O pedido de prisão contra o padre Robson de Oliveira Pereira, de 47 anos, feito pela Polícia Federal ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) na terça-feira (16) traz mais detalhes sobre o diálogo do religioso que motivou a abertura do inquérito em fevereiro, após reportagem publicada pelo programa dominical Fantástico, da Rede Globo. O requerimento, que envolve não apenas o nome do padre, mas de outras pessoas supostamente envolvidas em um pagamento de propina a membros do Judiciário goiano para obter decisão favorável em um processo que envolvia R$ 15 milhões, é pela prisão dos citados e autorização de busca e apreensão nos endereços deles. O STJ ainda não se manifestou.O inquérito 1.462, aberto a pedido da subprocuradora da República, Lindôra Maria Araújo, e autorizado pelo ministro do STJ, Benedito Gonçalves, corre em sigilo e apura o pagamento de R$ 750 mil a dois desembargadores, Amélia Martins de Araújo e Orloff Neves Rocha, este já aposentado, e ao então juiz substituto em segundo grau Roberto Horácio Rezende. A conversa descoberta pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) durante a Operação Vendilhões, em 2020, estava gravada em um dos celulares apreendidos com o padre.O dinheiro seria para reverter uma sentença dada na primeira instância do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) em uma ação proposta pela Agropecuária Nova e Eterna Aliança envolvendo a compra de seis fazendas por R$ 83 milhões pela Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), presidida na época pelo religioso e responsável pela gestão do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade. Na gravação, revelada pelo Fantástico e detalhada pela PF no pedido de prisão, aparecem além de Robson, o advogado Cláudio Pinho, que respondia pela Afipe no processo da Agropecuária, e Anderson Reiner Fernandes, um dos braços direitos do padre tanto na associação, como, segundo o MP-GO, nos esquemas pelos quais ele foi investigado entre 2018 e 2020.“Portas abertas”Em um trecho do diálogo transcrito pela polícia, Cláudio aparece dizendo: “Deixa eu lhe dizer qual é minha preocupação. É que aí eu quero que você tenha na cabeça estrategicamente. A Afipe hoje, no Tribunal de Justiça, ela, ela negociou e abriu uma porta vitoriosa, entendeu? Porque não foi trivial o trabalho. Então, amanhã ou depois, tipo se Afipe tiver qualquer outro problema, que seja ou não teja no nosso colo. Significa o seguinte, você vai falar assim: Cláudio, tô precisando, eu tô com outro caso, que não tem nada a ver contigo, você não advoga nele, mas eu preciso costurar em cima daquela porta aberta, abrir uma outra porta. Ótimo, então vamos porque já demos firme ali. E, e, e, muito dessas questões... só para você ter noção, dos três desembargadores, quinhentos para um e o resto é dividido pra dois, pros outros dois, entendeu? Então, a gente não, não pode deixar eles fecharem essa porta de imediato, deixar essa porta fechar de jeito nenhum.” Em outra parte da conversa destacada pela PF, o advogado aparece supostamente explicando as possibilidades para conseguir uma decisão favorável para a Afipe envolvendo propinas diferentes, mas que ele avaliava que o caminho mais caro, que envolvia liquidar a ação de uma vez, seria a melhor. “Justamente na hora de eu trabalhar para buscar apoio no Tribunal de Justiça, eu tinha que falar o seguinte: olha só esse aqui não vale a pena, esse aqui que é interessante, vamos trabalhar para anular tudo. E assim a gente foi feito, assim foi feito. A gente trabalhou isso. Essa era, era a, era o combinado lá trás, esse foi o firme que eu tive do Dr. Anderson e a gente caminhou nessa conversa com eles. Acontece o seguinte, quando saiu a decisão, hoje, eu posso, sendo bem franco com o senhor, quando saiu a decisão da segunda instância, eu, eu, esses, esses sub-apoios que eu trabalhei no tribunal de justiça, eu fui cobrado por eles, entendeu?”Na análise feita em cima da conversa, a PF afirmou ser possível entender que o pagamento já havia sido feito, configurando crime de corrupção. No documento, ao qual O POPULAR teve acesso, é dito que “examinando o material à disposição foi possível compreender através das palavras e expressões ‘relembrar’, ‘parte desse valor já não me pertence’, “se comprometeu’”, que a conversa gravada se referia aos honorários contratuais devidos a Cláudio de R$ 1,5 milhão, “no qual metade desse valor, ou seja, R$ 750 mil foram, em tese, utilizados para ‘comprar pessoas’ e ‘ganhar lá no tribunal’”. “Deduzimos, então, que a tratativa acima alinhava e organizava a forma como seriam pagos os valores de propina aos desembargadores numa demonstração clara de mercantilização da reforma da decisão de 1ª instância, pois motivada pelo recebimento de dinheiro”, afirma a PF no pedido de prisão.“Arquivos vivos”O requerimento da PF também junta, com autorização do STJ, outros materiais apreendidos na Operação Vendilhões que, segundo a investigação, reforçariam a tese da propina para os magistrados, como um papel encontrado dentro do carro do padre, no qual aparece escrito “desembargador 600 mil”, e um e-mail em tom de desabafo digitado por Anderson.Ao tratar das prisões, todas temporárias, a PF diz que se trata de um “caso de extrema relevância e envolve um dos pilares do poder estatal, o Judiciário” e que a detenção seria necessária para impedir que os flagrados na conversa – chamados de “arquivos vivos” - “manipulem provas e testemunhas, estratégias comuns quando se trata do crime de corrupção”. E em Goiás...As apurações feitas pelo MP-GO estão suspensas após decisão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) em outubro do ano passado. Desde então, segue uma batalha jurídica entre os promotores responsáveis pelo caso e a defesa de Robson. O padre chegou a ser denunciado por liderar um esquema de fraudes envolvendo recursos doados por fiéis para a Afipe com a ajuda de diversas pessoas, entre funcionários e conhecidos. O TJ-GO chegou a abrir uma sindicância para apurar o envolvimento dos magistrados na denúncia veiculada pelo Fantástico em fevereiro, mas o processo foi arquivado em julho por falta de indícios. Os três sempre afirmaram inocência.A reportagem procurou a defesa do padre, o advogado Cleber Lopes, que não deu retorno, assim como Cláudio Pinho. Anderson não foi localizado. Cleber tem dito à imprensa que ficou surpreso com o pedido de prisão, que não há nada de novo no que a PF alega para justificá-lo que confia numa decisão favorável do STJ para seu cliente. Ele entrou com uma representação contra o pedido. Conforme O POPULAR apurou, a defesa pede para ser ouvida antes de qualquer decisão, diz que não há justificativa para a prisão e ataca as provas usadas na investigação, que estariam invalidadas após trancamento da Operação Vendilhões.