A segunda onda de coronavírus em Goiás já é uma realidade, com aumento de casos, mortos e pessoas hospitalizadas. A reportagem ouviu seis especialistas na área da Saúde que foram unânimes em classificar a Lei Seca, decretada pelo governo do Estado, como insuficiente para conter o avanço da pandemia. Protocolos mais rígidos, fechamento de atividades que provoquem aglomerações sem o uso de máscara e até permissão de abertura apenas para serviços essenciais, são algumas das propostas para frear a disseminação do vírus.Goiás está com a ocupação de 87% dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para Covid-19 da rede pública estadual, sendo que seis hospitais estão com as UTIs lotadas. A média móvel está em 30 mortes por coronavírus por dia, um aumento de 13 óbitos diários em relação a uma semana atrás. A média de casos é de 1.493 por dia.Doutora em saúde pública e epidemiologia pela Universidade Federal de Goiás, Erika Silveira avalia que, para evitar este cenário, medidas mais rigorosas deveriam ter sido implementadas quatro semanas atrás. Além disso, diz que apenas a proibição de venda de bebidas alcoólicas pode não ser suficiente para conter um colapso da rede de Saúde. “São necessárias medidas mais enérgicas e urgentes para que não ocorra aqui o que vemos hoje em Manaus.”Consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, o infectologista José David Urbaez, é enfático em dizer que o único recurso para diminuir os mortos pela Covid-19 no atual estágio da pandemia é o chamado “lockdown”, que na prática é um confinamento da população e o fechamento das atividades não essenciais. “Não há outro recurso”, declara.Urbaez lembra que não existem remédios para o coronavírus e que ainda não há vacina com quantitativo suficiente. Para ele, medidas como a Lei Seca são “para inglês ver” e não provocam grande impacto. “Para você controlar o surto tem que diminuir intensamente a circulação das pessoas.”Infectologista com PhD, Julival Ribeiro, também aponta que a maior restrição à circulação de pessoas é a única medida realmente eficaz em um cenário de aumento de casos, morte e internação. Ele lembra que outros países fecharam as atividades não essenciais na segunda onda, como França, Inglaterra e Alemanha, mesmo sendo países com maior quantidade de vacinas. “Ou toma medidas de acordo com a gravidade, ou não toma. Meia medida não vai resolver o problema.”Ribeiro também avalia que as medidas parciais não são respeitadas pela população. Ele acrescenta que o cenário da segunda onda se torna mais grave com a possibilidade da circulação de uma nova variante do vírus, possivelmente mais transmissível. No entanto, ele explica que no País há pouco estudo sobre a parte genética do vírus, o que impede de conseguir rastrear esta nova variante nos Estados.Biólogo e professor da UFG, José Alexandre Felizola Diniz Filho, participou de um estudo de cálculo do R de Goiás, que é a taxa de transmissão do vírus. Este estudo mostra o aumento desta taxa a partir de novembro. Para o pesquisador, o cenário atual do Estado, de aumento da pandemia, é resultado deste incremento na taxa de transmissão associado às aglomerações das festas de fim de ano.“Se continuar do jeito que está vai ter outras medidas de restrição como foi feito em março e abril. É isso que os outros Estados estão fazendo”, avalia Felizola. No entanto, segundo o pesquisador, estas medidas vão depender do que o governo está disposto a fazer e do seu capital político.Urbaez ressalta que estas medidas de confinamento para diminuir a disseminação do vírus não foram feitas de forma centralizada pelo governo federal. “Temos um poder central contra o controle da pandemia por meio das estratégias cientificamente testadas. Se você não tem presidente, governador, prefeito, que falem da pandemia como problema grave, ameaça à vida, não há maneira (de controle da pandemia). As pessoas estão perdidas e desamparadas.”Reportagem do POPULAR na semana passada mostrou que a dificuldade de aumentar novos leitos de UTI Covid-19 no Estado e no setor privado preocupa participantes do Centro de Operações de Emergência (COE) estadual de combate ao coronavírus. Durante a reunião da última quarta-feira (20), foi proposta a criação de um grupo para discutir medidas para barrar a disseminação do vírus. Sugestão é fechar baresOs infectologistas Boaventura Braz de Queiroz e Vivian Furtado concordam que a Lei Seca é insuficiente para diminuir a disseminação do coronavírus e sugerem medidas mais rígidas que atinjam locais com maior propensão à contaminação. Festas, restaurantes e bares são os principais vilões, por serem ambientes em que as pessoas tiram as máscaras e podem ser fechados. Vivian explica que as pessoas podem se contaminar antes das 22 horas, que é o prazo máximo para venda de bebidas alcoólicas, e sugere que o acesso do público a este tipo de atividade deve ser impedido e as vendas devem ser feitas por “delivery” (tele-entrega). Ela relata que tem percebido que os bares de Goiânia estão lotados todos os dias da semana. “Esse ambiente sem máscara e barulho, onde tem que falar mais alto, é o principal lugar que dissemina”, avalia. Segundo a infectologista, quando as pessoas gritam, acaba expelindo os aerossóis, que são microgotículas que ficam no ar e podem contaminar outras pessoas.Vivian também avalia que é mais difícil ser contaminado em ambientes que todos estão usando máscaras, como lojas e shoppings, com exceção das praças de alimentação. “Não acho que seja no comércio que se contamina, porque está todo mundo de máscara”, avalia a infectologista. Boaventura defende a opção de proibir a circulação de pessoas a partir de determinado horário, o chamado toque de recolher. “É importante estabelecer protocolos sanitários mais duros. Principalmente evitar festas de todas as maneiras, principalmente noturnas”, diz o infectologista. Segundo Boaventura, as pessoas acabam perdendo o controle de uso de máscaras e outros protocolos de segurança, durante festas sociais. “Proibir bebida alcoólica pode colaborar, mas sozinha não vejo como medida de resolver problemas. O caminho dm que ser a restrição de pessoas na rua.”Tanto Vivian, como Boaventura, ressaltam que as escolas são ambientes com maior possibilidade de controle e por isso devem ser poupadas de um possível fechamento para controle da pandemia. “Não podemos sacrificar as crianças. As crianças devem estar nas escolas, desde que obedecendo regras de funcionamento das escolas. Estamos adoecendo as crianças, enquanto adultos provocam a doença”, destaca o infectologista. Vivian lembra que o impacto do fechamento das escolas é muito grande e corremos o risco de formar uma geração sem aula. “Este pico de casos que estamos tendo foi de (contaminações) antes das escolas retornarem (das férias). O aumento veio depois do Réveillon. Não faz sentido fechar as escolas.”A infectologista conta que os relatos de seus pacientes com coronavírus no consultório são semelhantes. Eles contam que pegaram o vírus em encontros com familiares, amigos e viagens. “Tudo isso que estamos vivendo é reflexo das festas e aglomerações de fim de ano. As pessoas bebem, comem, todos sem máscara. Tirou a máscara, pegou.”Em reunião do Centro de Operações de Emergência (COE) estadual de combate ao coronavírus na última quarta-feira (20), a superintendente de Vigilância em Saúde de Goiás, Flúvia Amorim, pontuou que as escolas são ambientes de maior possibilidade de controle, comparado com outras atividades econômicas. -Imagem (1.2188059)