Um crime que gerou condolências do governador Ronaldo Caiado (DEM), do então ministro da Justiça, Sérgio Moro, e de deputados. Um enterro com a presença de autoridades, choro de homens fardados e um cortejo de carros de cerca de 1 km. A morte do soldado Walisson Miranda Costa, de 28 anos, com um tiro na cabeça na Avenida União, do Setor Garavelo, em Aparecida de Goiânia, completa um ano nesta semana sem solução.O inquérito do caso, considerado complexo, já soma milhares de páginas e segue sigiloso. A Polícia Civil garante que as investigações estão em estágio avançado e que espera apresentar os resultados o quanto antes. De acordo com os investigadores, parte da apuração foi realizada em outro Estado, mais de 50 testemunhas foram ouvidas e o possível veículo utilizado no crime foi apreendido, além de diversas armas e munições. As informações vieram na última sexta-feira (18), após insistência da reportagem.A decisão de preservar o sigilo do inquérito é do diretor-geral da Polícia Civil, o delegado Odair José. Ele explica que ainda há diligências em andamento e que a divulgação de mais informações pode atrapalhar as investigações. “Já foi feita muita, muita, muita coisa. Tem uma equipe exclusiva neste procedimento. Trouxemos de Aparecida para a (Delegacia Estadual de) Homicídios. Estamos empenhados mesmo. São milhares de diligências já realizadas, ouvidas mais de 50 pessoas, várias medidas cautelares. Esperamos e acreditamos que vamos dar uma resposta para a família.”O crime começou a ser investigado pelo Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) de Aparecida, mas o caso foi transferido para a Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DIH) três meses depois. Na época, o novo responsável pelo inquérito, o delegado Rilmo Braga, justificou a transferência explicando que surgiram linhas de investigação complexas que exigiriam uma melhor estrutura da unidade policial.Em reportagem do POPULAR de dezembro de 2019, Braga ponderou que é uma investigação demorada, mas declarou: “Este caso será solucionado”.Quase um ano depois de assumir o caso, Rilmo diz que a investigação é bastante sensível e que só dará declarações após permissão da Assessoria de Comunicação da Polícia Civil. Inicialmente, na quarta-feira (16), o órgão disse que não comentaria investigações em andamento. Na quinta-feira (17), houve uma reunião interna para avaliar a possibilidade de permitir a entrevista com o investigador, mas no fim do dia decidiu-se enviar uma nota de resposta sem novas informações.Primeiros passosO delegado GIH de Aparecida de Goiânia, Charles Ricardo, que foi responsável pela investigação da morte do soldado Walisson Miranda entre setembro e dezembro de 2019, diz que a reconstituição do crime confirmou a versão dos três policiais que estavam dentro do carro com a vítima, únicas testemunhas oculares do crime.No dia 1º de outubro, pouco mais de uma semana depois da morte do soldado, a Polícia Técnico-científica realizou a reconstituição do crime no mesmo local onde ele ocorreu. O delegado Charles estava presente no momento do procedimento e não chegou a ter acesso ao laudo da reconstituição, mas explica que durante o procedimento já é possível chegar a estas conclusões.“O relato dos policiais militares que estavam acompanhando o Walisson foram coincidentes com as características físicas do local, com o ângulo do tiro e a altura da caminhonete. O revide por parte do colega dele que estava no banco de trás também. Tudo coincidente, sem aresta”, diz o delegado.Ainda na reconstituição foi realizado um trabalho para confirmar a versão de testemunhas civis que disseram para a reportagem ter ouvido quatro tiros. Os investigadores usaram um aparelho medidor de som para saber se era possível ouvir os disparos a partir do local onde as testemunhas estariam no momento do crime.Os três policiais que estavam dentro do carro foram ouvidos pelos investigadores três vezes em um curto espaço de tempo logo no início das investigações. “A gente queria reafirmar bem a versão de cada um para basear a reconstituição do fato. Ver se tinha contradição, se alguém mudava a versão. Mantiveram a mesma versão desde a primeira vez”, lembra Charles Ricardo.A ocorrência que os policiais participavam antes do crime teria sido uma abordagem, que estava documentava em um Registro de Atendimento Integrado Virtual, o chamado RAI, de acordo com o