A empresa contratada pela Secretaria Municipal de Finanças (Sefin) de Goiânia para precificar a folha de pagamento dos servidores da Prefeitura pode receber, pelo serviço, entre R$ 1,3 milhão e R$ 10 milhões, considerando as estimativas do próprio Paço para o valor que pode conseguir com a venda da folha para uma instituição financeira. Em junho, a Prefeitura da capital pagou o salário de 50,3 mil funcionários, aposentados e pensionistas, num total de R$ 203,2 milhões.No extrato do contrato da Sefin com o Instituto Brasileiro de Tecnologia, Empreendedorismo e Gestão (BR TEC), publicado no Diário Oficial do Município (DOM) no dia 26 de julho, e no despacho que anunciava a declaração de inexigibilidade de licitação para contratar o serviço, que saiu no DOM do dia 16, o valor estimado pelo serviço aparecia em R$ 49 mil. Até hoje, os detalhes do contrato – assinado no dia 2 de julho – não foram tornados públicos pelo Paço.A BR TEC foi contratada para realizar uma “avaliação econômico-financeira da folha de pagamento dos servidores ativos, inativos e pensionistas, além de crédito consignado em folha de pagamento, pagamento de fornecedores e arrecadação das receitas diversas” da Prefeitura de Goiânia. A intenção é estimar um valor mínimo para que isso possa ser negociado com uma instituição financeira.Antes da decisão de contratar a BR TEC, a Prefeitura tinha uma proposta formal apresentada pela Caixa Econômica Federal (CEF) de R$ 100,7 milhões e outra informal do Banco do Brasil (BB) de R$ 110 milhões em quatro parcelas anuais. As negociações com o BB eram consideradas bastante adiantadas dentro da Sefin, apesar de não ter sido concretizada no papel nenhuma intenção.Além disso, havia a estimativa de conseguir até R$ 150 milhões pela folha em instituições privadas, algo que seduzia o Paço desde o início da atual gestão. O titular da Sefin, Geraldo Lourenço, comentou, entretanto, que não é impossível imaginar um valor próximo de R$ 250 milhões. Em entrevista ao POPULAR, Geraldo falava a todo momento em conseguir “o dobro do que foi oferecido pela Caixa”.O contrato com a BR TEC diz que ela vai receber pelo serviço apenas se a folha for vendida por mais de R$ 100 milhões, visto que este era o valor que a Prefeitura já tinha acertado com a Caixa, detentora do contrato atual assinado em 2016 por R$ 81 milhões. Para cada real que ultrapassar esta marca, a empresa receberá R$ 0,13, havendo um teto de R$ 10 milhões.Ou seja, na pior das hipóteses, se conseguir R$ 110 milhões que era o valor negociado com o BB, a BR TEC fica com R$ 1,3 milhão. Na hipótese mais otimista, a de R$ 250 milhões, fica com R$ 10 milhões.Previsão otimistaA previsão mais elevada por parte do secretário tem como base o valor conseguido pela prefeitura de Fortaleza (CE), que vendeu a folha para o Bradesco em setembro de 2019 por R$ 290 milhões. Como o executivo de lá tinha em torno de 52,3 mil servidores e pensionistas, é como se obtivesse R$ 5,5 mil por conta bancária.Entretanto, o mesmo Bradesco pagou em 2021 R$ 2,6 mil por conta de servidor da prefeitura de Vitória (ES), o que rendeu ao município R$ 39 milhões.Levantamento feito pela própria Sefin de Goiânia e pelo POPULAR mostra que a BR TEC tem experiência com prefeituras pequenas do Pará e do Maranhão. A lista inclui trabalhos feitos pela Villefort Consulting, que funciona no endereço da BR TEC e tem sócio em comum.A maior cidade encontrada foi a de Macapá (AP), com 512 mil habitantes e 9,1 mil servidores municipais. Lá a folha foi vendida por R$ 18 milhões em 2020, o que deu cerca de R$ 1,8 mil por conta.Dispensa de licitaçãoA BR TEC foi contratada por dispensa de licitação, mecanismo previsto na legislação federal. A alegação dada é a experiência da empresa com este tipo de serviço e a “singularidade do objeto” a ser licitado, no caso o serviço de precificação da folha e do sistema de pagamentos a fornecedores e arrecadação de receita da Prefeitura. Além da BR TEC e da Villefort, o titular da Secretaria Municipal de Governo (Segov), Arthur Bernardes, diz haver só mais outras duas no mercado, entre elas a Fundação Getúlio Vargas (FGV).No processo de contratação da empresa, iniciado em 18 de maio, a única proposta que aparece é o da BR TEC, já no dia 27 daquele mês. Há também documentos relativos a pesquisa sobre serviços prestados pela Villefort. A estimativa do valor a ser pago - R$ 0,13 por cada R$ 1 que superar a marca de R$ 100 milhões - teria sido calculada com base nos outros serviços identificados no mercado - todos variando entre R$ 0,17 e R$ 0,20 por real arrecadado.Sobre o valor de R$ 49 mil, a Prefeitura alega que como não se sabia o