A letalidade da Covid-19 entre gestantes e puérperas aumentou 77% em Goiás se comparado os anos de 2020 e 21 até o momento. Ela saltou de 9,1% em 2020, quando o Estado registrou 21 óbitos, para 16,18% em 2021, que já tem 28 mortes registradas até agora. Os dados são do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19.Especialistas apontam que uma das explicações para o crescimento é a circulação das variantes do coronavírus (Sars-CoV-2), especialmente a de Manaus, uma vez que elas têm se mostrado mais agressivas em pessoas mais jovens. Portadores de comorbidades como obesidade e diabetes possuem risco maior de desenvolver casos mais graves da doença.Uma dessas vítimas foi a técnica em enfermagem Thammy Ferreira, de 33 anos, que trabalhava no Hospital de Queimaduras, em Goiânia, e morreu no final de fevereiro deste ano em decorrência de complicações da Covid-19. Ela estava grávida de sete meses e o bebê também não sobreviveu. Thammy era mãe de outros quatro filhos e dois dias depois que morreu, o esposo dela, André Junio, de 34 anos, também veio a óbito em decorrência da doença.A obstetra e ginecologista Ana Tamiris Perini explica que por si só, as gestantes já são potencialmente um grupo de risco. “Elas têm um sistema imunológico alterado. Elas podem ter um pouco de anemia fisiológica e possuem mudanças no músculo responsável pela respiração, que ajuda a encher os pulmões de ar. Além disso, existe um feto e uma placenta que demandam muita energia dessa mulher”, esclarece.Em Goiás, as gestantes infectadas com a Covid-19 são tratadas principalmente em dois centros de referência em Goiânia: no Hospital e Maternidade Célia Câmara (HMCC) e no Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Goiás (UFG).O ginecologista e obstetra Washington Rios explica que novas variantes como, por exemplo, a de Manaus são mais infecciosas e tendem a afetar as pessoas mais jovens, sendo que as gestantes fazem parte desse grupo. Por isso, elas estão se infectando mais e, consequentemente, evoluindo muito vezes para quadro mais grave, que resulta em óbitos.O médico, que é gerente de Ensino e Pesquisa do HC, explica que assim como a população em geral, não existe um padrão de evolução das gestantes, sendo que fatores complicadores mais associados a mulheres que chegam a precisar de hospitalização são comorbidades. “Porém, não dá para saber. Precisamos acompanhá-las todos os dias e definir quais as melhores estratégias para manter a saúde dela e do bebê”, diz.Rios diz que assim que a grávida descobrir que está infectada, ela deve avisar o obstetra que a atende e procurar um infectologista ou pneumologista. “Ele vai orientá-la sobre o que deve ser feito dependendo de que fase da Covid-19 ela estiver enfrentando”, diz.Já o obstetra vai ter que acompanhar essa mulher mais de perto, especialmente se ela estiver no final da gestação. “Isso é necessário pois, caso seja necessário fazer uma intervenção como um parto, o profissional estará preparado. Também é possível, por exemplo, antecipar a maturação do pulmão do bebê se necessário”, afirma.Pré-natalRios aponta ainda que apesar do risco de serem infectadas pelo coronavírus (Sars-Cov-2), é importante que elas não deixem de fazer o pré-natal. “Ele é essencial para a gente acompanhar o desenvolvimento da mãe e do bebê também de alguns fatores de risco como diabetes gestacional e pré-eclâmpsia”, aponta.Independente de a gestante estiver infectada ou não, é importante que ela não abandone as medidas de distanciamento e os cuidados como, por exemplo, o uso de máscara. “Continuar se cuidando e protegendo, mesmo que já tenha sido infectada, é essnecial”, finaliza.