A falta de percepção do paciente da baixa oxigenação no sangue, a rápida velocidade do agravamento da doença, o tempo prolongado da hospitalização, os casos graves mesmo em pacientes jovens, a solidão e o medo. Essas são algumas das percepções dos profissionais de saúde dos principais hospitais de Goiás que estão na linha de frente do tratamento de pacientes com o novo coronavírus (Sars-CoV-2), causador da Covid-19. A reportagem ouviu cinco deles que contaram sobre o que eles têm visto em pacientes mais agravados, as possibilidades de tratamento e o que mais chama atenção nesse combate ao vírus.O médico intensivista do Hospital do Coração e do Anis Rassi, Hélvio Martins Gervásio, relata que uma característica típica do coronavírus é a de demora para o paciente sentir a falta de oxigenação no sangue. “São pacientes que estão conversando com você, mas saturando muito mal, apesar de estar consciente. É uma característica muito interessante e típica.”A médica infectologista do Hospital das Clínicas (HC) de Goiânia, Moara Alves Santa Bárbara Borges, tem um relato semelhante. “Às vezes o paciente já está com nível de oxigênio no sangue baixo, mas não percebe o quanto está desconfortável. Aí quando ele procura atendimento, já está em uma fase com gravidade um pouco maior”, descreve. Ela explica que é importante estar atento aos sintomas do organismo. Nesses casos, a pessoa infectada se sente bem quando está em repouso, mas sente falta de ar fazendo exercícios simples como tomar banho, lavar a roupa e fazer exercício físico.Hélvio também observa com preocupação a velocidade do agravamento de alguns pacientes com Covid-19, embora casos semelhantes ocorram com outras síndromes respiratórias, como o H1N1. “Às vezes o paciente está bem pela manhã e a tarde está na UTI entubado”, descreve o médico.Uma especificidade dos pacientes com Covid-19, segundo observação da infectologista Moara, do HC, é a demora um pouco maior, a partir do primeiro sintoma, para precisar de uma hospitalização, nos casos mais graves. A falta de ar e pneumonia acontecem em média após a primeira semana. Enquanto que em outras gripes, a apresentação da gravidade costuma ser mais precoce. Outra impressão da médica infectologista é o maior tempo que os pacientes com Covid-19 demoram para se recuperar nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Segundo ela, em influenzas o tempo no leito é geralmente entre cinco e sete dias. Já nos casos de Covid-19, pode chegar de duas a três semanas. “A partir do momento que se está lá, não tem como saber quanto tempo vai demorar para se recuperar. A rotatividade de vagas de UTI pode ser limitada."O diretor técnico do Hospital Municipal Maternidade Célia Câmara (HMMCC), Marcelo Cupertino, relata que embora a maior parte dos casos graves seja em idosos e pessoas com outras doenças, a casos de pacientes jovens com velocidade rápida no agravamento dos sintomas respiratórios. “Estamos tendo essa dificuldade bem acentuada, mesmo em pacientes fora da faixa etária do idoso.”Segundo Cupertino, dois fatores que são considerados medidas para saber sobre a gravidade do paciente é a tomografia do pulmão e o tempo de insuflações por minuto, que é o ato de inspirar e respirar.A diretora técnica do Hospital de Campanha (HCamp) de Goiânia, a médica infectologista Marina Roriz Pedrosa, diz que tem observado sintomas de confusão mental e agitação psicomotora em pacientes mais agravados, por conta da falta de oxigenação no cérebro.Segundo Marina, embora haja pesquisas que apontam relação entre problemas neurológicos e cardíacos com o Covid-19, essa não é uma realidade atual dentro do HCamp, mas os pacientes são monitorados.Pânico é uma realidade e pode atrapalhar evoluçãoO medo, a solidão e pânico são sentimentos identificados pelos profissionais de saúde nos pacientes mais agravados. A médica infectologista do HC, Moara Alves, que atua diretamente em uma enfermaria com pacientes suspeitos e positivos para coronavírus, conta que o clima é de incerteza e solidão entre os pacientes. “Nesse momento ainda é uma doença muito assustadora. A incerteza do que vai acontecer com eles, o fato de ficarem na maioria das vezes completamente sozinhos, porquê não se pode ter acompanhante. Essa é a situação que mais incomoda”, descreve a médica. Para o médico intensivista do Anis Rassi e do Hospital do Coração, Hélvio Martins Gervásio, o pânico geral, tanto dos pacientes, como dos familiares e equipe médica, é um fator que chama atenção e que pode prejudicar o tratamento. “Ficam com muito medo. Muita tensão. Isso dificulta muito a cuidar do doente. Esse é um problema sério.”Entre os problemas