delegado de Aparecida.No início das investigações foram coletadas imagens de câmeras de monitoramento em um percurso de cerca de 10 km, mas nenhuma delas, segundo o delegado, permitia ver a placa da caminhonete que teria sido utilizada no crime. “É um mistério que fica. A gente (Polícia Civil) tem intenção de desvendar e chegar na autoria.”HipóteseLogo nos primeiros dias após a morte de Walisson, houve rumores de que haveria um policial militar ou civil envolvido no crime. No entanto, os investigadores na época negaram esta possibilidade.Após a morte do soldado, o comando da Companhia de Patrulhamento Especializado (CPE) foi trocado do major Alex de Siqueira para o major André Ribeiro Nunes. Assassinato provocou comoção na sociedadeA morte do policial causou grande comoção na sociedade. No mesmo dia, o então ministro da Justiça, Sérgio Moro fazia uma visita a Goiânia para acompanhar o projeto Em Frente, Brasil, que trouxe a Força Nacional para reforçar o policiamento nas regiões Oeste e Noroeste da capital. Em seu pronunciamento, Moro citou o nome de Walisson e fez condolências aos familiares. “Quero fazer referência a uma notícia triste aqui em Goiânia, de que um policial foi morto em serviço, cumprindo seu dever.”No mesmo dia, pelas redes sociais, o governador Ronaldo Caiado disse que recebeu a notícia da morte de Walisson com pesar. “Meus sinceros sentimentos à família. Todos nós estaremos em oração por vocês, e pela alma de Walisson. Que o Amor de Deus os ampare!”, declarou. A Polícia Militar de Goiás (PM-GO) declarou em nota que Walisson era um soldado destemido e honrado.Caiado esteve presente no enterro no cemitério Jardim da Esperança e consolou a mãe da vítima pessoalmente. Assim como o secretário de Segurança Pública, Rodney Miranda, e o comandante geral da PM-GO, o coronel Renato Brum. Durante a cerimônia, militares da Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas (Rotam) entoaram gritos de guerra em homenagem ao soldado: “Mesmo com o risco da própria vida”, bradaram. Policiais da Companhia de Policiamento Especializado (CPE) efetuaram salvas de tiros de fuzil e alguns dos atiradores não conseguiram controlar o choro e os soluços. Militar estava em um veículo descaracterizado quando foi mortoNa noite de 22 de setembro de 2019, Walisson voltava para a base da Companhia de Policiamento Especializado (CPE) de Aparecida após ter participado de uma ocorrência com três colegas de farda. Eles estavam descaracterizados, fazendo um serviço de inteligência da Polícia Militar, o chamado P2, em um carro modelo Ônix de cor prata (veja quadro na página 14). Próximo ao Anel Viário, o carro teria sido atingido por um disparo de arma de fogo que teria vindo de uma caminhonete preta, no momento em que ambos os veículos passavam sobre um quebra-molas. O projétil entrou pelo olho esquerdo de Walisson, que estava no banco de trás, e atravessou o crânio. O colega que estava ao lado, o sargento Fábio Marques Pereira, foi atingido de raspão no braço. Ele teria reagido, colocado o corpo do lado de fora pela janela e disparado contra a caminhonete. Walisson foi socorrido e transportado para o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), onde chegou com o estado de saúde gravíssimo. Ele passou por uma cirurgia, mas não resistiu. O soldado morreu na madrugada do dia 23 de setembro. Mãe está isolada desde o início da pandemiaO consolo da mãe do soldado Walisson Miranda, Anísia Francisca de Miranda Costa, de 50 anos, encontrou barreiras por conta da pandemia do coronavírus. Ela tem problemas cardíacos e é do grupo de risco, por isso tem tomado cuidados extras para manter o distanciamento social. As visitas que costumava receber dos amigos policiais do filho foram suspensas, assim como as idas presenciais até a Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios (DIH) para colher informações sobre o caso. Da última vez, enviou perguntas para o delegado por áudio de celular. A família pretende ir à delegacia em breve para saber como está o andamento do inquérito.A reportagem foi até a casa de Anísia, no Setor Colina Azul, em Aparecida de Goiânia, onde Walisson e a mãe moravam, na tarde da última quinta-feira (17), mas ela preferiu não conceder entrevista. “Se me perguntar agora, vou responder as mesmas coisas que respondi da outra vez”, afirma. Ela conta que não foi informada de nenhuma novidade sobre a