Atualizada às 13h de 25/07/2022Dois jovens, ambos de 16 anos, estão em situação de vulnerabilidade há mais de 60 dias após serem expulsos de uma casa de acolhimento em Goiânia. A denúncia está sendo apresentada pela Defensoria Pública de Goiás (DPE), que diz que o Lar Mãe Zeferina, que recebe recursos públicos, tem atuado na contramão do que prevê a lei. A gestão do local afirma que os acolhidos decidiram sair por conta própria e alega limitações de segurança para não aceitar os adolescentes de volta.A expulsão teria se dado, conforme apurado pelo POPULAR, no dia 14 de maio, na semana mais fria deste ano. Dois jovens teriam se envolvido em uma confusão e por conta disso foram repreendidos pelo coordenador do local, que informou a expulsão. Nesse momento, outros dois adolescentes, ambos de 14 anos, decidiram também deixar o local. Já na rua, enfrentando o frio, eles entraram em contato com o Lar Mãe Zeferina pedindo autorização para o retorno, mas não foram aceitos.A unidade é credenciada junto ao poder público para receber adolescentes em situação de vulnerabilidade social quando são afastados temporariamente de suas famílias mediante decisão judicial. O Paço destina R$ 11 mil por mês para o local, que também arrecada doações. Atualmente são cinco atendidos, mas a administração diz que há capacidade para 24 moradores. Todas as etapas de atendimento devem ser cumpridas de acordo com o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Após chegarem ao local de abrigo, os jovens passam a ser de responsabilidade integral da unidade, que só pode realizar transferências e desligamentos mediante autorização da Justiça.A defensora pública Fernanda Fernandes diz que a expulsão dos jovens em maio foi denunciada por um dos acolhidos. “Em uma terça-feira ele liga e diz que há três dias estavam na rua e relatou que já haviam tentado voltar, mas que a unidade não os aceitavam de volta”, conta Fernanda sobre o início da apuração que começou a ser conduzida pela DPE. No dia da ligação, a máxima registrada em Goiânia foi de 20° e, dois dias depois, a mínima ficou em 5º.Apesar da denúncia ter alcançado a DPE, os jovens demoraram para ter as situações resolvidas. Apenas dois foram aceitos de volta na instituição, sendo que um deles decidiu, posteriormente, morar com conhecidos. Inicialmente três deles haviam sido encaminhados para uma casa de acolhimento provisório da Prefeitura de Goiânia, que não permite saída para frequentar a escola. No abrigo ainda permanece um dos meninos. O quarto jovem foi localizado semanas depois em situação de rua e atualmente sob a responsabilidade de um familiar. Todas essas situações, segundo a DPE, são ilegais. DefesaEm contato com a reportagem, a advogada da unidade, Damila Vanderlei, diz que os quatro adolescentes saíram por conta própria após um caso de agressão. “Não temos como impedir a saída”, diz a representante ao explicar que o local funciona com portas abertas. Segundo ela, o adolescente que teria causado o tumulto ameaçou outro acolhido da unidade. Por conta disso, Damila explica que o local decidiu não aceitar o jovem de volta.“Depois ele seguiu ameaçando, fazendo ameaças de morte. Já passou a ser uma situação criminosa. Informamos que não era seguro o retorno, porque devemos manter a segurança de todos os acolhidos. É uma questão de segurança”, afirma Damila. Já sobre as demais situações, Damila diz que os jovens do local podem decidir morar com familiares ou conhecidos e que isso é rotina. Segundo ela, diante dessas situações cabe ao local apenas comunicar a Justiça. A versão é contestada pela DPE.DPE identifica irregularidadesA DPE está levantando o histórico dos acolhidos pelo local e já identificou pelo menos dois outros casos de transferências que seriam irregulares. “Qualquer transferência tem de ser aprovada judicialmente e deve estar de acordo com um plano que figure como o melhor para a criança ou para o adolescente, sendo que isso deve ser feito de forma gradativa”, diz Fernanda. Em um dos casos, um acolhido que havia sido afastado da mãe, que tem transtornos mentais, foi entregue para um tio sem decisão judicial. “A mãe ficou sabendo e entrou em contato conosco. Não houve nenhuma medida gradual de transferência. Ele foi colocado na casa do tio do dia para a noite”, afirma a DPE.Os adolescentes que teriam sido expulsos em maio relataram para a Defensoria que outros colegas já teriam passado pela mesma situação, de receber a expulsão como punição. “O que ouvimos é que era algo recorrente antes da pandemia, de aplicar esse tipo de medida diante da falta de comportamento”, explica Fernanda.Para a Defensora, a administração deve ser processada, podendo responder, inclusive, por abuso de autoridade, já que tem delegação pública para cuidar dos adolescentes. “Nenhuma entidade pode aplicar punições ao adolescente que coloque ele em relação de risco ou humilhante”, avalia. De imediato, a lei prevê que em caso de violações dos direitos dos acolhidos é necessário instaurar um procedimento de apuração de irregularidades. Para isso, no entanto, precisa de manifestação do MP e autorização da Justiça, o que ainda não aconteceu. “Nessa ação é possível medidas como advertência para que nenhum caso se repita, sob pena de afastamento do diretor e fechamento da unidade. Há também a possibilidade de aplicação de multas para que essas ações sejam entendidas como violações”, explica Fernanda Fernandes.A defensora pública estadual quer ainda o pagamento de indenização para os quatro jovens que tiveram de sair do abrigo em maio. “Indenização pelos danos proporcionados. Eles sofreram violência ao serem colocados em situação de rua. Desassistidos de educação, sem cobertor”, acrescenta. PrefeituraEm nota, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (Sedhs), pasta responsável pela parceria, diz que desconhece as irregularidades apontadas. “Nenhuma denúncia foi formalizada junto aos órgãos municipais competentes. “Deste modo, há limites legais para interferência no trabalho de acolhimento executado por outra instituição, bem como o acompanhamento, uma vez que isso também pode interferir na adaptação do adolescente. A fiscalização por parte da secretaria, então, legalmente se limita ao cumprimento no disposto em contrato, no que toca à oferta do abrigo”, diz. O Ministério Público informa que acompanha o caso, mas ainda não tem manifestação formal. Sem a manifestação, a situação dos dois adolescentes segue incerta, sem possibilidade de transferências. Estrutura municipal é criticadaNa avaliação da Defensoria, falta por parte da Prefeitura de Goiânia uma política de atendimento a jovens que precisam de acolhimento. Atualmente a estrutura municipal dispõe de abrigos de longa permanência apenas para crianças de até 12 anos. “No intuito de viabilizar o atendimento ao grupo (maior de 12 anos), é firmada a parceria com instituições filantrópicas, mediante a apresentação de plano de trabalho acompanhado pela administração”, explica a Sedhs. Além do Lar Mãe Zeferina, voltado para acolhimento de homens adolescentes, a Prefeitura mantém contrato com a Casa da Criança e Adolescente Talitha Kum, voltada para mulheres adolescentes. Conforme explica a defensora Fernanda Fernandes, os adolescentes direcionados para esses locais são abandonados pelos familiares, que não têm para onde ir, o que comer, onde dormir e sem estrutura para estudar. “E, por isso, eles precisam de uma política pública consistente para que tenham seus direitos mais básicos de alimentação, moradia, educação e dignidade preservados”, assinala.Leia também:- Fila por benefícios sociais em Goiás dispara em 2022- Cevam busca apoio e reforça nova identidade em Goiânia- Conselhos tutelares de Goiânia cobram abrigo para vítimas de abuso-Imagem (1.2497038)