Dezenas de famílias goianas acompanham com preocupação a possibilidade de mudanças nas coberturas dos planos de saúde. O temor se dá pelo julgamento em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que pode limitar o acesso a procedimentos não previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Enquanto as operadoras dizem que a mudança é necessária, especialistas sustentam que usuários podem sofrer com desassistência.Regulamentados pela ANS, os planos de saúde devem fornecer todos os procedimentos listados pela agência. Conforme explica o advogado Nilson Geraes, o entendimento da maioria dos tribunais de Justiça, incluindo o goiano, é de que a lista da ANS tem caráter exemplificativo. Dessa forma, mesmo que um item indicado para um paciente não esteja previsto, ele pode ser conquistado a partir de um processo judicial.Foi o caso dos dois filhos da enfermeira Periandra Angeles, de 42 anos. Os filhos, um de 10 e outro de 17 anos, têm autismo. A cobertura do plano não previa nenhum dos tratamentos indicados para a condição e só foram oferecidos após Periandra entrar com uma ação judicial e conquistar uma liminar. “Entrei com o pedido há cinco anos e o processo ainda não foi julgado”, diz a enfermeira, que teme que a liminar obtida perca efeito.STJPor conta de um recurso da Unimed Campinas, de São Paulo, agora o STJ analisa se o rol deve ser taxativo e assim limitar os procedimentos. O julgamento teve início em setembro de 2021, quando o ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, votou a favor do rol taxativo. O ministro considerou que a restrição de serviços à lista da ANS beneficia os usuários dos planos ao preservar a estabilidade econômica das empresas e permitir maiores investimentos em tecnologias na área da saúde.Suspenso com pedido de vistas, o julgamento só foi retomado na quarta-feira (23). Divergindo do voto do relator, a ministra Nancy Andrighi votou para que o rol da ANS seja considerado exemplificativo.A Unimed Brasil, assim como as demais operadoras, sustentam que o caráter taxativo seria o ideal para dar segurança assistencial na análise da ANS. “De modo que as novas coberturas possam ser oferecidas a todos os beneficiários que necessitarem, com equidade no acesso”, destaca, em nota.Para Geraes, porém, as operadoras estão sobrepondo interesses de economia financeira sobre os benefícios dos usuários. O advogado diz que são vários os procedimentos que podem deixar de ser oferecidos, incluindo os para autistas, cardiopatas e pacientes com câncer. “As empresas querem restringir a lista. É interesse econômico”, diz o advogado, que tem experiência com processos contra planos de saúde que se negam a oferecer procedimentos.O diretor da entidade goiana Núcleo Apoio Inclusão Autista (Naia), Marcelo Oliveira, diz que as famílias temem a desassistência. “O que estamos vendo é a força do lobby das grandes empresas, de grupos de planos para tentar economizar em detrimento da vida das pessoas”, afirma. Oliveira esteve em Brasília na quarta (23) com uma caravana de famílias goianas para protestar contra as possíveis mudanças.A enfermeira Periandra, que conquistou o tratamento para os filhos via liminar, diz que precisará pagar R$ 10 mil mensais caso o plano deixe de cobrir os procedimentos. “Seria um impacto gigantesco, até mesmo social, porque as crianças com autismo estão na sociedade. Elas têm capacidade, quando fazem o tratamento o desenvolvimento é visível”, aponta a enfermeira.ProtestosAlém dos protestos presenciais na porta do STJ, o anúncio da retomada do julgamento provocou reações nas redes sociais. O apresentador da TV Globo Marcos Mion publicou em uma rede social um vídeo em que reivindica a manutenção do rol exemplificativo.“Qualquer tratamento que não estiver nesse rol de procedimentos vai ser negado, mesmo que tenha sido prescrito por um médico, mesmo que seja de extrema importância para a pessoa, mesmo que você pague o seu plano direitinho todos os meses”, disse Mion no vídeo, que acumulou mais de 10 milhões de visualizações em um dia.O apresentador é pai de Romeo, de 16 anos, que tem Transtorno do Espectro Autista, o autismo. “Como parte da comunidade autista, eu vejo um desespero enorme por parte das famílias que contam com o tratamento diário. Para o autismo, o tratamento tem que ser constante porque o risco de involuir, de perder tudo que já aprendeu e que evoluiu, é muito alto se você não mantém um tratamento diário. Essa mudança significaria o fim da das terapias especializadas, que é o que vale para pessoas com outras deficiências também”, disse o apresentador.ANS alinha discurso ao das operadorasEntre a tensão de usuários e a pressão das operadoras, a Agência Nacional de Saúde (ANS) publicou nota no mesmo dia em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou o julgamento sobre os procedimentos que os planos de saúde devem atender. Em sete itens, a agência se posicionou favorável ao rol ser taxativo, ou seja, se limitar aos listados em contrato.Na defesa, a agência diz que o caráter exemplificativo do rol dificulta a fiscalização e ações regulatórias das operadoras. A posição se alinha ao que é defendido pelas operadoras.A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) diz que o entendimento pela taxatividade do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS está diretamente atrelado à segurança jurídica e previsibilidade na atenção à saúde do conjunto de beneficiários.“Formular o preço de um produto sem limite de cobertura, que compreenda todo e qualquer procedimento, medicamento e tratamento existente, pode tornar inviável o acesso a um plano de saúde e colocar a continuidade da saúde suplementar no Brasil em xeque”, defende a associação.Para o advogado Nilson Geraes, a posição da ANS surpreendeu. O advogado diz que a agência é um órgão federal e não deveria ter se pronunciado de forma parcial. A ANS diz que o rol exemplificativo significa “atribuir a cada um dos juízes do Brasil a prerrogativa de determinar a inclusão de cobertura não prevista em contrato ou no rol de cobertura mínima, o que traria o aumento da judicialização no setor de saúde e insegurança ao setor de saúde suplementar, na medida em que seria impossível mensurar quais os riscos estariam efetivamente cobertos”. A ANS destacou o risco de que os planos se tornem mais caros, por não haver “previsibilidade quanto aos procedimentos”.-Imagem (1.2409255)