Impossível ficar alheio a elas. As araras-canindé são coloridas e barulhentas e, em determinadas épocas do ano, surgem por toda Goiânia em lugares inusitados. Desde agosto do ano passado, pesquisadores do Laboratório de Etnobiologia e Biodiversidade do Núcleo Takinahaky da Universidade Federal de Goiás (UFG) estudam a ecologia dessas aves no cenário urbano da capital. O projeto Araras de Goiânia conta com a participação da sociedade, que pode contribuir com relatos sobre a presença das aves em todos os pontos da capital.Coordenador da pesquisa, o biólogo Carlos Bianchi conta que a arara-canindé foi objeto de estudo de seu mestrado desenvolvido no Parque Nacional das Emas, no Sudoeste de Goiás. Em 2012 quando se transferiu para Goiânia, percebeu que elas visitam muito a cidade. “Como alguns alunos também se mostraram curiosos, decidimos idealizar o projeto.” Além do biólogo, participam do estudo outro docente da UFG, uma pesquisadora independente e três alunos do Núcleo Takinahaky, que forma professores para as populações indígenas.Os pesquisadores acreditam que com um ano de projeto terão ideia da população de araras-canindé em Goiânia, seus lugares preferidos, onde se reproduzem e de que se alimentam. Até o momento, a sociedade contribuiu com cerca de 200 registros. Até dezembro, elas podiam ser mais vistas nas regiões Central, Sudoeste e Sul. “Elas estão pela cidade inteira. Goiânia é uma cidade que tem muitas árvores e muitos parques. Isso favorece a presença de um bicho tão grande e chamativo, mas não conseguimos ainda estabelecer os locais favoritos. Uma das características mais fortes do estudo é ter uma rede de pessoas que possa dar essas informações com uma certa frequência. Não queremos somente fazer ciência, mas também envolver a sociedade com ela”, diz.Gerente de Proteção e Manejo da Fauna da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) de Goiânia, a zootecnista Caritha Faria Marques acredita que o desmatamento nas áreas rurais e a grande oferta de frutos no meio urbano podem estar atraindo com maior frequência as araras-canindé para a capital. “Estamos percebendo que a reprodução está alta na cidade e elas chegam porque tem muita arborização”. Caritha explica que as aves são monogâmicas, formam um casal por toda a vida. “Quando um dos companheiros morre, o outro fica sozinho.” Às vezes podem ser vistas em bandos, de seis a oito pares.De acordo com Caritha, a reprodução no meio urbano costuma ocorrer em restos de buritizais e nos troncos secos de palmeiras. Em 2020, a Amma resgatou cinco indivíduos, dois filhotes que caíram dos ninhos, e três adultos que se chocaram com fiações. Nenhum morreu. Todos foram entregues ao Centro de Triagem do Ibama para soltura na natureza, após os cuidados necessários. “As araras são dispersoras de sementes, contribuindo para o surgimento de novas palmeiras onde ninguém as plantou”, ressalta a zootecnista.Animal de vida livre, as araras-canindé podem viver até 50 anos na natureza. A gestação dura 28 dias e podem ter até três filhotes. Carlos Bianchi explica que suas observações no Parque Nacional das Emas revelaram que elas se reproduzem no período da seca. “Quando os filhotes estiverem saindo dos ninhos, as chuvas estão começando, o que aumenta a abundância de frutos. Mas será que na cidade ocorre o mesmo?” Em Goiânia ele já percebeu que araras-canindé apreciam o fruto do jatobá, do buriti e da sete-copas. “Não adianta eu como biólogo e pesquisador falar somente para meus pares na academia. Precisamos envolver a sociedade para que ela entenda o que é feito, como é feito e participar até mesmo da tomada de decisões.”Quem avistar araras-canindé pela capital goiana pode contribuir com o projeto da UFG por meio do site https://ararasgyn.wixsite.com/website. Nele há um formulário a ser preenchido para que as informações tenham valor científico. No endereço há também um mapa onde estão detalhados os avistamentos das aves pela comunidade. Símbolo de Campo GrandeA arara-canindé é a ave símbolo de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, desde 2015, por força de lei municipal. Há anos ela é conhecida como a cidade das araras. Estudo realizado entre 2017 e 2018 pelos pesquisadores Aline Calderan, Larissa Tinoco, Celso Correa Souza e Neiva Maria Robaldo Guedes, cujo resultado mais tarde foi publicado na Revista Brasileira de Educação Ambiental, mostra que os moradores de Campo Grande consideram as araras-canindé importantes, gerando visibilidade para a capital.Elas deixaram a zona rural e foram para a cidade no final dos anos de 1990 por força das ações antrópicas no interior do Mato Grosso do Sul, ou seja, o incremento da produção agrícola, que impôs o desmatamento. Em Campo Grande encontraram diversidade de árvores frutíferas e locais para se reproduzirem, por isso se tornaram residentes.As araras-canindé também são conhecidas como araras-de-barriga-amarela. Como apresentam penas de coloração azul na parte superior do corpo, às vezes são confundidas com as araras-azul, que estão em extinção. As canindé possuem penas amarelas na parte inferior do corpo, negras na garganta e verdes na fronte. A face é branca com fileiras de penas pretas.