A retomada das discussões sobre o Plano Diretor de Goiânia (PDG), que retornou à Câmara na última terça-feira (30), tende a buscar consensos em pelo menos seis temas do projeto de lei, até mesmo pela estratégia do Paço Municipal e da base do prefeito Rogério Cruz (Republicanos) em querer aprovar o documento ainda neste mês. A expansão urbana, o modelo de adensamento, o mapeamento das áreas da cidade, o uso de áreas públicas, o limite de altura das edificações e as regras para setores como Sul e Jaó deverão ser o foco dos debates e audiências públicas nos próximos dias.A previsão é que a tramitação seja retomada a partir de terça-feira (7) e a escolha da relatoria na Comissão Mista se dê na mesma semana. Entidades acreditam ter a necessidade de maior prazo para o debate, enquanto vereadores da base entendem ser tempo suficiente. A justificativa das pessoas ligadas ao Paço é que o projeto está sendo discutido desde 2017 e, logo, já houveram as discussões e que seria hora de decidir. Até por isso, a estratégia do Paço foi devolver na íntegra o documento, sem alterações, para que a tramitação continuasse de onde havia parado, com as emendas colocadas pelos vereadores, segundo o acordado com a Prefeitura.O POPULAR apurou que há apenas dois vereadores contrários ao modelo de tramitação que se desenha. Um deles é Mauro Rubem (PT), único de oposição declarada à administração municipal, e Pedro Azulão Junior (PSB), que tem declarado a necessidade de realizar análises técnicas sobre o projeto antes de apreciação. Para Mauro, “se a Câmara votar conforme o prefeito quer, vai cometer um dos maiores crimes contra a cidade”. No entanto, ele acredita que a base possui voto suficiente para manter a aprovação em tempo recorde.A vereadora Sabrina Garcês (PSD) entende que a ação do Paço em devolver o projeto como ocorreu se dá como respeito ao legislativo, no entendimento de que as modificações são feitas pelos parlamentares. “No início do ano tivemos um grupo de trabalho, com participação dos vereadores, as reuniões eram abertas. Falar que não tem conhecimento é muito complicado, agora falar que precisa de mais tempo para discutir é salutar e um direito dos vereadores.”Apenas sobre a expansão urbana, que determina o tamanho da macrozona construída (espaço em que é permitido atividades como moradias, infraestrutura, serviços públicos, comércios e outros), já foram postas ao menos três propostas das quais não se tem um consenso. No projeto original, o aumento da área urbana é de cerca de 4%, abrangendo correções no desenho da cidade. Ou seja, inclui terrenos já urbanizados e que ainda constavam como área rural. Na Câmara, na legislatura passada, houve proposta de expansão de até 32%, justamente o ponto que tornou a tramitação polêmica e provocou questionamentos sobre a viabilidade do projeto, fazendo com que a gestão Iris Rezende (MDB) pedisse a devolução do documento.Havia também parlamentares que propuseram uma expansão maior do que no projeto original, mas englobando áreas que seriam utilizadas para a implantação de polos econômicos. Como o projeto foi devolvido sem qualquer alteração, todas as emendas voltam à Casa e devem ser analisadas na Comissão Mista novamente. No mesmo tema, o Grupo de Trabalho (GT) instituído pelo Paço Municipal no começo deste ano para apreciar o PDG propôs também alteração no projeto.A ideia foi não utilizar o método convencional de expansão com o aumento do perímetro, mas sim de regulamentar a Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU), pelo qual o proprietário de imóvel na área rural poderia pedir que a mesma passasse a ser urbana mediante pagamento de taxa equivalente ao tamanho do terreno e após análise técnica do município. Essa ideia deve chegar como uma emenda conjunta de vereadores da base e possui o respaldo da Prefeitura para prosperar.Assim, mesmo que o tema já tenha sido debatido ao longo dos anos, não existe um acordo, visto que a nova proposta não foi debatida publicamente. Isso vale tanto em relação à ideia quanto