O assassinato da estudante Ariane Bárbara Laureano de Oliveira, de 18 anos, no dia 24 de agosto, foi premeditado com pelo menos três dias de antecedência, conforme apontam depoimentos dos acusados pelo crime, um grupo de quatro adolescentes que planejou o crime para que um deles, Raíssa Nunes Borges, de 20 anos, pudesse saber se era ou não “psicopata”, termo usado por eles em depoimento na delegacia. Ao contrário do que foi dito pelos suspeitos presos, Ariane foi morta com oito golpes de faca.Era quase 21 horas quando Ariane entrou no carro dirigido por Jeferson Cavalcante Rodrigues, de 23 anos, no Lago das Rosas, no Setor Oeste, acreditando estar indo para uma festa com amigos. Ela sentou-se atrás, entre Raíssa e uma adolescente de 16 anos. Na frente, ao lado do motorista, estava Enzo Jacomini Carneiro Matos, de 18 anos, uma jovem transexual que se identifica como Freya. O corpo da estudante foi encontrado uma semana depois, em uma mata no Setor Jaó, a 7 quilômetros de onde embarcou.Os quatro suspeitos depuseram na Polícia Civil, após o carro que estava com Jeferson ter sido flagrado por câmeras de segurança tanto no local onde o corpo foi deixado como no entorno do Lago das Rosas na hora em que Ariane disse para a mãe por celular que estava aguardando as amigas para ir a uma suposta festa no Setor Jaó.A adolescente investigada contou na polícia que o convite foi uma forma de atrair a vítima sem levantar suspeitas. Raíssa mantinha um relacionamento amoroso com a adolescente suspeita, que era amiga de Freya, que conheceu Jeferson em um aplicativo. Ariane conhecia as meninas por todos frequentarem, em menor ou maior grau, uma a pista de skate no Setor Coimbra.Os depoimentos divergem pouco sobre como ocorreu o crime em si. Com Ariane no carro, Jeferson saiu do parque e Raíssa tentou enforcar a vítima com uma chave de braço. Não conseguiu. Freya foi para o banco de trás, com o veículo em movimento, e sufocou a jovem até desacordá-la. Raíssa então deu a primeira facada, sem profundidade, e depois um segundo golpe. A adolescente suspeita deu um terceiro golpe com canivete.A adolescente chegou a dizer à polícia que Freya tinha “quebrado o pescoço” de Ariane quando a enforcou, o que foi desmentido pelos laudos e nos outros depoimentos. E confessou que deu uma “mãozada” para que Raíssa aplicasse o segundo golpe de faca na vítima.Raíssa mudou sua versão da história em um segundo depoimento, depois que o laudo cadavérico apontou que Ariane foi atingida oito vezes por golpes de faca, e não três. Em nova oitiva, ela colocou toda a culpa na adolescente por todos os golpes.O motorista parou o carro, o corpo de Ariane foi colocado no porta-malas. O compartimento já estava forrado com sacos plásticos por Jeferson. O celular dela foi quebrado e jogado fora. Freya então sugeriu o local onde poderiam deixar o corpo, em uma mata no Setor Jaó. Depois, foram os quatro para o banheiro de uma galeria ao lado do Parque Vaca Brava, onde limparam manchas de sangue, e em seguida para uma lanchonete.O crime teria sido combinado em 21 de agosto, na pista de skate, e no dia seguinte o grupo convidou Ariane para a festa que seria no dia 24, uma terça-feira. A vítima mandou duas mensagens para a mãe na noite em que foi morta, uma dizendo que estava indo para a festa e outra que estava no parque. A adolescente suspeita disse na polícia que outro nome chegou a ser cogitado no lugar de Ariane, o de um rapaz, mas este foi descartado por ser mais forte que os quatro.PsicopatiaNa denúncia apresentada pelo MP-GO em 25 de outubro é dito que o crime foi combinado pelos quatro para que Raíssa realizasse um “teste prático a fim de averiguar se possuía transtorno de personalidade comportamental e antissocial, conhecido (...) como psicopatia, colocando-se à prova quanto à coragem para tirar friamente a vida de um ser humano e não sentir remorsos”. Nos depoimentos, a adolescente e Raíssa chegaram a alegar que a vítima as assediava, mas a polícia descartou esta hipótese durante a investigação.Jeferson passava com o carro pela região leste de Goiânia, próximo ao Terminal Novo Mundo, quando Freya colocou no som uma música escolhida pelo grupo como o sinal para que Raíssa fizesse a vítima desmaiar com um golpe conhecido como mata-leão.Minutos depois, com Ariane já morta, a adolescente, Raíssa e Freya colocaram o corpo na mata, cobrindo-o com pedras e terra, enquanto Jeferson andou alguns metros a pé até uma esquina para ver se tinha gente na rua. Ele ficou no local por 20 minutos. Foi neste momento que as câmeras o flagraram.O corpo de Ariane foi encontrado pela polícia no fim da tarde do dia 30 de agosto, após moradores do Jaó a acionarem.A