“A situação piorou muito”, diz médicaA rotina dentro das maternidades e hospitais que atendem gestantes mudou nos últimos devido ao aumento de casos e grávidas hospitalizadas com quadros graves da Covid-19. “Houve uma modificação muito grande no quadro clínico delas”, diz a ginecologista e obstetra Ana Tamiris Perini, que atende no Hospital e Maternidade Célia Câmara (HMCC).Ana Tamiris diz que ao longo de 2020 poucas pacientes tratadas por ela evoluíram de forma grave. “Neste ano tem sido diferente. O potencial de gravidade desses pacientes tem sido muito grande”, relata a médica. De acordo com ela, na prática, não dá para saber qual grávida vai evoluir bem ou mal. “O único fator que sabemos até agora que influencia são as comorbidades”, diz.Entretanto, a obstetra relata que no dia a dia a situação tem ocorrido mais comumente com mulheres no terceiro trimestre de gestação. Ela diz ainda que os quadros graves costumam se desenvolver de maneira rápida, sendo que as complicações mais comuns dessas gestantes, assim como da população em geral, são as respiratórias. Ana Tamiris conta que 2021 tem sido um ano difícil para os profissionais que atuam com gestantes e mulheres puérperas. “A morte materna é sempre um desespero. A maternidade é um lugar de vida e temos enfrentado muito a morte por aqui”, conta.A médica conta ainda que as equipes estão extremamente desgastadas. “Estamos tendo muitos desfechos difíceis. Estou atuando contra a cOVID-19 desde o início da pandemia e não tem sido fácil. O único lado bom é que temos descoberto vários caminhos para a humanização dos atendimentos, como por exemplo, as vídeo chamadas com familiares”, pontua.No HMCC, o tratamento de uma grávida com Covid-19 internada em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é feito com uma equipe multidisciplinar que conta com intensivista, obstetra, assistente social, psicólogo, fisioterapeuta e equipe de enfermagem. A mesma lógica se aplica no Hospital das Clínicas (HC), da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ambas são as unidades de referência para o tratamento da doença no Estado. Por conta da quantidade de pacientes que tem evoluído de maneira grave e pelos próprio potencial de risco da Covid-19, Ana Tamiris recomenda que as mulheres gestantes se vacinem contra a doença se tiverem a oportunidade. “A gente tem que avaliar os riscos e benefícios. Em uma situação como essa, acredito que os benefícios são maiores”, aponta.O ginecologista e obstetra Washington Rios, que atua como gerente de Ensino e Pesquisa do HC, relembra que a vacina contra a Covid-19 é feita com base em um modelo muito parecido com a vacina contra a H1N1. “Ela se beneficia com a vacinação porque, por si só, ela já faz parte do grupo de risco”, diz o médico.PrematuroGrávidas com infecção causada pelo coronavírus (Sars-CoV-2) têm mais chance de terem partos prematuros. Uma pesquisa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos mostrou que das 4,5 mil gestantes analisadas, 13% tiveram que ser submetidas a partos prematuros. Na prática, obstetras goianos explicam que têm percebido o aumento desses partos precoces por conta da Covid-19. Ana Tamiris diz que qualquer tipo de infecção, viral ou bacteriana, aumenta a possibilidade desse tipo de parto. “Funciona como um tipo de resposta do organismo a aquela infecção”, aponta.Ana Tamiris explica que por conta da Covid-19 as gestantes podem ficar muitos instáveis e isso pode fazer com que os partos ocorram de maneira antecipada para preservar a saúde do bebê e da mãe. Infecções secundárias também podem ser motivadores para o parto precoce.Além disso, ela esclarece que complicações da Covid-19 podem fazer com que a placenta passe a não funcionar tão bem, o que pode levar o bebê a entrar em sofrimento fetal. O ginecologista e obstetra Washington Rios chama a atenção também para os partos prematuros terapêuticos. “Eles ocorrem quando a mãe está indo mal, mas o bebê ainda está bem. Ele é feito na tentativa de preservar a saúde de ambos”, finaliza. Família lida com sequelasDesde março deste ano, a vida de Gláucio Divino da Silva, de 41 anos, é cuidar da esposa. Ele teve que abandonar o trabalho como vendedor em uma loja de tintas