Antes da pandemia, Tio Cleobaldo - um dos nomes mais conhecidos em Goiânia quando o assunto é distribuição de refeições – possuía cerca de 50 famílias cadastradas para recebimento mensal de cestas básicas. Habituado a servir marmitas duas vezes por semana a pessoas em situação de rua, entregava 1,3 mil por semana: 500 às quartas-feiras e 800 aos domingos. Agora, são mais de 5 mil famílias cadastradas pedindo cestas básicas mensalmente e até 2,5 mil refeições entregues por semana. A pandemia aumentou a fome, mas diminuiu o poder aquisitivo de quem doa. Na tentativa de suprir as demandas, não apenas Cleobaldo, mas mais de 400 instituições do estado pedem ajuda para continuarem ajudando a quem mais precisa (veja a lista nas páginas 16 e 17).Relatório da Organização das Nações Unidas (Onu) apontou que, no ano passado, entre 720 milhões e 811 milhões de pessoas no mundo enfrentaram a fome. São 118 milhões de pessoas a mais que em 2010. No Brasil, 23,5% da população sofreram com insegurança alimentar moderada ou grave entre 2018 e 2020. Entre 2014 e 2016, eram 18,3%. O salto foi de 37,5 milhões para 49,6 milhões. Com a pandemia e a situação econômica do país, os números podem ser maiores. Em São Paulo, pessoas começaram a desmaiar de fome em postos de saúde. E ao nosso lado? Quem é que está precisando de ajuda?“Hoje, quando entregamos as marmitas, tem gente que come a metade e guarda a outra parte. Antes da pandemia, a gente começava a entregar as refeições às 19h e voltávamos às 2h, às vezes, procurando as pessoas na rua. Hoje, com mais que o dobro de marmitas, distribuímos em meia hora por 12 rotas diferentes. E às vezes ficamos chateados porque falta. Faltam duas, três, 30. Tem tanta gente com fome que é de assustar. Às vezes ganhamos uma cesta básica e dividimos em duas para conseguir entregar a mais famílias”, compartilha Cleobaldo.O apelido, que é conhecido por toda a cidade, se transformou associação em 2009, mas. bem antes, em 1977, já existia como ação. Cleobaldo começou levando mingau de fubá ao Hospital do Câncer, onde a mãe estava internada, antes de se mobilizar pelas pessoas em situação de rua. As refeições, inicialmente entregues aos domingos, agora são ofertadas também às quartas-feiras. Nos primeiros seis meses de 2021, foram mais de 70 mil refeições entregues pelo Tio Cleobaldo. Além disso, possui quase 5 mil cadastros de famílias que são atendidas com alimentos, cestas básicas ou apoios sociais. Entre janeiro e junho, aproximadamente 12 mil cestas básicas. Além de praças, ruas e avenidas que concentram mais gente, também entram na lista instituições que tratam pessoas em recuperação de algum tipo de dependência química e invasões onde residem pessoas que não possuem meios de preparar os alimentos.A situação se repete nas entidades. Criada há 40 anos, a Associação dos Idosos Jardim Balneário Meia Ponte começou com o objetivo de reunir idosos da região. Eram 13, agora as atividades reúnem até 300 pessoas. Esporte, atividade física, apoio psicológico e, agora, alimentos. Durante a pandemia, já foram distribuídas mais de 6 mil cestas básicas, mas os pedidos aumentam e aumentam. “Com a venda de um bazar, fizemos uma cozinha. Os pedidos de ajuda relacionados à comida têm aumentado. Nesta semana distribuímos verduras e tem muitas famílias precisando de apoio. Temos muitos idosos que perderam familiares, que buscam ajuda psicológica agora. É um trabalho difícil, mas bem bonito”, explica a presidente Gilka Aparecida Ferreira. Batuíra faz campanha para arrecadar cestasAtualmente, o Instituto Espírita Batuíra de Saúde Mental, que foi fundado em 1949, atende a 145 pessoas em regime de internação pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas os repasses públicos geralmente cobrem os salários dos mais de 80 funcionários da instituição. Para se manter, geralmente o Instituto realiza diversas campanhas ao longo do ano, como o festival da sorte, bazares e afins, mas os eventos também deixaram de ocorrer desde o início da pandemia. Para o Natal, uma campanha da instituição pretende arrecadar 300 cestas básicas, o suficiente para alimentar os internos por 45 dias. Nívea da Silva Haas, diretora administrativa da instituição, explica que diariamente são oferecidas cinco refeições na casa. A luta para manter o atendimento é diário. Em 2020, no início da pandemia do coronavírus (Sars-CoV-2), as diversas lives realizadas por cantores do estado com arrecadação de alimentos e produtos de higiene foram de extrema importância para o abastecimento do local. Em 2021, as doações diminuíram, mas o atendimento não pode parar. “Entendemos que em 2021 o poder aquisitivo de todo mundo caiu e nós, que sobrevivemos das sobras, passamos por dificuldades. Por dia são 34 quilos de arroz, 15 de açúcar. É um trabalho de formiga, mas de formiga gigante. Nossa campanha das 300 cestas, se conseguirmos, deve ser suficiente para 45 dias. As doações tendem a aumentar no fim do ano, mas vem janeiro e fevereiro, quando a queda é ainda maior. Precisamos de ajuda e carregamos uma certeza: Deus tem que ajudar”, diz.Covid levou voluntário à UTI, mas trabalho seguiuNo dia 18 de maio de 2020, Tio Cleobaldo perdeu a esposa com um problema