investigação, que é mantida em sigilo. Da outra vez, em reportagem publicada na edição do dia 25 de dezembro de 2019, três meses depois do crime, Anísia relatou o sofrimento pela perda do filho e o inconformismo de não saber quem foi o autor do crime. “Fico lembrando do que ele me dizia quando eu falava que tinha medo de ele morrer. ‘Mãe, se eu morrer, ele (assassino) também morre, porque nós somos um cuidando do outro”, disse à época.Na mesma matéria, Anísia lembrou que Walisson cuidava dela e das três filhas, que tinha um senso de responsabilidade, já que o pai morreu quando ele era pequeno. Ele era responsável por pagar contas como água, energia, telefone e ração para os cachorros. Horas antes de morrer, Walisson chegou a ir à casa dele com dois amigos policiais. A mãe lembra que ele aparentava tranquilidade, brincava com os colegas e chegou a jogar bola com o sobrinho. “Se ele estava preocupado com alguma coisa, soube esconder bem, porque eu não percebi nada. Mas se tivesse alguém ameaçando, ele não ia me falar”, relatou Anísia na reportagem do dia 25 de dezembro. Na ânsia de descobrir o responsável pelo assassinato de Walisson, a família chegou a criar um disque-denúncia (62 9 8445-4013). A recompensa para quem ajudar na investigação, R$ 5 mil, foi resultado de uma “vaquinha” de parentes e amigos. O disque-denúncia continua funcionando, mas ainda não trouxe resultado. Parceria marcou vida de amigoA forte amizade entre os soldados Alexandre Eufrásio e Walisson Miranda começou antes de eles entrarem na Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO), quando ambos trabalhavam no call center de uma operadora de celular. Alexandre queria ser bombeiro, mas decidiu pela carreira policial por influência do amigo. “Eu chamava ele de irmão. Hoje, as irmãs dele me chamam de irmão.”O soldado Eufrásio (nome de guerra), define Walisson como uma pessoa “apaixonada pela gloriosa”, a PM-GO. Mesmo antes de entrar na instituição, o jovem já tinha o jeito de ser policial e ganhou o apelido de “stive”, que é a forma como um policial se dirige ao outro durante uma operação. Depois que entrou na Polícia Militar, em 2016, passou a ser conhecido como “Montanha”. “Na gloriosa ele foi apelidado por Montanha por ser pequenininho, mas com vibração e vontade”, lembra o amigo. Walisson tinha a altura exata (1,65 m) para conseguir entrar na instituição. Com um centímetro a menos, não teria se tornado soldado. A dedicação e a concentração eram tantas, que quando estava de plantão era difícil responder mensagens de WhatsApp ou atender o telefone para questões pessoais.“Ele realizou o sonho de entrar na polícia, viveu intensamente os três anos que passou na gloriosa. Isso que acalenta nosso coração, saber que fez o melhor, que morreu exercendo o que sempre sonhou: vestir a farda e trabalhar em prol da sociedade”, define o soldado Eufrásio.Dia do crimeNo dia 22 de setembro de 2019, Walisson enviou uma mensagem de WhatsApp para Eufrásio dizendo que estava entrando no plantão de 24 horas. “Ele falou ‘está tudo bem, o que precisar estou aqui’. Falei que estava de serviço até 19 horas. A última mensagem dele foi: ‘Nós estamos juntos para sempre’”, relata o soldado. Depois de chegar em casa, Eufrásio assistiu ao jogo do Goiás, time que torce, colocou o celular em cima da bancada da cozinha americana e foi tomar banho. Quando voltou, a tela do celular acendeu com uma notificação do WhatsApp: “Barca CPE alvejada por criminosos fortemente armados em S10”. “Já mandei mensagem e liguei para o Walisson, deu direto na caixa. Liguei para um amigo em comum. Em prantos, ele falou: Foi o Montanha”. Eufrásio foi direto para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Buriti Sereno, para onde o soldado baleado na cabeça foi levado. Pela pequena janela da unidade de resgate, ele viu o amigo desacordado, com respiração mecânica. O soldado acompanhou Walisson até o Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo), onde passou por uma cirurgia no início da madrugada. “O médico me chamou 3 horas da manhã. Veio e deu a notícia que tinha falecido. Aí foi aquele desespero total. A gente nunca espera, uma pessoa jovem, do nosso convívio, acontecer assim, tudo, do nada. Está em serviço, passa um carro, dá um disparo e até hoje nada”, lamenta o soldado, que diz confiar no serviço da Polícia Civil para desvendar o caso, que é complexo.-Imagem (Image_1.2122261)