que o medo causa, segundo Hélvio, está a demora para levar o paciente com sintomas para o hospital, já que muitos ficam com medo de se contaminar no ambiente hospitalar e o receio do profissional de saúde de se aproximar do paciente.Segundo Moara, a mesma angústia do paciente também atinge o profissional de saúde, por não ter certeza do que será daqui para frente, a hipótese de ter um colega próximo doente e o temor de expor seus familiares.Tratamentos experimentais em GoiásHospitais de Goiás da rede pública e privada que tratam pacientes graves de Covid-19 utilizam tratamentos experimentais em alguns casos, como a hidroxicloroquina, o tamiflu e o plasma de pacientes curados,mas não há garantia de recuperação. “Não tem receita de bolo”, definiu a diretora técnica do Hospital de Campanha (HCamp) de Goiânia, a infectologista Marina Roriz Pedrosa. Na unidade, referência em coronavírus na capital, medicamentos que ainda estão sendo testados são usados com casos específicos, como de pacientes em estado mais grave. Um dos motivos é o risco do efeito colateral dessas medicações. No caso da cloroquina, há risco de arritmia, parada cardíaca e até morte súbita.Enquanto não há uma substância que ataque diretamente o vírus, além de experimentar com base nas pesquisas científicas mais recentes, o tratamento consiste em um acompanhamento constante para suprir as necessidades do paciente e garantir sua respiração e outros sinais vitais. “O que diferencia se o paciente vai ficar mais grave ou não é basicamente a resposta do organismo dele. Cada organismo vai responder de um jeito”, explica Marina Roriz. No Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara (Covid-19), outra referência de coronavírus, familiares ou o próprio paciente, se estiver consciente, assinam um termo de consentimento quando há administração de medicamentos em teste. No documento é especificada a sugestão de benefício do remédio. “O Covid em si ainda não tem tratamento. O que a gente espera é que se consiga alguma medicação que ajude, assim como o Tamiflu ajuda no H1N1”, explica o diretor técnico do HMMCC, Marcelo Cupertino. Ele explica que tiveram casos de pacientes que responderam bem a cloroquina, por exemplo. No entanto, ele ressalva que são necessários estudos mais completos, controlado, para comprovar o efeito do remédio. “É uma coisa delicada da gente afirmar.”No Hospital das Clínicas (HC) de Goiânia, vinculado a Universidade Federal de Goiás (UFG), uma pesquisa científica com esses novos medicamentos está sendo elaborada. “As drogas experimentais realmente podem ser um caminho muito importante, mas não se pode perder o norte do que a ciência já nos disse sobre quadros semelhantes. Ter critérios e não expor o paciente a nenhum risco. A gente precisa avaliar o risco e benefício em nosso paciente”, explica a infectologista do HC, Moara Alves Santa Bárbara Borges. No Hospital do Coração e no Anis Rassi, o uso de hidroxicloroquina foi interrompido em pacientes menos agravados. A eficácia do medicamento ainda não foi comprovada e os trabalhos científicos sobre o tema até o momento são conflitantes entre si, na avaliação do médico intensivista de ambas as unidades, Hélvio Martins Gervásio. PioneirismoOs dois hospitais têm sido pioneiros em Goiás na transfusão de plasmas convalescente. Basicamente, é retirada uma parte do sangue de uma pessoa que já teve coronavírus e essa substância, que tem anticorpos contra o vírus, é injetada no paciente doente. Hélvio, que coordena o projeto, feito em parceria com o Hospital Albert Einstein, de São Paulo, explica que esse tipo de tratamento é feito em pacientes com muitas inflamações, em estágio mais grave da doença. Segundo o médico, até o momento, o novo tratamento tem apresentado resultados positivos. No entanto ele explica que é necessária uma certa estrutura para realizar essa aplicação de plasma, com banco de sangue preparado para fazer coleta, segurança para transfusão. “Tem que estar dentro de um protocolo de estudo. Não pode fazer em qualquer lugar, de qualquer maneira. Tem que estar sendo controlado, indicado no momento certo”, explica. Hélvio Martins avalia que muitos procedimentos para o tratamento do Covid-19 já evoluíram e vão evoluir mais ainda nos próximos dias. Ele cita como exemplo a entubação menos invasiva feita com uma máscara específica em alguns casos, que gera menos aerosóis e que no início da pandemia não era feito; o próprio uso do plasma; a administração de doses maiores de anticoagulantes, após pesquisas que demonstram mais risco de trombose em pacientes com coronavírus; o uso de corticóides em pacientes com mais inflamações.