no coração. Depois de sete dias, foi diagnosticado com Covid-19. O primeiro exame, uma radiografia do pulmão, o levou para uma unidade de terapia intensiva (UTI). A irmã e uma sobrinha chegaram a dividir leitos no mesmo hospital. “Em meio a uma tristeza, a alegria de ser salvo e nesta época minha equipe trabalhou mais ainda”. Em meio à internação de Cleobaldo, houve dias em que a equipe chegou a distribuir mais de 2 mil refeições. Ele conta que, quando retomou a consciência, passou a temer também pela vida de quem estava ali servindo, se doando. “Eu sabia das notícias e ficava preocupado. Todo mundo com luva, capa, máscara. Encantado de ver a coragem e preocupado com meu pessoal. Dentro da associação, poucos pegaram, trabalhos não pararam, pelo contrário, aumentou e não houve surto. Praticamente duas ou três instituições continuaram e o restante parou no começo da pandemia. A pandemia é assustadora”. A sede, localizada no setor Oeste, em Goiânia, passou a receber filas de pessoas pedindo ajuda, comida, atendimento psicológico, médico. Mães e filhos, inclusive de outras cidades, como Trindade e Aparecida de Goiânia, chegando a pé. “Tinha horas em que as filas chegavam a 40 pessoas. A gente ouvindo o clamor e a tristeza delas, que perderam familiares. Grito de fome, de miséria. Dava até medo, mas tínhamos que agir com coragem. Vacinei duas doses, mas sempre com medo. Para ajudar o próximo, preciso estar vivo. Pandemia está aí ainda. Tem gente que não se alimenta, em depressão, atendemos gente o dia todo. A classe pobre perdeu e vive de esperança”, diz Tio Cleobaldo.Famílias sentem queda nas doaçõesVivendo em um barracão de dois cômodos com tijolos e piso de cimento, no Bairro Boa Vista (Invasão Boa Vista), em Goiânia, Núbia Cristina Pereira do Santos, de 37 anos, está desempregada. Mãe de três filhos, que cria sozinha, ganha algum dinheiro retirando linha de calças jeans e bermudas. São 30 centavos por peça, R$ 150 por mês. Por isso, depende de ajuda. “Vivo de doação de alimentos. Esse ano recebemos menos doação. A pandemia piorou nossa alimentação, porque a entidade que fazia a doação estava com dificuldades e não conseguiu entregar para a gente”, afirma.Núbia abre a geladeira e mostra uma panela com macarrão, que ganhou de vizinhos e sobrou do jantar do dia anterior. Conta que precisa pedir comida no mercado da região ou para o vizinho. “Tenho que pedir comida, senão meus filhos ficam sem comer. Peço macarrão, arroz, feijão, o que puderem dar. Se não fosse a ajuda deles, não sei o que seria de nós”, pontua.Desempregada há 3 anos, Daiana Dias de Souza, de 32 anos, moradora do Jardim Salvador, em Trindade, na região metropolitana de Goiânia, mãe de 2 filhos, vende trufas pelas ruas, bares e restaurantes da cidade para pagar o aluguel de R$ 250. Ela diz que a alimentação é uma dificuldade para a família. “As doações diminuíram por causa da crise”, afirma.Daiana conta que recebe o Auxílio Brasil (programa social do governo federal) no valor de R$ 198,00 e utiliza o dinheiro para comprar insulina para o filho José Lukkas Sousa e Souza, de 3 anos, que é diabético e precisa de alimentos mais saudáveis. “Eu e a Mayara (filha de 2 anos) comemos arroz e feijão e deixamos as verduras e frutas para o José Lukkas, porque ele não pode comer muitas coisas”, pontua.Ela relata ainda que vender bombom nesse período de chuvas é mais difícil. “Com as chuvas é complicado. Às vezes ganho R$ 5,00 no dia. Comer carne é raro. Só quando dá”, afirma.A situação não é diferente para Eucidelma Lopes Ramos, de 29 anos, casada e mãe de quatro filhos. Com o marido desempregado e morando de aluguel, ela diz que a família vive de doação. “A gente recebia doação, mas agora está difícil. Tenho que pedir para os vizinhos. Minha geladeira só tem água. Hoje a vizinha me deu um pouco de arroz, feijão e um pedaço de carne. Amanhã, não sei como será”, relata.Eucidelma conta que vieram do Pará para trabalharem em uma fazenda em Goiânia. “Com essa crise, ficamos sem trabalho. O aluguel da casa (R$ 450) é pago pela igreja. Mas, um dia, se Deus quiser, vou ter minha casa própria”, afirma.Moradora do Setor Continental, em Aparecida de Goiânia, Jéssica Tavares Marques de Oliveira, de 22 anos, tem cinco filhos (de 7, 4, 3, 2 anos e um de 2 meses), que cria sozinha. Mora com a mãe, enquanto está construindo um barracão de madeira. “Nessa época de chuva a madeira está molhada, o que dificulta a construção. Molha tudo dentro”, afirma.Na região sem asfalto, Jéssica passa por dificuldades. “As doações vem de vez em quando. Diminuiu demais. Nossa alimentação está pouca. Quando não tem feijão, comemos só arroz e pego um litro de óleo emprestado. Vivemos de ajuda das pessoas”, afirma. Lista para fazer o bemO POPULAR publica uma relação com as entidades filantrópicas que atuam em Goiânia. Elas integram uma lista fornecida pela Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), portanto, estão em situação regular. No site do jornal (www.opopular.com.br) há uma lista ampliada, com entidades do interior. O objetivo é estimular o leitor a ajudar quem ajuda tanta gente.(Joyce Vilela Merhi é estagiária do GJC em convênio com a PUC Goiás)-Imagem (Image_1.2365673)