montante exato a ser pago para a BR TEC foi colocado um quantitativo aleatório para que se pudesse fazer o empenho e avançar com o processo. Entretanto, outras prefeituras, como a de Tucuruí (PA), que contratou a BR TEC em janeiro de 2020, especificam a forma de pagamento: “Será remunerado na forma de êxito pela quantia de R$ 0,19 por cada R$ 1 do valor homologado.” Só uma parte interessa aos bancosApesar de a folha de pagamento dos servidores e pensionistas da Prefeitura de Goiânia ser de grande interesse das instituições financeiras, a outra parte do que está sendo ofertado – o sistema de controle de pagamentos da Prefeitura, que desde a gestão passada é todo digitalizado – não seria tão atraente para os bancos privados.O contrato atual envolve o gerenciamento da folha e do sistema e pertence à Caixa desde fevereiro de 2016. Venceu agora em fevereiro e foi prorrogado até setembro, até que a Prefeitura decidisse o que fazer. Caso opte por continuar com a Caixa ou ir para outra instituição pública, não precisa de licitação.A intenção, entretanto, é fazer um pregão presencial para atrair os bancos privados. Com exceção de São Paulo, as folhas que renderam mais por conta de servidor foram disputadas entre Bradesco e Itaú, como no caso de Fortaleza. Não está descartada a hipótese de um pregão eletrônico para o leilão.Atualmente, a Caixa gerencia as contas dos servidores e também o sistema de pagamento da Prefeitura, com o benefício de isenção de taxas que os bancos costumam cobrar. Separar as duas partes não é vista com bons olhos porque o sistema de pagamento a fornecedores e de arrecadação não desperta tanto interesse das instituições privadas e nem são todas que conseguiriam operá-lo. Pesa também para baixar o valor da folha no mercado o lançamento do Open Banking, uma plataforma que permite aos clientes liberarem seus dados a instituições financeiras. “Esse recurso é para investir em Goiânia”O titular da Secretaria Municipal de Governo (Segov), Arthur Bernardes, e o de Finanças (Sefin), Geraldo Lourenço, argumentam que a contratação da BR TEC para avaliar por quanto a folha salarial da Prefeitura pode ser vendida a uma instituição financeira vai permitir que o valor possa mais que dobrar em relação à única proposta oficial existente, a da Caixa, de R$ 100,7 milhões. Os dois não consideram a oferta do Banco do Brasil de R$ 110 milhões porque, segundo eles, não foi formalizada. Além disso, seria paga em quatro parcelas anuais, e a intenção da Prefeitura é arrecadar o valor à vista ainda neste ano. “Esse recurso é para investir em Goiânia”, afirmou Arthur.O secretário de Governo defende a escolha da BR TEC por ela ter experiência comprovada com este tipo de serviço. “Ela já fez em vários municípios e com sucesso. Se fosse outra, iam questionar ‘mas por que a outra’.” Além disso, segundo ele, a empresa se encaixa nos critérios de inexigibilidade previstos na legislação.Ele e Geraldo defendem que a empresa, ao assumir o serviço, terá todo o interesse em conseguir o máximo valor pela folha, pois representaria um pagamento maior pelo serviço. E isso seria bom para a Prefeitura, que arrecadaria mais. “A BR TEC vai fazer de tudo para vender a folha lá em cima, porque ela ganha em função disso, e para nós isso é bom. A Prefeitura quer arrecadar o máximo possível”, disse Arthur.“Se estou saindo de um negócio de R$ 100 milhões para R$ 250 milhões, se eu pagar para a empresa o teto que é R$ 10 milhões, ainda assim a Prefeitura está ganhando”, acrescentou Geraldo.O titular da Sefin comentou que a Secretaria Municipal de Administração (Semad) foi consultada sobre a capacidade da pasta de levantar o valor da folha para ser vendida e a resposta foi de que não havia nem funcionários especializados nisso nem programas específicos para o estudo.Sobre o valor de R$ 49 mil que consta no extrato de contrato como valor estimado pelo serviço, os dois afirmam que foi por uma questão burocrática. “Todo contrato tem de ter um empenho. É normal. Como o contrato, pela sua natureza, depende da oscilação do preço, ele é um contrato que não tem condições de estimá-lo, por isso você tem de ter um recurso assegurado mínimo”, disse Geraldo.Eles também explicam que não dava para colocar como valor mínimo a ser conquistado pela empresa o de R$ 110 milhões porque não havia proposta formal do banco e seria parcelado em quatro vezes. Questionados se seria considerado um mau negócio se a empresa avaliar a folha no valor negociado com o Banco do Brasil, o que renderia R$ 1,3 milhão para ela, ambos disseram, primeiro, que acreditam que a estimativa será bem maior e, segundo, que seria um valor pago à vista.