Atualizada em 24/2 às 12h50Nos últimos dois anos aumentou o porcentual de medidas protetivas que são negadas ou concedidas parcialmente pela Justiça. Em 2020 apenas 0,04% das solicitações não foram acatadas. No ano passado, esta proporção passou para 4,19%, 787 em números absolutos. Em 2021 foram 335, totalizando 1.122 nos dois anos.O comportamento dos dados é o mesmo com as requisições atendidas em parte no mesmo intervalo. Elas saíram de 1,68% para 5,27%. Isto fez com que no ano passado, praticamente uma em cada dez demandas (9,47%) fosse recusada no todo ou em parte (veja quadro).Os números absolutos das medidas protetivas concedidas em Goiás apresentaram um leve recuo em 2022. Foram 16.986 contra 17.360 em 2021. No primeiro ano da série, em 2020, os registros somaram 14.545. Os dados são do Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Mesmo com o aumento das restrições, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) é o quinto que mais emite o documento.A constatação é feita em um cenário de número elevado de violência contra a mulher. No ano passado, foram 57 feminicídios. Este crime segue uma trajetória de alta constante na série iniciada em 2018 com 36 registros do tipo, conforme informações do Observatório de Segurança Pública.A medida protetiva é tida por especialistas em segurança pública como um importante instrumento de proteção à mulher (leia mais abaixo). Ainda assim, não é garantia para a vítima. Mesmo com o mecanismo emitido contra ele, um homem passava pela rua e mandava mensagens no celular de uma mulher em Goiânia nesta quinta-feira (23). Descumprindo a determinação, ele foi alvo de uma ação da Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) e acabou morto, segundo a corporação, em uma troca de tiros.O homem era suspeito de estuprar uma bebê de 1 ano e 8 meses, juntamente com a esposa e a babá da criança. Ele chegou a ser preso em flagrante no dia 30 de dezembro do ano passado pelo crime. Este não é um caso isolado. Os registros de estupro somaram 322 no ano passado. No mesmo período, as ameaças foram 15,6 mil.Leia também:- Feminicídio cresce pelo 4º ano seguido em Goiás- Ana Elisa será a nova titular da Delegacia Estadual da Mulher- Pandemia de violênciaAs medidas protetivas são mecanismos legais previstos na Lei Maria da Penha para coibir e prevenir atos de violência contra a mulher. A solicitação pode ser feita pelo Ministério Público ou pela própria vítima. Neste caso, pode haver apreensão de arma de fogo, restrição do porte, afastamento do agressor do lar, bem como limite de distância a ser mantido, entre outros.O juiz titular do 1º Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher de Goiânia, Vitor Umbelino Soares Júnior, explicou ao POPULAR que o crescimento das negativas, sejam elas totais ou parciais, se deve a uma “análise mais rigorosa” que os próprios magistrados estão realizando a respeito das solicitações.O magistrado, que também é vice-coordenador da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJ-GO, pontua também que a medida protetiva não se aplica a qualquer tipo de violência contra a mulher.“Nem tudo que chega às delegacias é considerado violência baseada no gênero e para deferimento da medida protetiva é preciso preencher alguns requisitos previstos na Lei Maria da Penha”, explica.Em 2021 e 2022 houve 11.448 revogações de medidas protetivas. Mais de 3 mil delas no primeiro ano. O aumento, explicou Soares Júnior está associado ao fato de que há uma revisão dos processos ao final do prazo da medida protetiva, via de regra, estipulado em 180 dias, ou por iniciativa da própria vítima. “Mas isto tem de ser justificado”, pondera ele.Ao fim dos seis meses, a mulher recebe um contato da Justiça. Caso ela informe que não há necessidade de manutenção da medida protetiva, o juiz decidirá se é o caso de encerrá-la, após a visita do Batalhão Maria da Penha ou da Patrulha Mulher Mais Segura, da Guarda Civil Metropolitana, à vítima, e a oitiva do Ministério Público. Se houver necessidade, a medida protetiva continua em vigor.Ainda que o encerramento da medida protetiva se dê por causa do interesse da mulher, a ação penal continua a tramitar. “O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu em 2012, por meio de um voto do Ministro Marco Aurélio, na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 4.424, que, mesmo em caso de desistência da vítima no prosseguimento da ação penal, o processo seguirá o seu trâmite regular até a prolação de uma sentença ou julgamento de mérito”, explica o juiz.Em Goiás, durante a vigência da medida protetiva, a vítima recebe acompanhamento do Batalhão Maria da Penha e, especificamente em Goiânia, da Guarda Civil Metropolitana também. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (FCS/UFG), Jully Anne Ribeiro da Cruz considera que a restrição à proteção, expõe a mulher. “No momento que ela tem a medida protetiva negada, ela volta para um ciclo de violência.”O trabalho de Jully Anne tem como objeto a linha de pesquisa Desigualdades, Diferenças e Violências com foco em políticas de enfrentamento à violência de gênero. Ela acompanha dados a respeito do assunto em Goiânia e mantém contato com as forças de segurança. A especialista entende que embora a medida protetiva seja um marco importante, é preciso avançar nos aspectos cultural e educacional. “A gente precisa mudar muito a questão da violência em si, especialmente a violência contra a mulher. É necessário retirar este olhar de menosprezo”, pontua.Titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), a delegada Ana Elisa não faz juízo das decisões da Justiça, mas defende a relevância do instrumento. “A medida é importantíssima para garantir a segurança da mulher e também para que ela satisfaça a necessidade de segurança.”FocoA violência contra a mulher, inclusive, é o atual problema que mais desafia a Secretaria de Segurança Pública em Goiás (SSP-GO). No estado, casos de homicídio e crimes contra a propriedade têm reduzido, segundo a estatística oficial. Diante da situação, a proteção ao sexo feminino foi colocada pela pasta como um dos principais alvos do trabalho. O governo de Goiás já anunciou, inclusive, no início deste mês, a criação da Delegacia Estadual de Combate à Violência Contra a Mulher.“Ela é para servir de referência no Estado. A Deam continuaria com os atendimentos na capital em relação à violência e a nova estrutura seria um ponto focal no sentido de disseminar modelo de trabalho, padronizar os atendimentos, a gente serviria mais como uma porta para outras Deams em Goiás”, explica a delegada Ana Elisa, que será titular da nova delegacia.A criação da nova delegacia está em fase de elaboração da minuta do projeto de lei. O mesmo ainda será encaminhado pelo gabinete do governador Ronaldo Caiado para a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego). Ana Elisa foi titular da Deam por muitos anos e agora está de volta à especializada, hoje funcionando temporariamente no Jardim Curitiba. O motivo é a reforma do prédio na Rua 24, no Setor Central, que está em reforma.-Imagem (1.2620203)