Objeto de disputa judicial há mais de 50 anos, a área de invasão às margens da Marginal Botafogo, no Setor Crimeia Leste, em Goiânia, retomou a expansão de construções que colocam moradores e motoristas em risco. O problema é que as novas residências contam com portões de garagem voltados para a via, que é de trânsito rápido e por isso não pode ter acessos de veículos diretos para as casas. A Prefeitura promete intervenção.Conforme determina o Código de Trânsito, para permitir que vias como a Marginal funcionem com trânsito rápido, com limite de velocidade de 80 quilômetros por hora, é necessário que não exista acessibilidade direta para os lotes. O consultor de Engenharia de Transportes, Benjamim Jorge dos Santos diz que o acesso deve ser por uma via local, assim como é feito em outros trechos da Marginal.Entre as seis residências com garagens voltadas direto para a via está até uma borracharia, que sinaliza, com um pneu, que qualquer interessado pode reduzir a velocidade e entrar no local. Com o empreendimento instalado há pelo menos um ano, outros moradores planejam a abertura de mais uma borracharia. De origem humilde, as pessoas que moram na área dizem desconhecer os riscos e relatam que não foram repreendidas por fiscais da Prefeitura.O diretor de Fiscalização da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh), Fausto Henrique Gomes, diz que fiscais estiveram na área nesta semana para notificar moradores. Segundo o diretor, a orientação foi para que os ocupantes deixem o local. “Vamos fazer o trabalho para fechar o acesso à Marginal por essas casas, porque isso é proibido”, informa Gomes. Entre as alternativas para o bloqueio está a instalação de guarda-corpos ou peças de concreto armado.A Marginal Botafogo tem 16 quilômetros de extensão e deve ser expandida em mais 1,6 km em breve. Os cálculos da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM) indicam que a via recebe entre 80 mil e 100 mil veículos diariamente. Sendo uma das vias mais importantes da capital, a Marginal tem influência direta no fluxo de ao menos dez bairros.MoradoresAs construções de alvenaria se espalham pela área que é alvo de disputa judicial, com parte de propriedade privada e parte pertencente do poder público. Entre os residentes estão pessoas que vivem no local há mais de 50 anos e outros recém-chegados. O feirante Jeferson Douglas, de 29 anos, está lá há um ano. Ele diz que comprou o imóvel por R$ 30 mil e, a casa ainda em construção, já consumiu outros R$ 30 mil.“Nós morávamos de aluguel em Aparecida de Goiânia. O que gastamos aqui estamos economizando no tempo que gastávamos de ônibus para chegar ao trabalho”, diz Jeferson, que trabalha na Região da 44 junto com a esposa. A casa do feirante fica a 8 metros (m) da via e tem um jardim que fica a 4 m. “É espaço suficiente para fazer uma rua, mas se for preciso eles podem retirar o jardim. Até agora ninguém disse nada”, afirma.A manicure Sirlene Vieira de Sousa, de 44 anos, também é recém-chegada à área. Natural de Imperatriz, no Maranhão, ela, a mãe e o marido venderam a casa da família na cidade natal por R$ 65 mil e fizeram a compra do terreno invadido em Goiânia por R$ 60 mil. “A gente fica com medo, mas precisa”, diz Sirlene sobre o receio de perder a casa. Sem orientações, a família avalia abrir uma borracharia na porta da casa. “Seria só uma tenda”, conta a manicure.Apesar das casas serem consideradas irregulares e estarem sob processo de reintegração de posse, os moradores têm fornecimento de água e energia elétrica regulares. “Pago tudo certo todo mês. Foi a Enel que veio e instalou o relógio de medição. Então eu acho que a Prefeitura poderia regularizar para a gente”, considera Sirlene.RetiradaDe acordo com o diretor Gomes, a Prefeitura estuda quais casas estão em área pública e quais estão em área privada para definir os procedimentos adequados para serem aplicados. “Quando existe a ocupação com habitação normalmente a gente judicializa, mas são casos a serem observados. Como fomos notificados agora, vamos acompanhar o processo”, diz.Já para casas ainda em construção que não estejam habitadas, o diretor de Fiscalização diz que a Prefeitura pode fazer demolições. “Em área pública a gente pode intervir. No que não for área pública, não compete a nós, restando a vedação do acesso pela Marginal”, explica Gomes.Problema na via tem histórico antigoA área tem histórico de desocupações. Há cerca de 12 anos, por exemplo, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) fez um pedido de vistoria no local e solicitou a remoção imediata dos moradores, pois a região corria risco de desabamentos. As desocupações não ocorreram porque o processo judicial segue em andamento, sem informações sobre o estágio atual.A ocupação tem dois níveis. A parte superior, pela Avenida Desembargador Francisco Póvoa, está consolidada e alguns dos moradores conquistaram direito de moradia via decisão judicial. Os riscos, segundo as avaliações técnicas do MP, incluem todas as residências. O trecho próximo da Avenida Goiás não é o único com moradias em área de invasão. No Jardim Goiás, nas proximidades da Avenida Jamel Cecílio, no extremo oposto, outro trecho é ocupado há algumas décadas e foi alvo de interdições em 2016 por conta das garagens abertas diretamente para a via. Na ocasião, a Seplanh interditou o acesso de 11 imóveis.Na época, o POPULAR mostrou que os moradores de lotes que contornam a Marginal estavam usando as garagens sem nunca terem recebido a fiscalização da Prefeitura. Na reação, a gestão municipal chegou a manifestar intenção de bloquear os acessos com manilhas e árvores. Mais de cinco anos depois, a intervenção não foi executada, com portões ainda livres. OcupaçõesEm reportagem publicada em novembro do ano passado, o POPULAR mostrou que as áreas de invasão cresceram nos últimos dois anos. Levantamento produzido junto a prefeituras e líderes de comunidades encontrou 17 invasões espalhadas pela região metropolitana de Goiânia. São quase 10 mil moradores, sendo que pelo menos 2,1 mil chegaram aos locais durante os meses da pandemia da Covid-19.Na capital, das seis ocupações com mais de 20 famílias, quatro nasceram nos últimos 24 meses. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os municípios não podem, desde o início de 2021, executar ações de despejos. A decisão que impede desocupações irá vigorar até o dia 31 deste mês.Para responder a questão, prefeituras e o Estado dizem que estão desenvolvendo projetos que incluem pagamento de aluguel social.-Imagem (Image_1.2413185)