O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) rebateu a Polícia Militar de Goiás e negou que tenha solicitado informações sobre movimentos sociais ligados à reforma agrária no Estado. Essa foi a justificativa da PM em ofício ao Ministério Público Federal (MPF) depois que vazou um ofício do serviço de inteligência que pedia a um comando regional da corporação a identificação e o monitoramento de lideranças destes grupos, inclusive possíveis elos com autoridades políticas.O POPULAR entrou em contato com o MJSP via assessoria de comunicação e também via Lei de Acesso à Informação (LAI) para saber se houve algum pedido de monitoramento destes grupos específicos. A resposta foi de que não houve solicitação para a Polícia Militar de Goiás e que tampouco existe documento relativo a esta demanda.O ofício que vazou em novembro data do dia 11 daquele mês e foi compartilhado pelo líder nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, no Twitter. Assinado pelo 4º Comando Regional da PM de Goiás, pede às unidades que localizem e mapeiem os assentamentos ligados a movimentos sociais, quantifiquem as pessoas e identifiquem as lideranças e o envolvimento com políticos. O ofício determina que se faça um histórico de invasões, conflitos “ou qualquer assunto de interesse de segurança pública”.Em um ofício encaminhado ao MPF no dia 13 de dezembro, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que não poderia compartilhar o “pedido de busca” feito pelo Ministério da Justiça com o órgão por se tratar de um documento sigiloso. “As normas previstas no ordenamento jurídico pátrio e na doutrina de inteligência em vigência só permitem transmissão de informações e documentos entre as Agências de Inteligência”.Ainda segundo o documento, até o momento da resposta ao MPF, os comandos que receberam orientação para fazer o monitoramento não haviam retornado nenhuma informação e que o Ministério da Justiça seguia sem resposta.A SSP em Goiás conta com uma comissão específica para trabalhar conflitos fundiários, mas, segundo o documento enviado ao MPF só atua em casos de cumprimento de mandados judiciais de desocupação, imissão e reintegração de posses de áreas urbanas e rurais.O MPF de Goiás aguarda o recesso de fim de ano para analisar quais medidas adotar após a resposta da PM e entrar em contato com a Procuradoria Federal dos Direitos Humanos, do MPF de Brasília, que acionou o MJSP também para obter uma resposta.Em nota publicada no site do órgão, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, de Brasília, esclarece que busca entender os fundamentos da solicitação e o motivo para o pedido ter sido feito diretamente para um órgão de inteligência da PM e não para o governador de Goiás ou o titular da Secretaria de Segurança Pública (SSP).Ainda segundo a nota, Vilhena afirmou causar “perplexidade” o monitoramento determinado pela PM de Goiás “em caráter ordinário, sem registro de qualquer anormalidade que justifique esse controle”. O procurador ressalta “em sua decisão, que os movimentos sociais são expressão central da democracia e constituem atividade protegida por uma ampla gama de liberdades expressamente asseguradas na Constituição Federal”.Entidades falam em ação intimidatóriaRelatório sobre violações de Direitos Humanos em Goiás elaborado pelo Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno, formado por 70 entidades de movimentos sociais, afirma que forças policiais já estiveram em diversos sindicatos da agricultura familiar, assentamentos, acampamentos e na sede da secretaria da Comissão Pastoral da Terra (CPT) atrás de informações para identificar e localizar as lideranças camponesas atuantes em Goiás. Para o comitê, trata-se de uma ação “inquisitória e intimidatória”.“O governo de Goiás, alegando atender uma solicitação do Ministério da Justiça, está promovendo uma investida contra famílias acampadas e assentadas da reforma agrária e movimentos sociais do campo por meio da Polícia Militar. Trata-se de uma ação inconstitucional, que instaura um processo de vigilância e de possíveis perseguições”, argumenta o relatório.O relatório aponta que os policiais não seguem “protocolos do serviço público”. “Os policiais não apresentam nem identificação nem outros documentos, não utilizam meios de comunicação oficiais e apresentam planilhas e documentos apócrifos, desvinculados de qualquer sistema público de informação”, informa.Um dos coordenadores da CPT em Goiás, Saulo Reis diz que mais do que uma ação de inteligência, o serviço feito pela PM goiana foi de intimidação. “Eles foram nos locais atrás de informações que já eram públicas. Qual o sentido de ir num sindicato perguntar quem é o presidente do sindicato, se isso é público, a não ser como intimidação? O serviço de inteligência da PM tem condições de buscar estas informações sem precisar agir desta forma.”As atividades seguiram em diversas cidades mesmo após ter se tornado público e com questionamentos formais por parte do MPF e do DPE-GO. Segundo Saulo, até o dia 15 ainda houve relato de abordagens em entidades ligadas a movimentos sociais. “Eles foram em assentamentos com mais de 20 anos buscar informações que todos sabem. É um processo de perseguição”. Saulo espera que a reação das autoridades ligadas à Defensoria e ao Ministério Público inibam o que ele chama de “ação clandestina” das forças de segurança.No começo do mês foi realizada uma reunião envolvendo representantes do Dom Tomás Balduíno, do CPT, do Ministério Público Federal e Estadual, da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), de movimentos sociais, sindicatos, universidades, além de políticos, como a deputada estadual Adriana Accorsi (PT) e os vereadores de Goiânia Aava Santiago (PSDB) e Mauro Rubem (PT). O encontro também contou com a fala do arcebispo de Goiânia Dom Washington Cruz. “Nós continuamos monitorando o caso. Se o Ministério da Justiça negou a solicitação, então a superintendência da Segurança Pública do Estado está mentindo. É um outro problema que está criado”, comentou Aava.SSP se contradiz sobre dados de movimentosA Superintendência de Inteligência Integrada da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de Goiás afirmou, em ofício datado de 25 de novembro ao Ministério Público Federal (MPF), que o monitoramento dos movimentos sociais foi para atender uma demanda do Ministério da Justiça.“Foi solicitado à Agência de Inteligência da Polícia Militar e a Gerência de Operações de Inteligência da Polícia Militar informações ou algum conhecimento já produzido sobre o tema”, afirma o ofício.O documento afirma que “ventilou-se a possibilidade de manifestações envolvendo estes grupos de pessoas, o que poderia colocar em risco a segurança das mesmas e da população em geral”. Entretanto, nenhum documento ou fato é anexado ao ofício embasando essa hipótese.Em outro ponto da mensagem, o órgão da SSP destaca que não houve determinação do governador ou do secretário da pasta, nem “viés político/partidário”, mas, sim, a “identificação da necessidade de conhecer o cenário destes grupos no Estado de Goiás para que se possa pensar em estratégias e políticas públicas de segurança”.Apesar de destacar a necessidade de informações sobre movimentos para oferecer melhor proteção aos envolvidos, a pasta afirma que até o momento não os tinha. O documento é assinado pela superintendente de Segurança Pública, Liliane Albuquerque Amorim.