Jucinaldo discutiu com Jucinalda na casa dela, em Rio Verde. Jocinaldo foi intervir e acabou sendo ferido por Jucinaldo, que ao fugir foi preso e na delegacia foi confundido com Josivaldo, que já era procurado por um homicídio. Por fim, Jucinaldo ficou detido como Josivaldo por quase sete meses, sendo que se fosse só pela briga com Jocinaldo teria saído da cadeia em quatro.A história – confusa – aconteceu em Rio Verde e chegou ao fim neste fim de semana quando o catador de recicláveis Jucinaldo Freire da Silva, de 38 anos, deixou a cadeia pública de Jataí, para onde foi transferido. Como não bastasse o tempo preso no lugar de Josivaldo, de 36, o catador ainda voltou para Rio Verde a pé por 45 quilômetros até conseguir uma carona.Jucinaldo é um dos filhos de Maria do Socorro e de Francisco João, todos nascidos em Juazeiro (BA). Parte da família se mudou para Rio Verde e região há muitos anos. No dia 28 de novembro, o catador teria se envolvido em uma briga com a irmã, Jucinalda, e com o filho dela, Jocinaldo.O sobrinho, de 20 anos, contou que o tio estava provocando a ex dele, o que o irritou, e na briga acabou sendo esfaqueado por Jucinaldo. Já uma outra testemunha teria dito que a discussão começou com uma brincadeira mal interpretada sobre uso de drogas, que o rapaz de 20 anos foi separar a mãe e o tio e acabou sendo empurrado por este, indo parar no suposto uso da arma branca.Jocinaldo chamou a polícia, e os policiais militares tiveram de correr atrás do catador, até encontrá-lo escondido deitado em uma moita. Ele se entregou sem resistência. A partir daí, começou a confusão.Já na delegacia, Jucinaldo começou a ser confundido com o irmão, Josivaldo, que não morava em Rio Verde e tinha contra si um mandado de prisão por ter matado um amigo com 15 facadas durante uma discussão em Acreúna em junho de 2014.Na audiência de custódia, no dia 30 de novembro, visivelmente nervoso e confuso com o uso de tecnologia para o encontro virtual, Jucinaldo se embaralhou ao dizer o próprio nome e não corrigiu o juiz quando passou a ser chamado pelo nome do irmão foragido.Levado para a cadeia em Rio Verde, o catador poderia ter saído em março, quando a Justiça revogou a prisão dele por demora na conclusão do inquérito policial. Como tudo começou numa briga familiar, os parentes não queriam levar aquilo adiante.Ainda havia o processo pelo homicídio. A confusão dos nomes já era de conhecimento da Justiça desde pelo menos fevereiro, quando passou por uma nova audiência. Foi requisitada atuação de peritos do Instituto de Identificação de Goiás para resolver o impasse.Na audiência, cujo vídeo O POPULAR teve acesso, Jucinaldo tenta contar as agressões sofridas por ele na cadeia e por policiais, mas se confunde ao expressar o momento em que ocorreram, pois já estivera preso uma outra vez anteriormente, quando aparentemente morava em Acreúna. O juiz pergunta algumas vezes sobre o tema, mas não avança.Enquanto a resposta dos peritos não chegava, Jucinaldo seguia preso. No final de março, Jucinalda, ao sair do presídio onde visitava o irmão, foi ajudada pelo advogado Gilson Santos e aproveitou o encontro por acaso para lhe pedir que interviesse no processo do irmão.De acordo com Gilson, os parentes do catador não sabiam que a Justiça precisava ser provocada para que houvesse maior celeridade na solução sobre o nome trocado e acreditavam que ele seria solto por intervenção do próprio judiciário. Perícias foram solicitadas em Goiás e na BahiaDepois que o advogado entrou no caso, ainda foram necessárias duas novas requisições de perícia, uma ao Instituto de Identificação de Goiás e outra ao da Bahia. Desde o começo de abril, o advogado entrou com uma série de pedidos de relaxamento da prisão, mas todos foram negados sob alegação de que era necessário aguardar a correta identificação de Jucinaldo.Analfabeto, o catador não tinha documentos de identidade, apenas o registro de nascimento. E não chegava nenhuma resposta da Bahia. Neste intervalo de tempo, Jucinaldo ainda foi transferido para o presídio em Jataí. Não consta no processo o motivo da mudança. Gilson disse que o catador ficou confinado numa cela com 25 presos onde cabiam 8.