denúncia foi feita contra os três maiores de 18 anos, todos por homicídio qualificado e ocultação de cadáver. O processo contra a adolescente tramita no Juizado da Vara da Infância e Juventude. Ela foi arrolada pelo MP-GO como testemunha neste processo na Justiça comum.A adolescente também é apresentada pela polícia e pelos advogados dos outros suspeitos como uma pessoa de grande poder de influência sobre o grupo. A defesa dos denunciados diz, inclusive, que teria sido ela quem tramou o crime, induzindo-os a participarem. A Polícia Civil não acredita nesta versão, mas destacou em entrevistas a frieza com que ela falou sobre o assassinato, ao contrário, por exemplo, de Raíssa.A adolescente e Raíssa compartilhavam um mesmo celular pelo qual teria sido enviada uma mensagem para o celular de Ariane, já após a jovem ter sido morta, simulando uma situação em que a vítima não apareceu no local combinado para irem à tal festa. E depois do mesmo aparelho saiu uma mensagem para a mãe da vítima se solidarizando. Neste último caso, o mesmo teria feito Freya.TroteO delegado Marcos de Oliveira Gomes, responsável pelas investigações, chegou a ouvir um homem de 18 anos que deu um trote para a mãe de Ariane, dando informações falsas sobre o crime enquanto o corpo ainda não havia sido encontrado. Em depoimento, ele admitiu o fato, mas não disse o motivo.Outro rapaz chegou a ser investigado como suspeito por causa de um contato anterior dele com a vítima, sem relação com o grupo preso, mas esta hipótese foi completamente descartada pela polícia.Além do depoimento e das imagens, a polícia juntou diversas outras provas de envolvimento do grupo no crime. Impressões digitais de Jeferson foram encontradas nos sacos plásticos que estavam ao lado do corpo no Jaó.A reportagem procurou o delegado nesta quarta-feira (3), mas ele informou que estava em um hospital com Covid-19, impossibilitado de conceder entrevistas. Advogados culpam adolescenteO advogado Luciano Oliveira Rezende, que defende Raíssa Nunes Borges, afirma que sua cliente é inocente, que foi influenciada pela adolescente com quem mantinha um relacionamento e que isso será provado durante o decorrer do processo na Justiça. Rezende apontou informações improcedentes na denúncia feita pelo Ministério Público, como o suposto envolvimento das duas com satanismo e a existência de uma lista com nomes de futuras vítimas do grupo. Para ele, é uma tentativa de justificar o pedido de prisão preventiva dos suspeitos. “Essa lista não apareceu nem no inquérito nem na denúncia. Ou seja, é uma falácia, ela não existe. E também vamos provar que essa questão de satanismo não existe e que minha cliente, inclusive, é católica.”Sobre a inocência de Raíssa, o advogado afirmou que isso seria explicado durante o processo judicial e que não poderia antecipar. Também disse que o primeiro depoimento dado pela jovem foi meramente uma peça da investigação policial e que a versão oficial dela seria dado em juízo. Mas adiantou que, de acordo com Raíssa, foi a adolescente quem planejou e induziu os outros a participarem da morte.“Essa menor que está envolvida no crime influenciou não apenas a Raíssa como todos os envolvidos a estarem se envolvendo no crime. Esse crime, todas essas barbaridades que estão na denúncia, saíram exclusivamente da menor. A menor foi que orquestrou toda esta situação. Ela que manipulou todos eles”, afirmou.O advogado também nega que o crime foi motivado como um teste de psicopatia de Raíssa. “Isso não procede. Se você olhar o inquérito, vai ver que foi uma informação que partiu exclusivamente da menor, ninguém mais falou isso.”Já a advogada Alessandra Bertoni, que defende Freya, afirmou que a versão da cliente será dada em juízo. “O que posso dizer no momento é que a minha cliente não arquitetou a morte da Ariane, e nem teria motivos para tal. Nos depoimentos, os outros acusados confirmam que na tarde do dia do fato, quando eles se encontram, a Freya não estava com eles, somente os encontrou à noite e não sabia da intenção da menor”, escreveu, em nota.Alessandra também fala da influência da adolescente sobre o grupo, com “grande poder de persuasão sobre os acusados”. A denúncia do MP-GO, segundo a advogada, “está sendo embasada em presunções”.O advogado Luiz Carlos Ferreira Silva, que defende Jeferson, disse que prefere não antecipar alegações do cliente antes de apresentar formalmente a defesa dele no processo judicial.O processo envolvendo a menor está em sigilo e não foi possível identificar quem a defende.Os três advogados informaram que preparam pedido de soltura de seus clientes caso a Justiça mude a prisão de temporária, que vence na próxima semana, para preventiva.