A ONG + Ação, ligada ao vereador Leandro Sena (Republicanos), conseguiu R$ 700 mil de verbas públicas para as obras de construção de uma nova unidade no Setor Village Veneza, em Goiânia. O dinheiro surgiu após um acordo entre a Câmara Municipal e a Prefeitura de Goiânia para a devolução de parte do orçamento do Legislativo, o duodécimo, aos cofres do Paço Municipal.No dia 7 de dezembro, O POPULAR mostrou que as obras estavam sendo feitas por servidores da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra), o que levou o prefeito Rogério Cruz, do mesmo partido de Leandro, a determinar a suspensão do serviço e a abertura de uma averiguação pela Controladoria Geral do Município (CGM). Desde então, como a reportagem verificou nesta quinta-feira (30), a construção está interrompida.O repasse para a ONG foi oficializado em um termo de fomento assinado pela Secretaria Municipal de Esportes (Smesp) e publicado em suplemento do Diário Oficial do Município (DOM) na noite de quarta-feira (29), oito dias após o dinheiro ter sido depositado pela Câmara em uma conta da Prefeitura.No DOM consta que a abertura do processo que originou o termo de fomento teve início no dia 7, o mesmo da publicação da reportagem mostrando as obras sendo feitas pela Seinfra.A única contrapartida da ONG para receber o recurso será apenas “promover a inserção da logomarca” da Prefeitura em materiais gráficos e “divulgar na internet e em locais visíveis” de suas unidades e onde realizar suas ações “todas as parcerias celebradas com a administração pública”.A titular da Secretaria Municipal de Relações Institucionais (SRI), Valéria Pettersen, diz que nestes casos a Prefeitura é obrigada a seguir o encaminhamento dado pela Câmara para a verba devolvida, mas o Paço não conseguiu apontar onde na legislação isso é determinado. Segundo ela, mesmo a entidade sendo de um vereador do Republicanos, se a verba do legislativo está com esta destinação e a ONG cumpre os requisitos legais, a Prefeitura é obrigada a atender o requerimento.“A Câmara tem autonomia para destinação de recursos. Ela tem de justificar, e passado (o recurso) para a prefeitura, a gente destina. O vereador consegue o recurso e traz o ofício com a devolução do recurso para a ação. E a entidade cumprindo o que determina a legislação a gente não pode jogar no fogo. Se não tem nada, não podemos matá-la porque é de um ou de outro”, argumentou Valéria.Já a Câmara confirma que houve um acordo envolvendo a devolução de parte do duodécimo agora em dezembro, mas que a palavra final sobre a destinação é da administração municipal. “A forma de aplicação dos recursos devolvidos é definida pela própria Prefeitura ou a partir de demanda apresentada pelos vereadores. A decisão final sobre a destinação, com base na legislação vigente e no Orçamento Geral do Município, é da administração municipal”, informou, por meio de nota.O valor repassado equivale a 7% de tudo que foi devolvido relativo ao duodécimo neste ano pelo Legislativo. “Desde a administração passada, a mesa diretora do Poder Legislativo tem efetuado a devolução de parte de seu duodécimo com o objetivo de complementar os investimentos da Prefeitura em variados setores, em especial as obras e ações na área social.”No mesmo suplemento do Diário Oficial do dia 28 consta também a abertura de um crédito suplementar para a Smesp no valor de R$ 700 mil, oriundo de cortes no orçamento da Procuradoria Geral do Município (PGM) e da Secretaria Municipal de Comunicação (Secom). Mas a titular da SRI garante que o recurso para a ONG veio da Câmara.Valéria também disse que na próxima semana, após o recesso, a Câmara iria corrigir um ofício assinado pela diretoria financeira da Casa acrescentando que o valor devolvido deveria ser destinado para a ONG. No documento, assinado no dia 20 de dezembro e entregue ao POPULAR pela Prefeitura como prova da origem da verba não há esta informação.De acordo com a secretária, não havia nenhum impedimento legal para a assinatura do termo, uma vez que todas as certidões e documentos da ONG exigidos estão em dia e a entidade comprovou suas atividades, inclusive com convênios anteriores com o poder público. “Se ela tem as certidões, tem 15 anos de serviços prestados, convênio com a Prefeitura, o plano de trabalho (para a construção) foi aprovado, então eu tenho a obrigação de fazer o repasse.”Procurado pela reportagem, Leandro Sena disse que não é mais presidente da ONG, mas apenas um “apoiador” e somente a entidade e a mesa diretora da Câmara poderiam falar sobre o repasse a partir do duodécimo do Legislativo. “Sou apoiador da ONG, como sou de várias ONGs. A gente apoia várias entidades”, comentou. Mesmo assim, Leandro frisou que foi tudo feito dentro da legalidade. “O fato é claro.”Em nota, a ONG disse que tem mais de 15 anos de serviços prestados, que é idônea e reconhecida pela sociedade, e que a destinação do recurso do duodécimo surgiu “através dos vereadores e da Câmara” como “sobra do duodécimo”.InvestigaçãoA titular da SRI afirmou que deve sair ainda nesta semana, no DOM, o relatório final da CGM sobre os serviços prestados pela Seinfra na área pública cedida à ONG. O prefeito, na época, chegou a determinar que uma resposta fosse dada em até 48 horas, mas o retorno da controladoria na ocasião teria sido inconclusivo.O terreno de 2 mil metros quadrados foi cedido pela Prefeitura de Goiânia em 2011, na gestão do prefeito Paulo Garcia (PT). No ano seguinte, foi dado um prazo para que a ONG construísse o centro de capacitação em até dois anos, o que não foi feito. Em 2013, o acordo foi revalidado por mais dois anos e assim até 2019. Vereador diz que só apoia entidadeO vereador Leandro Sena (Republicanos) fundou a ONG + Ação em 2007 e sempre fez questão de associar seu nome ao da entidade. Em peças promocionais, o vereador usa a expressão “+ Ação” ao lado de seu nome, seja em fotos nas redes sociais ou banners e cartazes. As atividades do vereador, mesmo quando não associadas diretamente à ONG, são divulgadas no perfil da entidade. No dia 9 de fevereiro, por exemplo, a ONG divulgou em sua conta no Instagram uma autorização do prefeito Rogério Cruz para uma demanda de Leandro que iria “beneficiar o povo do Setor Novo Horizonte e região” e finaliza com um “parabéns” ao vereador. Na publicação, Leandro aparece em um vídeo com o prefeito listando o que foi autorizado.Também no dia 19 de setembro, é divulgado outro vídeo na conta da ONG com o vereador em uma “tarde muito proveitosa”, segundo o texto publicado. As atividades dele nas imagens não tinham relação com a entidade.No site do vereador, há também um link em destaque divulgando as atividades da ONG + Ação. Até alguns dias o telefone celular que aparecia no perfil da entidade no Facebook era o de Leandro. Foi neste número que O POPULAR falou com ele na apuração da reportagem publicada no dia 7 de dezembro.Ao ser procurado nesta quinta-feira (30), Leandro começou a entrevista dizendo que não pertence à ONG mais e que é apenas um apoiador. Disse também que foi um representante da entidade que teria procurado a mesa diretora da Câmara atrás do recurso do duodécimo.Questionado se participou da negociação como intermediário, ele apenas disse que a liberação partiu da mesa diretora e que O POPULAR deveria procurar a ONG ou o presidente da Câmara, Romário Policarpo (Patriota).