O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) analisa os gastos em torno de R$ 1,15 milhão da Prefeitura de Cachoeira Alta com shows artísticos para eventos que serão realizados agora em junho e em setembro. Chama a atenção do órgão o pagamento de R$ 400 mil para a banda Barões da Pisadinha, que se apresenta no dia 18 (sábado), e R$ 310 mil para o cantor Leonardo, que está contratado para daqui três meses. Os outros espetáculos variam entre R$ 22 mil (João Vitor & Ruan) e R$ 150 mil (Rio Negro & Solimões).Chamou a atenção do MP-GO o fato de, ao mesmo tempo em que banca com recursos próprios eventos artísticos na cidade, a prefeitura pediu autorização da Câmara Municipal para um empréstimo de cerca de R$ 11 milhões para investimentos em infraestrutura. Deste valor, os vereadores permitiram o Executivo financiar pouco mais da metade, em torno de R$ 6 milhões. Cachoeira Alta tem 12,8 mil habitantes e fica no sul de Goiás, a 354 quilômetros de Goiânia.O promotor de Justiça Lucas Otaviano da Silva pediu em maio uma série de informações para o Legislativo e para a prefeitura sobre os motivos do empréstimo e os contratos com os artistas e com as empresas que vão participar da montagem e realização dos eventos, principalmente o deste mês, chamado Juninão do Trabalhador. O promotor apura principalmente dois pontos: a regularidade das contratações e a compatibilidade dos gastos com o orçamento municipal e com o mercado de shows.O prefeito Rodrigo Mendonça alega que os shows movimentam a economia da cidade, que o comércio local já tem casos de estabelecimentos que esgotaram os estoques com vendas por causa do Juninão do Trabalhador, como as lojas de roupa, e que a prefeitura está com as contas em dia, sem risco para os cofres públicos. Ele argumenta também que o empréstimo é para investimentos que não são rotineiros, como a construção de uma usina fotovoltaica, o que foge do orçamento de qualquer município.Leia também:- Cachês milionários entram na mira do MP e causam série de cancelamentos de shows- Críticas de Zé Neto à Lei Rouanet e Anitta rendem pedidos de CPI do Sertanejo na internet- Leonardo se posiciona sobre o uso de verba pública em shows: “Se tirar da saúde, não canto”- Em live, Gusttavo Lima chora e diz que “não compactua com dinheiro público” Desde que o cantor Zé Neto, da dupla sertaneja com Cristiano, provocou a cantora Anitta e criticou artistas que receberam recursos por meio da Lei Rouanet, em uma apresentação em Sorriso (MT) no dia 13 de maio, os shows de músicos pagos pelas prefeituras por meio de dispensa de licitação tem chamado a atenção da sociedade, principalmente os que envolvem valores elevados e que ocorrem em cidades pequenas, muito pobres ou com infraestrutura precária.Lucas disse que não poderia falar com a imprensa até definir se e qual procedimento seria adotado em relação ao que está sendo apurado. Informou por meio de sua assessoria que ainda analisa os dados repassados pela prefeitura e que o momento não se trata de uma investigação, mas de uma apuração preliminar.ServiçosConforme O POPULAR apurou, com base nos documentos entregues pelo Executivo e pela Câmara, que são públicos, além dos gastos com os shows em si, também estão sendo apurados os contratos com empresas responsáveis por serviços como montagem de palco e segurança. Também estão sendo checados os valores pagos por outras prefeituras que contrataram principalmente a banda Barões da Pisadinha, a mais cara. O MP-GO recebeu informações que em março o mesmo grupo se apresentou por R$ 330 mil em Quirinópolis e por R$ 250 mil em Sorriso.Em entrevista ao POPULAR, o prefeito disse não haver nenhuma irregularidade com as contratações e que estes tipos de eventos são tradicionais em cidades do interior. Ele sugere que se há críticas com relação à legislação que rege estes tipos de contratações, que se mudem as regras, mas não se vilanize a promoção de shows sem que haja nada de ilegal comprovado.Rodrigo afirma que lojas que vendem roupas para festas juninas na região já estão com o estoque esgotado e que existe uma gama grande de pequenos comerciantes e empreendedores que ganham com a venda de produtos e serviços durante a realização de grandes shows, inclusive com a visita de moradores de cidades próximas.