ao conteúdo, como, por exemplo, o modelo de cobrança e as taxas. Embora o projeto original sofresse críticas, havia um entendimento com entidades, à época, de que era necessário a correção do desenho urbano. Dificuldade para ter mais tempoO vereador Mauro Rubem (PT) apresentou à presidência da Câmara uma sugestão de cronograma para a discussão do Plano Diretor de Goiânia (PDG), em que a votação final sobre o projeto se daria entre o final de abril e começo de maio. “Ou poderemos também suspender a discussão disso enquanto estivermos em pandemia. Não tem prejuízo nenhum para a cidade deixar para depois. É um projeto que não traz a palavra pandemia nenhuma vez, mesmo depois de tudo que ocorreu nestes anos”, entende.Para a vereadora Sabrina Garcês (PSD) as discussões ocorrem há cinco anos, desde 2017, e houve trabalho no começo deste ano que elaborou as mudanças necessárias e consensuais entre os integrantes do grupo instituído pelo Paço e do qual os vereadores fizeram parte. “Todos poderiam participar da reunião, foi um trabalho muito bem feito e técnico. Não vejo dificuldade em finalizar esse projeto ainda neste ano, não tem muita coisa mais para discutir”, avalia. Sobre ter pontos que ainda apresentam diversas propostas, Sabrina afirma que haverá espaço para esse debate e a apresentação de alterações que os vereadores julgarem necessárias. Nos bastidores, outros vereadores ouvidos pelo POPULAR acreditam que dificilmente haverá ampliação do prazo para a discussão, fazendo com que os debates fiquem focados apenas nos temas considerados mais polêmicos em que a população e entidades em geral vão cobrar soluções. Outro ponto que pode fazer a ampliação das discussões seria a necessidade dos parlamentares em imprimir digitais no documento, justamente por não querer mostrar submissão ao Paço.Protesto e dúvidas no Setor Sul Presidente da Associação Pró Setor Sul (Aprosul), Edmilson Moura de Oliveira, afirma que a principal preocupação da entidade e dos moradores do bairro em relação ao Plano Diretor de Goiânia (PDG) é em relação ao adensamento no local. A dúvida é especialmente com relação aos eixos estruturantes no bairro, que são as avenidas 90 e 84, para os quais houve diversas propostas diferentes. O projeto do Paço permite que os proprietários dos lotes lindeiros aos eixos pudessem remembrar seus terrenos com outros da mesma quadra, ampliando a área e possibilitando maior uso, ou seja, poderia construir edificações maiores e com mais moradias.“Não somos contra qualquer tipo de adensamento, mas não pode ser assim, é ruim para a cidade, vai acabar com o microclima, com o sombreamento. O Setor Sul é a última reserva verde que Goiânia possui na Região Central, se começar a subir prédios como em outros bairros prejudica a cidade inteira”, alerta Moura. Sobre isso, também houve proposta em que o remembramento faria com que a área fosse considerada como de adensamento mais baixo. Ou seja, o controle para as construções seria maior. Outra ideia foi de que a junção de lotes fizesse com que a área passasse a ser de adensamento básico, onde a altura máxima das edificações fosse de 11 metros, segundo a proposta original do PDG.No entanto, esse limite também é uma das propostas modificadas ao longo dos anos, já tendo sido elevada a 12 metros, como criado exceções para os setores Sul e Jaó, que ficariam com limite de 7,5 metros. Atualmente, o limite máximo é de 9 metros. Moura explica que a Aprosul defende que todo o Setor Sul seja colocado como área de adensamento básico, mesmo ao longo dos eixos estruturantes. “Já foram várias propostas e não sabemos qual é a que vai ser votada e não tivemos acesso ao projeto, às mudanças, apesar de inúmeras tentativas e reuniões com vereadores e com o Paço Municipal”, diz.O presidente da Aprosul explica que a associação tentará falar com todos os vereadores para defender o interesse dos moradores do bairro. “Estamos perdidos e vamos fazer plantão na Câmara para saber quais serão essas emendas. Não sabemos qual é o Plano que vai