O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) deve instaurar, nesta quinta-feira (20), um inquérito civil público para investigar os sete médicos denunciados pelo Hospital de Doenças Tropicais (HDT) de Goiânia por suspeita de irregularidades nos registros de ponto na unidade de saúde, seja por possíveis ausências ou não cumprimento da carga horária devida. De acordo com a promotora Villis Marra, da 78ª Promotoria de Justiça da capital, o apanhado de documentos, imagens e gravações encaminhados pela direção do HDT dá lastro para a abertura do procedimento, cuja portaria já foi elaborada para assinatura, segundo ela.Divulgada na última terça-feira por meio de reportagem na TV Anhanguera, a denúncia feita pela diretoria da unidade movimentou o meio médico durante o dia de nesta quarta-feira (19). Três notas foram emitidas por profissionais e residentes que atuam no HDT, uma delas assinada pelos médicos preceptores do hospital, que estão no centro do caso. A partir delas, entidades médicas como o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego), o Sindicato dos Médicos no Estado de Goiás (Simego) e a Sociedade Brasileira de Dermatologia - Regional Goiás (SBD-GO) reproduziram a manifestação em apoio aos envolvidos.Em nota, o Cremego esclareceu que os médicos preceptores de residências médicas no HDT seguem escala de trabalho com horários diferenciados e estabelecidos pela Portaria nº 779/2014 da Secretaria de Saúde do Estado de Goiás (SES-GO) e estão dispensados do ponto.“De acordo com a portaria, a jornada de trabalho prevê 12 horas semanais na assistência (devendo comprovar ensino prático), 4 horas semanais para aulas teóricas e 4 horas semanais para a preparação de aulas para o Programa de Residência”, diz o texto da entidade, replicando trecho do documento.O cumprimento de tal carga horária, no entanto, é questionado pelo diretor-geral do HDT, Roger Moreira, que afirma não ter recebido orientação da SES-GO para que os profissionais fossem autorizados a cumpri-la fora do hospital, mesmo para atividades de planejamento. “As 20 horas devem ser cumpridas presencialmente. Não há nenhuma orientação da secretaria em sentido contrário”, alega. “A portaria orienta a forma como, preferencialmente, as horas devem ser divididas, mas em hora nenhuma fala que pode ser fora (da unidade)”, completa.Coordenador da Comissão de Residência Médica (Coreme) do HDT e presidente da Comissão de Ética Médica do mesmo hospital, o infectologista Boaventura Braz de Queiroz, apontado na reportagem como um dos investigados por suspeita de não ter comparecido ao local em três dias assinalados na folha de ponto, afirma que deve prevalecer o bom senso. “A portaria deixa a critério dos profissionais, da preceptoria e das condições de realizar essas atividades”, argumenta.“Especificamente no meu caso, é impossível prestar toda essa carga horária sem atividades fora”, acrescenta ele, enumerando, por exemplo, reuniões entre gestores das Coremes de diversas unidades de saúde e avaliações de residentes. “Na última sexta-feira, passamos 5 horas avaliando os trabalhos de conclusão de curso dos residentes. Essas horas não foram computadas. [...] Quando trabalhamos com a Academia, fica difícil cumprir a risca, tanto para mais quanto para menos.”ApuraçãoDe acordo com o MP-GO, tanto os envolvidos quanto possíveis testemunhas devem ser ouvidas durante o inquérito civil público, que partirá, por exemplo, de documentos com os registros de ponto e gravações feitas por câmeras de segurança, de acordo com a promotora Villis Marra. Outros documentos também devem ser solicitados, incluindo uma cópia da sindicância instaurada pela SES-GO para investigar o fato internamente, segundo ela.Diretor-geral do HDT, Roger Machado informou à reportagem que, após receber denúncia anônima sobre a suposta fraude praticada pelos médicos, reuniu informações e as repassou para o MP-GO, em resposta a uma investigação anterior, o que foi confirmado por Villis. O mesmo foi encaminhado à Saúde estadual, como diz ele.Questionada pela reportagem a respeito da possível abertura de um procedimento na pasta, a SES-GO não respondeu. Contudo, o caso foi abordado nesta quarta-feira durante reunião entre o secretário de Saúde Ismael Alexandrino e Villis Marra, na qual ambos trataram de providências requisitadas anteriormente pelo MP-GO.A secretaria, por sua vez, se manifestou por meio de nota, dizendo que “os fatos já estão sendo avaliados” e que as providências administrativas cabíveis serão tomadas caso alguma irregularidade seja identificada após a oitiva dos profissionais. Contudo, frisa que aguardará o resultado da apuração para emitir possíveis julgamentos.“A SES-GO esclarece ainda que não fez e nem fará nenhum julgamento prévio sobre os profissionais em questão, e que reconhece o trabalho e a qualidade do corpo de saúde, como um todo, do hospital, pois se trata de pessoas que lutam diariamente pela vida. Qualquer denúncia apresentada será tratada com sensatez, respeito e seriedade, sem execração pública de nenhuma categoria profissional”, diz, no texto.Médicos apontam retaliação da direçãoEm carta aberta divulgada nesta quarta-feira, os médicos preceptores que atuam no Hospital de Doenças Tropicais (HDT) de Goiânia afirmam que a denúncia feita pela direção da unidade de saúde configura uma tentativa de retaliação aos profissionais que, no ano passado, realizaram denúncias contra diretores a entidades da área médica e à imprensa devido ao “desmantelamento do pronto-socorro, ‘bloqueio’ de leitos a título de reformas fictícias sem data para término e por falhas na regulação de pacientes, o que comprometia a qualidade e todo o trabalho dos médicos do HDT”, conforme dizem em nota.Questionado pela reportagem, o diretor-geral do HDT, Roger Machado, afirma que a alegação é improcedente. “Nós cumprimos nossa obrigação de responder a uma denúncia. Todas as outras que vierem serão investigadas. Sempre respeitamos a posição contrária de alguns médicos. Não há e não haverá nunca retaliação”, diz ele.Os preceptores defendem ainda que trabalham “dentro dos princípios éticos de legalidade e moralidade que regem o serviço público” e que a diretoria do HDT nunca apresentou as queixas referidas para que o contraditório pudesse ser apresentado. Além disso, afirmam que o preenchimento da folha de ponto era feito segundo orientação fornecida pela direção.Machado, por sua vez, afirma que os profissionais não foram diretamente procurados porque não cabia à unidade fazer uma investigação por conta própria, por se tratarem de servidores efetivos da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO).Nesta quarta-feira, uma das médicas apontadas cujo possível envolvimento na fraude é apontado pediu para ser removida do HDT. Em seu pedido, a infectologista Luciana de Souza Lima alegou que não possui “condições psicológicas para continuar o atendimento” após o que define como “exposição pública” de sua imagem pela diretoria.-Imagem (Image_1.1998281)