“Trata-se de pleito complexo, uma vez que o requerente alega não ser a pessoa do denunciado, sem, contudo, ter a posse de qualquer documento de identificação para provar suas alegações, fazendo-se necessário aguardar pela identificação criminal, justificando o retardo no processamento do feito, atualmente na fase final da instrução”, escreveu o promotor Rafael Massaia dos Santos, ao sugerir que se mantivesse Jucinaldo preso em uma petição assinada no dia 20 de maio.No dia 7 de junho, Gilson insistiu com mais um pedido de requerimento de soltura visto que a resposta da perícia nunca chegava. O MP-GO rebateu dizendo que era preciso esperar o prazo de até 15 dias, sem considerar que este período leva em conta o último ofício enviado e não o primeiro, e pede que a Justiça confirme se o requerimento havia sido recebido pelo Instituto de Identificação de Goiás.A resposta da Unidade Avançada de Serviços Papiloscópicos de Jataí chegou no dia 9 de junho. O documento informava que as digitais do preso não batiam com a do registro que havia de Josivaldo no sistema e mandou as imagens que tinham do registro de Jucinaldo. No dia seguinte, o promotor de Justiça encaminhou um ofício à Justiça requisitando a soltura de Jucinaldo. “Uma vez confirmada a identidade do requerente Jucinaldo Freire da Silva e não sendo este a pessoa do denunciado Josivaldo Freire da Silva, a revogação da prisão preventiva é medida que se impõe”, escreveu.Meia hora após a entrada da petição do MP-GO, o juiz Ronny Andre Wachtel, que acompanhou o caso desde a primeira audiência de Jucinaldo, em novembro, revogou a prisão. Jucinaldo foi solto no sábado. Jucinaldo voltou de caronaQuando Jucinaldo Freire deixou a prisão, em Jataí, não havia ninguém da família, nem o advogado esperando por ele. Segundo Gilson, não foi informado se ele sairia naquele dia ou na segunda-feira (13) e os parentes, muito pobres, não tinha condição de ir até a outra cidade, a 92 quilômetros, sem saber quanto tempo precisariam ficar lá. “Tentamos de mandar dinheiro para ele voltar, mas não conhecíamos ninguém”, comentou o advogado.O catador voltou a pé mesmo, e na estrada conseguiu uma carona até a entrada de Rio Verde, onde seguiu o caminho de volta para a casa novamente a pé. “Ele só queria saber de chegar em casa.”Agora, o advogado diz que Jucinaldo deve entrar na Justiça cobrando uma indenização, pois, segundo ele, o catador teria saído da cadeia em março e não em junho caso a polícia no momento da prisão tivesse feito a identificação correta.Ainda de acordo com o advogado, havia informações no processo suficientes para isso já em novembro, mesmo com a falta de documentos oficiais. “Se prendem uma pessoa e não sabem se é ela ou irmão deveriam primeiro fazer de tudo para identificar e não manter presa uma pessoa que poderia ser inocente ou o contrário”, comentou.Gilson conta que na primeira audiência, em novembro, Jucinaldo além de estar nervoso também se sentiu intimidado pela tecnologia, sem saber quem estava falando quando apareciam as imagens dos outros três participantes (juiz, promotor e defensor) e com os guardas que ficavam atrás dele dizendo, segundo o advogado, que era para responder apenas e exatamente o que o juiz perguntava. “Ele queria falar que não era o Josivaldo, mas estava com medo ali, nervoso, confuso.”Gilson diz que o drama de Jucinaldo foi agravado por ele ser negro e pobre, de uma família muito carente, e que nestes casos a Justiça não dá muita atenção.Josivaldo segue foragido. No processo, o irmão recém-saído da cadeia diz que não o vê há muitos anos e que a última informação que teve sobre o paradeiro dele é quando ambos combinaram de ir para o Mato Grosso e talvez depois de volta para a Bahia. Jucinaldo ficou em Rio Verde.Leia também: - Preso por seis meses no lugar do irmão, pedreiro analfabeto é solto após análise de digitais- Corpo de adolescente de 17 anos é encontrado dentro de baú, em Anápolis