Doutora em Biologia Celular, a brasileira Rafaela da Rosa Ribeiro está na Itália desde junho do ano passado para realizar estudos do pós-doutorado sobre zika vírus com uma bolsa de estudos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Com os casos de Covid-19, a supervisora do seu trabalho, que trabalhou na época do surto de SARS, em 2002 e 2003, acabou sendo acionada para auxiliar nas pesquisas atuais. Agora, elas participam de editais para financiamento de projetos de pesquisa sobre o novo coronavírus.Em entrevista ao POPULAR, Rafaela afirma que a mensagem que as pessoas precisam receber, neste momento, é que não há informações fechadas e que o novo coronavírus ainda está sendo entendido. Confira a entrevista na íntegra e assuntos como mutação, taxa de infecção, letalidade e também sobre a transmissão vertical, de mãe para o feto.Aqui tem se falado muito sobre a necessidade de nos preocuparmos mais com dengue, por exemplo, que é um problema do país e que mata anualmente. Dá pra comparar de fato e medir níveis de preocupação?No caso do Brasil, sim a dengue é bastante preocupante, mata bastante e sobrecarrega o sistema de saúde. Minha resposta é bastante particular. Eu acho que o nível de preocupação é um pouco diferente ainda, o cenário pode mudar, mas é diferente. O Brasil ainda tem poucos casos e já ouvi especialistas de que deveriam fazer mais testes porque o país adotou uma política de só fazer testes com quem teve contato com alguém infectado ou fez viagem pra país afetado.Na verdade, a OMS tinha dado essa recomendação, mas voltou atrás e a recomendação é de que mesmo se a pessoa tiver só sintomas, ela precisa ser testada para tentar entender e mapear o vírus e a distribuição dele dentro de cada país. O objetivo é construir um histórico global dessa doença. É difícil comparar esses níveis de preocupação. O Brasil é um país que sempre está em constante problema. Então, no Brasil a preocupação pode ser menor é que culturalmente é como se pensasse: ah, é só mais uma coisa que a gente vai enfrentar. É uma opinião bem minha, mas percebo muito isso aqui. É preocupante, mas porque o Brasil tem problemas muito maiores que um país como a Itália que não está acostumada.É possível explicar porque o vírus se espalhou tão rápido na Itália?Na Itália, não se achou o paciente zero. Então, foi como se a pessoa, o paciente 1 que foi o 1º, foi como se essa pessoa não estivesse infectada porque não existia uma correlação com ninguém que tivesse ido pra China, ou que tenha entrado em contato com alguém que foi. Então, não tinha um histórico do perfil que estava sendo analisado para fazerem os testes. Tinha que ter sintomas e histórico correlacionado.Eu não estou dizendo que uma pessoa acabou infectando a Itália inteira. O que eu estou querendo dizer é que a situação demorou um pouquinho mais pra se perceber. Claro que, além disso, existem outros fatores que todos sabem. A Itália tem uma população de idosos alta. Aí, a taxa de letalidade da doença acaba ficando elevada por uma ideia que a gente pensa de que as pessoas só procurem assistência médica quando estão com casos severos da doença. Isso acaba fazendo com que o denominador da letalidade seja bastante pequeno.Estamos vendo que a letalidade na Itália é oito vezes maior que na Coreia. A que se atribui esses números? Existe diferença no sistema de saúde ou na faixa etária da população atingida?Na Europa a população é mais idosa e por isso os casos severos aumentam com mais chances de óbito. Na Itália, os casos de morte, em sua maioria são acima de 81 anos então corresponde bastante ao perfil que já é característico, a maior letalidade acima de 80 anos. A partir de 50, 60 se tiver outra doença associada como diabetes, câncer. A Itália está muito engajada, o sistema de saúde inteiro está praticamente trabalhando em cima do novo coronavírus. Os médicos estão todos saindo de seus plantões e até residentes que haviam sido liberados retornaram aos atendimentos.A mutação do vírus é baixa, mas existe. O que isso significa?A taxa de mutação é baixa, por enquanto. Isso, baseado no sequenciamento. Mutação é uma coisa bem intrigante porque essas mudanças podem ser importantes para o funcionamento do vírus como também podem significar nada, trocou uma base nitrogenada no material genético, que no caso do corona é RNA e isso não vai interferir na capacidade do vírus de se ligar nas células ou de se replicar. Ou, uma mutação pode ser grave e aumentar essa possibilidade de infectar com mais agressividade, replicar com mais facilidade, conseguir escapar do sistema imunológico.O vírus que circula na China é um pouco diferente do que está circulando na Europa, mas não é uma taxa em que o vírus está se modificando rápido, a todo o momento, enquanto ele está se espalhando pro Brasil ou outros países, ou Estados Unidos por exemplo. Então, não dá para atribuir nada relacionado à mutação desse vírus em termos de letalidade da doença, em termos da doença se espalhar com mais ou menos facilidade. Não se tem respostas de que isso esteja afetando o comportamento do vírus e como isso ocorre.O Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta chegou a afirmar que uma vacina era esperada no próximo semestre e que estaria sendo produzida nos Estados Unidos. Afirmou ainda que o Brasil não vai participar desta criação. É possível em tão pouco tempo testar e colocar em prática uma vacina? Como é esse processo?Acho muito difícil pro próximo semestre, a não ser que seja pro vírus que está circulando nos Estados Unidos e pode ser um pouco diferente do que circula no Brasil. Então, não sei o quanto isso pode nos ajudar. Seria muito bom o Brasil tentar produzir a vacina pra ser mais eficiente enquanto não tivermos uma global. Mas acho muito arriscado, uma vacina demora no mínimo oito meses para produção se nada der errado. Não sei como estão os estudos, mas acho difícil ter essa vacina pronta e liberada pro segundo semestre.Na China foi noticiado o 1º caso de um bebê que teria nascido com coronavírus. Já existe sendo estudado neste sentido a exemplo do Zika? Quais as consequências e como essa contaminação acontece?Ainda não se sabe se o novo coronavírus afeta a gestação ou não e em que sentido. Provavelmente estudos estão sendo feitos, mas ainda não há nada conclusivo sobre isso. Sobre a criança que nasceu na China, não se sabe se ela foi infectada intrauterina, se a mãe acabou transmitindo o vírus para o feto ou se ao nascer ela acabou entrando em contato com o sangue da mãe, ou com leite. Essa criança acabou tendo a carga viral alta em 48h e por isso deu positivo para o teste. Ainda não há estudo comprovando a transmissão vertical, da mãe para o feto.