Quanto mais grave o contexto da epidemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), pior é a situação na periferia de Goiânia. Levantamento feito pelo POPULAR com base em informações da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e da Plataforma Covid-19 da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostra que, enquanto os moradores de bairros mais afastados respondem por 58,7% das notificações confirmadas da infecção na capital, ao se observar o total de óbitos passam a representar 67,3%. E quando se olha o total de internações em leitos de UTI por Covid-19, informação que O POPULAR obteve com exclusividade, a taxa fica em um meio termo, com 62,2%.A situação dos bairros mais periféricos é crítica também quando se observa os setores que estão no topo das listas de casos confirmados, internações em UTI e mortes. No primeiro caso, apenas dois aparecem entre os dez com mais registros. No segundo, sobe para quatro bairros. E no de óbitos são seis. Um deles, o Setor Vale dos Sonhos, é alvo de uma investigação de um comitê de óbitos da SMS por causa do elevado número de mortes considerando o tamanho demográfico.Ao se analisar a lista dos bairros com mais moradores que precisaram de UTI e a dos que mais tiveram moradores que morreram, três setores aparecem com o mesmo número: Vale dos Sonhos, Crimeia Leste e Vila Finsocial. Do lado oposto, o Setor Negrão de Lima teve sete moradores internados e nenhuma morte. Na lista de óbitos estão incluídas vítimas que morreram fora de leitos de UTI, como em postos de saúde ou no transporte para um hospital de referência, então a relação serve apenas para destacar os bairros com situação mais crítica.O alastramento da Covid-19 pelos bairros periféricos em Goiânia é objeto de estudo do grupo de pesquisadores da UFG que faz modelagens de cenários da epidemia no Estado. Para eles, a desigualdade social é fator preponderante nesta dinâmica do vírus. Opinião semelhante têm autoridades sanitárias ouvidas pela reportagem.Entre as situações que favorecem o vírus a se espalhar na periferia estão desde a dependência do transporte coletivo e a dificuldade do poder público de evitar aglomerações nos trajetos até a quantidade de moradores em uma residência, menor em bairros mais centrais. A ausência de fiscalização nas ruas comerciais dos setores mais afastados também foi citada como problema.Já para explicar um número maior moradores de bairros periféricos entre os casos de internação em UTI e óbitos os motivos vão desde a dificuldade desta população em conseguir acesso a testes de Covid-19 e desinformação sobre como proceder no caso de surgimento dos sintomas até a situações que antecedem a epidemia, como os obstáculos para tratamento das comorbidades.São três as regiões que mais preocupam o poder público: a Norte, onde ficam o Jardim Guanabara e o Vale dos Sonhos; a Noroeste, onde estão o Jardim Curitiba, a Vila Finsocial e o Jardim Nova Esperança; e a Oeste, onde fica o Conjunto Vera Cruz. No caso da região Norte, uma das explicações para a alta das notificações está um surto que atingiu o Ceasa em junho e a proximidade com a BR-153. Já nas outras duas regiões, os problemas apontados estão mais relacionados às dificuldades econômicas e de mobilidade dos moradores.Reportagem publicada pelo POPULAR no dia 17 de julho mostrou também que é na região Noroeste que estão os bairros periféricos que mais registraram aumento em julho. 609 goianienses já foram para UTIDesde o início da pandemia até o dia 23 de julho, 609 moradores de Goiânia necessitaram de um leito de UTI para tratamento de Covid-19, excluindo-se desta conta os casos suspeitos e descartados. Este número representa 4,7% do total de casos notificados na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e foram obtidos com exclusividade pelo POPULAR. O porcentual de internados em UTI em relação ao total de casos é maior do que o verificado no Estado, onde segundo o último boletim epidemiológico semanal 1.295 goianos precisaram de atendimento em UTI até o dia 18 de julho, o que representa 3,2% dos 40.766 mil casos confirmados nesta mesma data.Entretanto, se considerar o último inquérito sorológico - feito em Goiânia no dia 11 de julho e no qual é apontado que 101,5 mil goianienses já estavam infectados com Covid-19, a taxa de contaminados que necessitaram de UTI fica bem menor, caindo para 0,6%.Cinco bairros que aparecem com destaque entre os 20 que têm mais moradores que precisaram de UTI não estão na lista dos 20 setores com mais casos confirmados. O Setor Negrão de Lima, por exemplo, não aparecia nem entre os 100 com mais notificações nesta semana.Atualmente, a rede municipal conta com 183 leitos de UTI, enquanto o Hospital de Campanha (HCamp) de Goiânia tem 86 e a rede hospitalar particular filiada a Associação dos Hospitais de Alta Complexidade do Estado de Goiânia (Ahpaceg) oferece 187.Entretanto, a rede estadual e a particular atendem pacientes de fora da capital. E também os leitos das três redes também atendem casos suspeitos cujos testes não ficaram prontos. Por isso, a taxa de ocupação estava, na noite desta sexta-feira (24), respectivamente em 83,6%, 77,9% e 78%.Já a rede municipal conta com dois hospitais públicos e oito conveniados e deve aumentar a capacidade de leitos a partir de agosto com a liberação do novo prédio do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da contratação de uma empresa para locação de equipamentos para até cem leitos de UTI, que podem ser instalados tanto neste novo HC como no Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara (HMMCC), conforme O POPULAR mostrou na quinta-feira (23). Renda interfere na forma como vírus se propagaSeja por meio de estudos ou pela prática, um consenso entre autoridades sanitárias e pesquisadores ouvidos pelo POPULAR é que as condições financeiras de uma família têm impacto significativo na propagação do novo coronavírus (Sars-CoV-2), o que explica a velocidade com que o vírus avança em bairros mais pobres. O biólogo e professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Thiago Rangel, aponta como fator preponderante para o maior número de casos em bairros periféricos a necessidade de seus moradores dependerem do transporte coletivo para se deslocar, o número de pessoas que moram em uma mesma residência ou dividem um mesmo cômodo e o tipo de trabalho que desenvolvem, mais braçal, o que as impede de ficar em home office.A diretora de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia, Grécia Carolina Pessoni, é de opinião parecida, ao destacar o fato de os bairros periféricos que se destacam com mais casos na região Oeste e Noroeste são de residências com maior densidade de pessoas. “A disseminação é maior na periferia porque mais pessoas moram numa mesma casa, chegando a cinco ou seis em média”, disse.Desde junho, diretores da SMS alertam para o aumento dos casos de transmissão intradomiciliar, seja por descuido de quem está com o vírus ou por desinformação. Isso reforça a situação mais crítica na periferia. Rangel reforça a preocupação das autoridades, destacando que muitas destas pessoas podem ter acesso a menos informação para se proteger.O professor integra um grupo de pesquisa da UFG que faz modelagens de cenários da Covid-19 em Goiás e a equipe está preparando um novo estudo que mostra como o vírus se espalha de forma diferente pelas camadas sociais da população, impactando na taxa de contágio e nas previsões de pico da epidemia nos municípios. Para isso estão trabalhando com dados da situação em Goiânia. “O pico de casos chega mais rápido para estas pessoas que estão mais suscetíveis”, disse Rangel.Segundo o biólogo, o levantamento vai dividir a sociedade em cinco ou seis faixas distintas de classes sociais e analisar a taxa de contágio. Como prova de que existe uma relação entre renda e velocidade de contaminação, ele cita o resultado do inquérito sorológico que apontou uma taxa de contaminação bem maior no Distrito Sanitário Norte (12,8% da população infectada) e Leste (8,7%). “É uma situação que não é surpresa para profissionais de saúde pública.”Cuidado prévio com comorbidades pode impactar na situaçãoA explicação para a prevalência de bairros periféricos no topo da lista dos setores com mais internações em UTI e mais mortes vai além do baixo índice de isolamento social nestes locais. Para os entrevistados pelo POPULAR, a situação envolve condições de acesso a serviços de saúde até mesmo antes da epidemia de Covid-19.O superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Yves Mauro Ternes, disse nesta semana que os casos de internação tem mais relação com a situação das comorbidades existentes no paciente e no tempo que a pessoa demorou para buscar ou conseguir atendimento médico após o surgimento dos primeiros sintomas.É uma situação oposta ao do de número de casos por bairros, que tem a ver com as condições financeiras do cidadão para ter acesso a testes pela rede particular, uma vez que na rede pública o perfil apto para o exame é o mesmo: sintomas graves, entre eles falta de ar.A diretora de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia, Grécia Carolina Pessoni, diz que tem sido comum encontrar casos de pessoas internadas que não tiveram antes da infecção um tratamento adequado para a comorbidade já existente. O pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG), Thiago Rangel, vai pelo mesmo caminho e diz que isso pode ser tanto por falta de atenção da pessoa como de acesso a um serviço de saúde com qualidade.Grécia também cita aspectos preventivos por parte de famílias com melhores condições financeiras que, quando um parente é testado positivamente outros correm atrás de exames na rede particular mesmo sem sintomas. Esta preocupação ajuda a garantir um atendimento antecipado caso a pessoa esteja também infectada.Por outro lado, até hoje nos postos de saúde é comum ouvir relatos, segundo profissionais de saúde, de pacientes que afirmam ter procurado ajuda médica apenas após o agravamento do quadro clínico. Grécia reconhece que na rede pública os testes são fornecidos seguindo critérios, entre eles apresentar os sintomas da doença. Diferentemente da rede particular, onde se pode ter acesso pagando. Demora para buscar atendimento agrava situação na periferiaProfissionais de saúde que lidam com pacientes com Covid-19 no dia a dia relatam uma série de justificativas apresentadas para explicar a demora em procurar atendimento médico. Um deles, segundo a diretora de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia, Grécia Carolina Pessoni, é o medo de perder o emprego ou ficar sem renda, já que muitos trabalham na informalidade, sem carteira assinada. Esta foi uma das situações verificadas após um surto que atingiu o Ceasa em junho e levou a uma explosão de casos de infecção em bairros da região Norte, como o Jardim Guanabara e o Vale dos Sonhos.A situação agravaria ainda mais a velocidade de contaminação uma vez que ao deixar para procurar ajuda mais tarde, estas pessoas passam mais tempo colocando outras em risco. Nas últimas semanas, entretanto, a procura nas unidades públicas de urgência tem aumentado.-Imagem (1.2091491)