ser discutido, o que os vereadores vão apresentar. Nossa expectativa era que ocorresse mais discussões, que nos ouvissem em audiências públicas para debater as propostas, mas não sabemos como será isso.”Mapas da cidade estão escondidosOs mapas e suas referências que acompanham o projeto de lei do Plano Diretor são os que determinam quais locais pertencem a um eixo estruturante, que se torna uma área adensável e permite maiores construções residenciais ou de atividades econômicas, ou área de adensamento básico, que impede a instalação de edifícios. No entanto, apenas aqueles que pertencem ao projeto original foram publicados e divulgados à população até então. Ou seja, mesmo com as propostas feitas pelos vereadores entre 2019 e 2020 e pelo Grupo de Trabalho (GT) da Prefeitura em 2021, não há as referências sobre onde as mudanças seriam aplicadas.Isso ocorre também com relação às proposições sobre a expansão urbana do município. O GT não publicou em quais áreas seriam permitidas a aplicação da Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU), ou seja, as consideradas passíveis de urbanização mediante pagamento à Prefeitura. Situação parecida ocorre com relação ao cálculo para o adensamento, que é o instrumento que regula a quantidade de moradores em determinada área da cidade. O projeto propõe o uso da fração ideal, que atua pelo controle do número de moradias, enquanto a Câmara havia proposto o uso do índice de aproveitamento, que age pelo controle do tamanho das edificações em um mesmo terreno. As discussões, até então, penderam para a segunda opção, mas o GT apresentou índices diferentes daqueles que foram dados pela Câmara, que contou com apoio técnico de uma consultoria contratada à época de início da tramitação. De acordo com a vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU-GO), Janaína de Holanda, apesar do discurso de que o PDG vem sendo discutido há cinco anos, é necessário debater o texto que será modificado. “O ideal é que organize audiências por temas. Ainda há muitos pontos sem consenso. Um Plano Diretor é o pacto político possível dentro das opções técnicas que existem, tentar ser o melhor possível”, diz. Ela acredita que a estratégia do Paço Municipal em ganhar tempo é complicada.A arquiteta e urbanista entende que, tecnicamente, é impossível discutir um projeto como do Plano Diretor até o final deste ano. “Não seria correto dizer que há prazo hábil, de acordo com o que queremos discutir. O CAU já notificou a Prefeitura, já informou ao Ministério Público (MP), mas nosso poder de atuação fica limitado, não podemos obrigar o Executivo ou o Legislativo a fazer mais debates.”O presidente da Associação Pró Setor Sul (Aprosul), Edmilson Moura de Oliveira, relata que depois de o Paço instituir o GT “ninguém imaginava que faria como fez”. “O Paço sabe que vai alterar, então fez assim para se safar do MP sobre as consultas públicas, a apreciação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e mais uma votação do plenário.” Ele lembra ainda que a Casa Civil, em resposta a questionamento do MP informou que seria feita uma mensagem aditiva ao projeto, ou seja, que o mesmo seria reenviado para a Câmara com as modificações previstas pelo Paço. “Por que o prefeito ficou esse tempo todo com o projeto se era para devolver do mesmo jeito de antes? Dá para ver que muitos vereadores estão com discurso alinhado com a Prefeitura.”O receio das entidades é que a tramitação do PDG seja semelhante com o que ocorreu com o Código Tributário Municipal (CTM), em que a aprovação das alterações na lei, que era a mesma desde 1975, ocorreram sem qualquer audiência pública e em menos de 30 dias. “A diferença é que o CTM não tem lei que obriga ter a audiência, já com o PDG tem o Estatuto das Cidades. O CTM também não tem a mobilização social que vai ter o Plano Diretor, que influencia diretamente nos moradores de muitos bairros, nem tem o desgate temporal, e o custo político pode ser mais pesado”, acredita o presidente da Aprosul.-Imagem (1.2365665)