Para o SOS Estradas, a redução verificada em Goiás de 15% no número de motoristas profissionais habilitados tem relação direta com a exigência do exame toxicológico. O procedimento exigido desde 2016, suspenso em alguns períodos, mas em vigor atualmente, obriga os motoristas a passarem por análise laboratorial de fios de cabelo a cada 2,5 anos.O exame é capaz de detectar substâncias proibidas usadas de forma constante em uma janela de até seis meses.Em levantamento, o SOS Estradas diz que a queda de habilitações das categorias profissionais está sendo a primeira da história. Rizzotto, o coordenador do programa, diz que as jornadas excessivas e má remuneração são incontestáveis, mas aponta que as reclamações sobre essas questões não são novas e por isso não justificariam a redução de motoristas. “Como que a curva muda justamente a partir de março de 2016 quando entra em vigor o exame toxicológico?”, questiona o coordenador.Caso o motorista realize o teste e seja reprovado é necessário aguardar três meses para que então passe por outro. Rizzotto diz que observa que parte expressiva dos trabalhadores, com medo do resultado, não comparece para fazer o exame, ficando sem a habilitação. “O indivíduo que vai e dá positivo é aquele que não tem mais noção do seu grau de dependência química. Ela está pagando por um exame que dará positivo. É como se um bêbado procurasse uma blitz para fazer o bafômetro e ainda quisesse pagar pelo teste”, sustenta.Os números de exames realizados em Goiás desde 2016 mostram que uma minoria é pega usando substâncias ilegais. Em 2016, no primeiro ano da exigência, 38.665 motoristas realizaram o exame e 632 foram reprovados, um índice de 1,63%. O maior pico foi observado em 2017, com 74.579 testes e 1.580 reprovações (2,15%). Neste ano, conforme demonstram os números do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), 28.439 motoristas goianos realizaram o exame e 342 reprovaram (1,2%).Nas rodovias federais que passam por Goiás, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) autuou, entre janeiro e março deste ano, 416 motoristas viajando sem exame toxicológico.Rizzotto diz que dirigir sem habilitação se tornou corriqueiro. Segundo relata o coordenador, o programa SOS Estradas já investigou diversos acidentes de ônibus em que o motorista estava sem o documento. “Não é que ele nunca tenha tido habilitação. São trabalhadores experientes na função, só que não fazem ou reprovam no exame toxicológico”, sustenta.BenefíciosAlém da obrigação legal de passar pelo exame a cada 30 meses, os motoristas de grandes transportadoras contam que as empresas os obrigam a realizar o exame a cada seis meses. Para a exigência, há brechas. Motoristas ouvidos pela reportagem disseram que é possível pagar mais caro pelo exame – que na média custa R$ 150 – para que o resultado seja manipulado.Na avaliação do SOS Estradas a obrigação do exame de forma periódica está reduzindo o número de imprudências no trânsito, além de influenciar, segundo o programa, na melhora da saúde dos motoristas. “O que a lei conseguiu constatar de motoristas sob efeito de entorpecentes os postos policiais demorariam em torno de 40 anos. Nesse tempo muitos teriam morrido”, afirma Rizzotto.“O exame é um termômetro da escravidão sobre rodas. Quanto maior o nível de positividade, maior o grau de exploração, porque aqueles que usam o fazem para sobreviver, para suportar a jornada. Só que eles acabam fazendo uma concorrência desleal com quem não usa. Isso faz com que muitos que não usam sejam empurrados para o uso. E as transportadoras sérias sofrem com a mesma coisa” acrescenta o coordenador do SOS Estradas. Impacto ainda não foi sentidoPara o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), Jaime Bueno, o impacto da redução de profissionais ainda não foi sentido de forma completa. “A economia do setor, principalmente pela questão da pandemia, ainda está em baixa”, diz o presidente. Mesmo assim, destaca, o empresariado volta os olhares para o problema e começa a buscar reações. “Na medida em que o empresariado e o poder público começam a perceber a tendência é de que sejam feitos incentivos e estímulos para normalizar esse quadro”, afirma Bueno. Dessa forma, o representante diz ser provável que o número de baixas chegue a um patamar de estabilidade antes de uma possível crise. Enquanto isso, as vagas para a área se amontoam. Apenas em um portal de anúncio de oportunidades ofertadas por empresas, o número de opções superava as 10 mil na quinta-feira (14). A auditora fiscal da Superintendência Regional do Trabalho em Goiás (SRT/GO), Jaqueline Carrijo, diz que a solução dos problemas, que atingem não só os motoristas, como também o setor produtivo e sociedade de forma geral, passa tanto pela valorização da categoria como pela necessidade de que o poder público se atente para as outras opções de modais de transporte, como o ferroviário.