para se dedicar integralmente aos cuidados da saúde de Ana Paula Soares Amaral, de 27 anos, depois de ela ficar em estado vegetativo por conta de complicações causadas pelo coronavírus (Sars-CoV-2).O casal descobriu que estava com Covid-19 no início de fevereiro. Ele quase não teve sintomas, mas ela precisou ser encaminhada para o Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiânia (UFG) para que fosse feita a cesariana. No dia 17 de fevereiro, Ana Paula sofreu a primeira parada cardiorrespiratória sendo encaminhada para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).Há 15 dias, depois de praticamente dois meses internada, Gláucia recebeu alta do HC. Entretanto, ela não consegue falar e nem se alimentar sozinha. “Tenho que dar os remédios, águas, comida e fazer todas as outras coisas nos horários certos. No meio disso tudo, sinto muito medo e cansaço também”, relata ele.O pequeno Nicolas, agora com um mês de vida, fica aos cuidados da mãe de Gláucio para que ele possa se dedicar integralmente aos cuidados da esposa. Ana Paula possui ainda outros quatro filhos e Gláucio três. A família, que morava em Itapuranga, teve que mudar de cidade e atualmente mora em Ceres, junto a família dele.Logo depois de receber alta do HC e se instalar em Ceres, a família viveu um novo desafio: Ana Paula precisou ser hospitalizada novamente por conta de uma verminose. “Ela tinha dores horríveis na barriga. Recebeu alta essa semana e está um pouco melhor”, conta Gláucio.O esposo de Ana Paula relata que nunca imaginou viver uma situação como essa. “Ela se cuidava muito. Saía de casa só para fazer o pré-natal. Jamais esperei que as coisas fossem ficar nessa gravidade. A verdade é que ainda não assimilei tudo que aconteceu. Não consigo entender que ela está desse jeito”, conta GláucioApesar das sequelas assustadoras, Gláucio tem esperanças de que a esposa melhore. Ele conta que sempre que pode coloca Nicolas, o filho do casal, junto da esposa. “Ela dá sorrisos e esboça muita felicidade. Isso já é uma vitória gigante perto do que jeito que ela estava. Tenho fé que Deus vai curá-la”, diz.Para o futuro, Gláucio espera ver a esposa saudável. “Somos um casal unido e cheio de amor e respeito. Quero ela bem e junto comigo”, afirma. Ele deseja também que a pandemia da Covid-19 acabe o mais rápido possível. “Só queria que todos nós pudéssemos ter uma vida normal. Chega de sofrimento”, finaliza. Quem quiser colaborar, a conta de Ana Paula Soares Amaral é da Caixa Econômica Federal, Agência: 1252, Conta Corrente: 19500-1, Operação: 013, CPF: 700455971-89.Recém-nascido merece atençãoA saúde e os cuidados com bebês recém-nascidos merecem atenção no que diz respeito a Covid-19. Em relação ao desenvolvimento da doença si, eles não possuem um potencial de gravidade maior do que outras crianças, mas é preciso ter atenção e evitar o contato com eles devido ao fato de que eles ainda estão desenvolvendo o sistema imunológico. “É preciso ficar de olho em qualquer febre em bebês com até um mês de vida. Eles precisam ser levados ao pediatra”, explica o infectologista pediátrico Fernando Mateus. “Por isso, a visita para recém nascidos não é recomendada. Mesmo com cuidados, isso pode afetar a saúde da mãe e do bebê.” O infectologista pediátrico aponta ainda que na maternidade é necessário que as mães e pais tomem os cuidados necessários. “É preciso usar máscara, manter o distanciamento se possível e fazer a higienização adequada durante o tempo que permanecerem lá”, esclarece.Caso a mãe puérpera acabe se infectando com a Covid-19, Mateus não recomenda o distanciamento da criança, mas é necessário que o pediatra responsável seja avisado da situação para que possa fazer o acompanhamento necessário. “Eles estarem juntos é muito benéfico. Essa mãe pode continuar amamentando e tendo contato com esse bebê contanto que use máscara e tenha todos os cuidados necessários”, finaliza.-Imagem (1.2239585)