-Imagem (1.2488688)Indígena do Vale do Javari, onde foram assassinados o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips, Beto Marubo é membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e falou à jornalista Cileide Alves, em entrevista ao 'Chega pra Cá', nesta segunda-feira (11), sobre a realidade vivida pelos povos da região. No Vale do Javari, vivem os Mayoruna, Matis, Marubo, Kanamary, Kulina, Korubo, Tsohom Dyapá e outros povos indígenas isolados. Na realidade, lá habita a maior população de etnias isoladas, sem contato com o mundo externo, do mundo. Segundo Beto, mesmo após a repercussão da morte de Bruno e Dom Phillips, o local permanece desprotegido."Eu, enquanto amazonense e indígena do Vale do Javari, posso garantir para vocês que essa retórica de soberania da Amazônia é uma grande mentira. Não há soberania nenhuma. Tanto é que criminosos internacionais estão entrando naquela região. E quem está na linha de frente? São os povos indígenas", afirmou Beto.Ele conta que apesar do grande contingente de oficiais do exército, marinha, polícia federal e demais órgãos federais e estaduais durante as buscas pelo indigenista e pelo jornalista, agora os habitantes da região retornaram à estaca zero.Leia também:- Cileide Alves entrevista Beto Marubo, membro da Uniāo dos Povos Indígenas do Vale do Javari- Defensoria pede indenização de R$ 50 milhões à União após mortes de Dom e Bruno- Investigado por morte de Dom e Bruno pediu comida a caminhoneiro ouvido em Rio Verde"As buscas [pelos corpos] terminadas, todo mundo saiu da região", disse. "As circunstâncias ainda tem deixado muita tensão. Não apenas entre indígenas, mas também entre aqueles que nos apoiam direta e indiretamente, dentre os quais se incluem servidores do próprio governo federal, da Fundação Nacional do Indígena (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Há um clima de total insegurança", relata.Segundo ele, um dos motivos que provocou a morte de Bruno e Dom Phillips foi a ausência do governo federal na localidade. "Como o estado abdicou da sua responsabilidade naquela região, criou-se um vácuo para quadrilhas organizadas, narcotráfico, contrabando de recursos naturais da terra indígena de uma forma consorciada e organizada e isso tem se intensificado nos últimos três ou quatro anos", informou.Federalização do casoNa semana passada, a juíza titular de Atalaia do Norte, Jacinta Silva dos Santos, determinou o envio do processo para a Justiça Federal. A Univaja e indígenas do Vale do Javari haviam pedido para que o assassinato de Bruno e Dom Phillips seja investigado em âmbito nacional. "Uma investigação em um contexto de fronteira, de aplicação de direitos humanos, questão indígena é de competência federal", disse Marubo.Eles temiam que as investigações fossem travadas, caso ficassem sob responsabilidade do estado do Amazonas. "Temos um exemplo claro do que acontece quando esse tipo de crime vai para a Justiça estadual. Ocorre como no caso de Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Apesar de ter uma repercussão e comoção nacional e internacional, o caso vem sendo consecutivamente boicotado com interferências locais", argumenta Beto.Lavagem de dinheiroEm ofício enviado em março deste ano, Bruno havia listado nomes de suspeitos de uma pesca e, posteriormente, sumiço de peixes, tartarugas e outros animais protegidos que haviam sido apreendidos em Atalaia do Norte, região onde o Vale do Javari se localiza.Segundo Beto, todas as informações e os documentos enviados pela União chegaram aos órgãos competentes. O indígena afirma que tudo que foi produzido por Bruno como assessor da Unijava, foi apresentado às autoridades para investigação, mas que, mesmo assim, nada foi feito."A Funai foi propositalmente sucateada, assim como Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e a Polícia Federal. É só irem na região para ver que os postos do exército estão capengas. É triste ver as infraestruturas oficiais degradadas. O estado brasileiro está sob total falência e abdicação", falou.Ele ainda reforçou que espera que as denúncias realizadas no início do ano sejam apuradas.Beto conta que quem tem feito o anteparo do território tem sido os próprios indígenas. "Pelo simples fato de que precisamos dessa terra protegida para sobrevivermos", afirma."Nós não temos como comprar frango na esquina. Os indigenas com quem compartilhamos território dependem da proteção do estado brasileiro. Eles mantém pouquíssimos contatos com meios externos. Não compreendem códigos, etiquetas, idioma e comunicação de fora. Daí a importância do governo federal fazer essa proteção", conta.Com o procurador da Univaja, Eliésio Morubo, atualmente em visita à Washington, nos Estados Unidos, Beto conta que o intuito da visita é informar e mobilizar sobre a crise vivida na Amazônia. "Porque o indígena tem que ir lá fora para falar dos problemas internos? Porque as autoridades brasileiras não dão a mínima. Além de que esse pessoal fomento o mercado das commodities, que afetam as questões indígenas."