“Está havendo um aquecimento geral no comércio local por causa deste evento junino. Estamos seguindo todos os regramentos jurídicos possíveis e não tem nada fora dos valores de mercado”, afirmou.O prefeito também diz ter tomado medidas para economizar com a contratação de artistas, como a união dos eventos que antes ocorriam em maio (Dia do Trabalhador) e em junho (festa junina) em um único, o Juninão do Trabalhador. E também deixou de terceirizar o serviço, pois antes, segundo ele, os recursos eram repassados para o sindicato rural local, que fazia a contratação dos artistas e organizava os eventos.Rodrigo também argumenta que o mês de junho é considerado “prime”, mais valioso, por muitos artistas por ser o das festas juninas e, por isso, é comum que alguns valores sejam maiores do que os cobrados em outros meses, mas que se comparar com o que as outras prefeituras pagam no mesmo mês haveria uma equivalência.Caso o MP-GO vá adiante com a apuração, pode entrar com uma recomendação extrajudicial ou uma ação na Justiça, seja pedindo a readequação dos contratos ou até mesmo a suspensão dos eventos. O promotor disse que não poderia adiantar qual o caminho a ser adotado e que até sexta-feira (10) deve ter uma resposta.Municípios de Mato Grosso gastam ao menos R$ 16,6 milhõesPrefeituras de Mato Grosso, o estado onde há o maior número de investigações do Ministério Público relacionadas à chamada “CPI do sertanejo”, gastaram pelo menos R$ 16,6 milhões este ano com a contratação de shows, a grande maioria de cantores do gênero. O valor é mais que o triplo do que o estado captou via Lei Rouanet em todo o ano de 2021, não só para financiar projetos de música, mas de todas as áreas da cultura.Até agora, as administrações municipais contrataram pelo menos 192 apresentações de duplas e cantores do sertanejo em 54 cidades, mais de um terço dos municípios de Mato Grosso. O levantamento foi feito pela reportagem com base nos diários oficiais das prefeituras, nos quais estão publicados os cachês dos artistas, e no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que compila o número de habitantes e dados econômicos de cada município.Mato Grosso foi onde começou a polêmica dos altos cachês dos sertanejos pagos por prefeituras sem licitação. Há algumas semanas, Zé Neto, da dupla com Cristiano, criticou a tatuagem anal de Anitta e afirmou nos palcos de Sorriso que não usava a Lei Rouanet, mas omitiu que aquele e tantos outros shows da dupla são bancados com verba pública, isto é, a mesma fonte de recursos da Rouanet.O estado da Região Centro-Oeste tem 24 investigações ativas do Ministério Público que apuram possíveis irregularidades na contratação de cantores como Gusttavo Lima. Entre os municípios investigados estão Sorriso, Brasnorte, Água Boa, São José do Xingú e Canarana. O procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, escreveu em sua petição que o procedimento visa a “defesa do patrimônio público e da probidade administrativa”.“Precisamos ver se as prefeituras não estão prejudicando outras políticas públicas que são prioridade, como pessoas passando fome, falta de creches, creches sem merenda, postos de saúde não funcionando. Isso tudo é prioridade em relação a um show, que você pode fazer com cantores locais que cobram menos”, afirmou Pereira, em entrevista por telefone. Os valores dos cachês, diz ele, são incompatíveis com as capacidades financeiras dos municípios investigados.Dentre as 54 prefeituras apuradas pela reportagem, a de Cocalinho foi a que mais investiu este ano, com R$ 1,2 milhão destinado a 15 shows. É como se cada um dos 5.716 moradores tivesse desembolsado R$ 209 para ver figuras como Maiara & Maraísa, Humberto & Ronaldo e George Henrique & Rodrigo. Lá, quase 40% da população vive com até meio salário mínimo por mês.A Prefeitura de Cocalinho não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.O procurador orientou que os promotores de Justiça de cada município apurem a origem do dinheiro usado para custear os cachês. Em sua avaliação, este é um dos pontos chaves da investigação. Em parte porque pode ter havido desvio de verba -como na cidade mineira de Conceição do Mato Dentro, que pagaria R$ 1,2 milhão a Gusttavo Lima com um dinheiro que só poderia ser destinado à saúde, educação, infraestrutura e ambiente-, mas também porque as apresentações, diz ele, podem ser “showmícios disfarçados” patrocinados por políticos de um ou outro partido.