Depois de tentar encontrar uma vítima de violência doméstica no condomínio onde mora, em Goiânia, a comunicadora Cacau Mila tem buscado ajuda para tornar obrigatória a disposição de cartazes que ofereçam informações sobre o Disque Denúncia e outros recursos. Já existe uma lei federal e outra estadual que estão sendo discutidas para tratar o tema. Delegada regional em Aparecida, com experiência no atendimento à mulher, Cybelle Tristão acredita que leis como essas fortalecem a rede de apoio.Há cerca de dez dias, o grito de socorro de uma mulher deixou Cacau Mila assustada quando estava em casa. Ela mora em um apartamento no Setor Bela Vista e se lembra de ouvir tapas intercalados com silêncio, depois vieram pedidos de socorro e gritos abafados, como se alguém estivesse cobrindo a boca da vítima. Ela conta que foi até a janela e gritou que chamaria a polícia e os barulhos cessaram. Depois disso ela percorreu todos os andares do prédio para tentar identificar a moradia da mulher que pedia socorro, mas não conseguiu. Ela ainda diz que, de tempos em tempos, consegue ouvir as agressões.Cacau disse que entrou em contato com o síndico e informou que faria cartazes para alertar moradores e oferecer os números para denúncias. Mas no outro dia, os cartazes já não estavam mais nos elevadores. A comunicadora questionou o gestor do prédio, que apresentou relatório com verificação de cada apartamento e afirmou que não havia casais que pudessem estar brigando no momento relatado. Além disso, o síndico informou que apenas a administração pode fixar cartazes nas áreas comuns e que não era necessária aquela divulgação e que, no caso de alguma situação de violência, ele mesmo acionaria a polícia.Cacau então falou com uma amiga, a cantora Nila Branco, e juntas decidiram procurar a delegada e deputada estadual Adriana Accorsi (PT), que possui uma lei aprovada que obriga esta divulgação em locais públicos e privados. “Mas, infelizmente, a palavra condomínio não foi citada. Teremos reuniões com os envolvidos e vamos pesquisar com o jurídico sobre isso, se podemos incluir o condomínios e residenciais nesta lei já aprovada ou se devemos apresentar nova lei.”A delegada ressalta que, independente da lei, os síndicos e outras pessoas que conheçam situações de violência, seja contra mulher, criança ou idoso, devem informar. A deputada ainda reforça que tornar a denúncia obrigatória é importante porque existe grande subnotificação de casos. “Precisamos estimular a denúncia para poder salvar vidas.” Além disso, a delegada ressalta que é necessário fortalecer as estruturas de atendimento, como delegacias, pessoal especializado e qualificado neste atendimento e viaturas. “Precisamos de tudo ao mesmo tempo para que a vítima se sinta segura e para que, de fato, as leis possam ser cumpridas.”solidariedadePresidente da comissão da mulher da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Goiás (OAB-GO), Ariana Garcia diz que, pela própria definição do que é violência doméstica contra a mulher, que inclui a unidade onde se estabelece o convívio permanente de pessoas, independente de vínculo familiar e da frequência desse convívio, e por os condomínios agregarem várias unidades domésticas, a relevância do gesto do condomínio ou de algum morador mostrar solidariedade à vítima é tão grande, que pode salvar vidas. Para a advogada, a vítima pode ver em um gesto como este, de acesso à informação, uma alternativa de socorro no momento de extrema vulnerabilidade.A presidente cita que já existe um projeto de lei federal, já aprovado no Senado, que tramita na Câmara, que visa a obrigar condôminos e síndicos a denunciar violência contra a mulher a autoridades policiais. Na Assembleia Legislativa de Goiás, outra lei tem igual finalidade e em alguns Estados já é lei, considerando os lugares públicos e privados.Mas a advogada questiona se apenas a aprovação seria eficaz e aceita. “A violência contra a mulher não é um problema particular da vítima e impacta toda a sociedade. Dependendo de uma situação extrema, negar socorro ou não tomar providências podem configurar omissão, se o comportamento de alguém que deveria ou poderia impedir a violência, criar o risco de efetivamente de ela acontecer.” Síndicos têm medo de denunciarRepresentante dos síndicos da Associação de Síndicos de Goiânia (Aconsigo), Luiz Fernando Bueno diz que a denúncia é defendida pelos profissionais, desde que não haja a obrigação de se identificarem. “Já tivemos casos de síndicos que chamaram a polícia, acompanharam a vítima até a delegacia e depois o casal retomou o relacionamento e passaram a ser hostis com o síndico. Existe o medo da retaliação.”Bueno ainda diz que tem grupos de WhatsApp com cerca de 500 síndicos, o que representa cerca de 10% do total de condomínios da capital, onde sempre discutem casos. Ele relata que muitos se dizem apreensivos quando o assunto envolve brigas de moradores de uma mesma residência. “Quando há agressão, não tem como, tem de denunciar, mas existe o medo de como essa pessoa que vai voltar a morar no prédio vai se comportar.”Outro problema citado pelos síndicos nas conversas é lidar com inquilinos agressores. “Quando a pessoa mora no condomínio, já existe uma conhecimento, mesmo que superficial da pessoa, de como ela vive e se comporta. Mas muitos casos são de locatários, que causam mais receio porque o síndico não sabe como se portar diretamente. O que percebo é que a maioria dos síndicos não quer se identificar nas denúncias por medo.” Para ele, a denúncia anônima permitiria oferecer ajuda sem se expor diante do agressor porque ele sabe que muitos deixam de comunicar à polícia por medo das consequências.Sobre a disposição de cartazes e informações, ele acredita que nenhum condomínio seria contrário, já que pode ajudar uma vítima e acaba colocando todos os moradores e funcionários diante dos números. “Tem muita gente que sabe disso, mas talvez em um caso de agressão, ter o número à mão pode ajudar.” Mas ele destaca que a fixação de informativos é uma regra de cada prédio. “Cada condomínio tem sua convenção, tem suas regras internas que dependem da quantidade de moradores, do tamanho, do que dispõe. E essa regra não parte de um síndico, mas de assembleias entre moradores e o síndico está ali para garantir que elas sejam cumpridas.”3 perguntas para Cybelle TristãoEx-titular da Delegacia da Mulher de Aparecida fala sobre importância de denunciar violência em condomínios1 - Uma lei para obrigar a divulgação de canais contra a violência em condomínios pode ter efeito relevante?Independente de legislação disciplinando a matéria, este tipo de mensagem é de extrema importância também em condomínios e prédios. Precisamos incentivar este tipo de mensagem, incentivar a denúncia. Recentemente, em Aparecida, uma pessoa ligou na delegacia da mulher e tinha todos os dados de onde a vítima morava, em que apartamento. Orientamos a ligar, também, no Disque 100, mesmo com a investigação da Polícia Civil.2 - O recado vale para a vítima e para quem testemunhou? A denúncia pode salvar vidas de pessoas agredidas, em cárcere. Se alguém ouve algum pedido de socorro e aciona o socorro, faz a denúncia, pode salvar alguém. A vítima também pode entrar em contato. 3 - Leis como as citadas na matéria são positivas?Acredito e vejo com bons olhos as iniciativas de tornar lei e os síndicos, assim como qualquer outra pessoa, devem contribuir para termos mais colaboradores nessa rede de proteção.