabo Vitor, seguiu atacando Daniel. “Marcaram para eu vir na igreja na quarta-feira (31) para falar sobre o que seria decidido (sobre as declarações políticas durante as reuniões). Meu irmão saiu da igreja para beber água, o policial foi atrás, eu também fui e quando vi, meu irmão estava desnorteado por um murro que tinha recebido”, conta. Pela narrativa de Daniel não fica claro como a confusão foi desenrolada. Ele sustenta que Davi, ele e um filho levaram socos de Vitor, que sacou a arma, teria apontado para o seu rosto e disparado, momento em que a arma falhou. No entanto, em outra tentativa, Davi foi atingido. O caso foi registrado na Central de Flagrantes da Polícia Civil (PC). A informação é de que o registro deve ser encaminhado para a 21ª Delegacia Distrital de Polícia de Goiânia, que deverá proceder com as investigações. Até o fim da tarde, no entanto, a unidade ainda não havia recebido o caso. RespostasO POPULAR entrou em contato com a Polícia Militar (PM), perguntou se a corporação está ciente das diferentes versões e se apura o ocorrido. Em nota, a PM diz que assim que tomou conhecimento do caso determinou a instauração de procedimento administrativo disciplinar para apurar as circunstâncias do fato. “Informamos ainda que o policial militar se apresentou de forma espontânea na delegacia de polícia civil para os procedimentos cabíveis”, completa. A Polícia Civil (PC) foi questionada se os investigadores estão cientes das diferentes versões e se já abriu o processo de investigação. Por fim, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) também foi questionada se tinha conhecimento sobre o ocorrido. Não houve resposta da SSP e da PC. -Imagem (Image_1.2521451)