As regras para exploração dos recursos hídricos da Bacia do Rio Meia Ponte podem ficar mais rígidas nos próximos anos. Diante de um cenário de escassez e previsão de aumento da demanda, solicitações vindas do setor produtivo ou de empresas de saneamento deverão apresentar planos com profundas mudanças em hábitos de consumo da água. Esta é uma das previsões do que pode ser aprovado em diretrizes que atualmente estão em discussão, o que deve ser finalizado ainda neste ano.Entre as mudanças sugeridas está a exigência de um plano de uso eficiente dos recursos por parte de quem solicitar liberação para explorar água da bacia. Atualmente, 50% da vazão histórica são liberados para exploração, ficando o montante dividido entre o abastecimento urbano e todas as áreas do setor produtivo. No atual sistema, o solicitante deve especificar o quanto de água pretende usar e acionar dispositivos para acompanhar o cumprimento do que é previsto na outorga. Quando o limite de recursos hídricos é atingido, a emissão de novos usos é suspensa.O aumento no rigor das condições para exploração faz parte das sugestões do Plano de Bacia, contratado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). O plano é constituído de etapas de diagnósticos, prognósticos e propostas de ações, etapas estas produzidas por técnicos da Universidade Federal de Goiás (UFG). No ano passado, a fase de projeções mostrou que a demanda hídrica pode aumentar até 230% nos próximos 20 anos, conforme mostrado por reportagem do POPULAR. A estimativa é um alerta para a necessidade de medidas que se antecipem ao possível colapso no abastecimento. A bacia se estende por 37 municípios goianos, com diferentes níveis de problemas a depender da região.Com os dados, o Comitê de Bacia, que tem representantes do Estado, setor produtivo e sociedade organizada, é que discute e aprova as diretrizes que vão regulamentar o uso. Atualmente, a exploração do Meia Ponte já prevê necessidade do cumprimento de regras, como a exigência de outorga, documento que permite ao Estado o controle sobre a retirada da água. No entanto, a fonte de água, responsável por parte do abastecimento público da Região Metropolitana de Goiânia (RMG) e irrigações, ainda não conta com um Plano de Bacia, instrumento de planejamento mais completo para direcionar o uso dos mananciais do território. O dispositivo é previsto na Lei das Águas, de 1997.Para dar conta da demanda atual e possibilitar ampliação das liberações, o plano sugere que quando a Semad receber solicitações, mas estiver próximo do limite de exploração da vazão, esta passaria a exigir medidas de adequações do solicitante. A regra valeria tanto para aqueles que ainda não têm outorga e querem a liberação, quanto aos que precisarem renovar as atuais autorizações. Atualmente o documento emitido pela Semad tem duração de até 35 anos.As adequações, sustenta o plano, possibilitaria que os conflitos entre demanda e disponibilidade fossem amenizados. As análises seriam feitas de acordo com as condições de cada região. “Por exemplo, projetos que incorporem equipamentos e métodos de irrigação mais eficientes teriam prioridade no licenciamento”, destaca o coordenador geral dos estudos realizados pela UFG, Klebber Formiga sobre a proposta técnica.Ainda, em trechos onde a demanda já é maior que a oferta dos 50% outorgáveis, as medidas de uso racional possibilitariam ampliar a taxa liberada para exploração, que pode ultrapassar os 70%, conforme afirma Marco José Neves, superintendente de Recursos Hídricos e Saneamento da Semad. Marco destaca que a proposta ainda está sendo pensada e que será apresentada ao Comitê de Bacia em breve, sendo decisão do colegiado aprovar ou não o que está sendo sugerido pelos técnicos que trabalham na elaboração do plano. “Nós vamos olhar as propostas técnicas e submeter”, salienta Neves.FuturoDe acordo Formiga, o cenário de maior aumento da demanda, de 230% até 2040, não deve ser alcançado. Isso porque o aumento depende diretamente do crescimento do setor produtivo, que foi impactado pela pandemia. Assim, o cenário mais provável é o que prevê crescimento de 70% da demanda até 2040. Mesmo assim, o acréscimo indica escassez de água em regiões do Meia Ponte a partir de 2030. “O Plano é uma forma de ordenar para que todo mundo tenha direito ao uso da água”, explica Formiga.Para o professor da UFG, a redução da vazão outorgada não implica em diminuição da produção, mas em incentivo ao uso mais eficiente, como o reúso, captação de água de chuva, adoção de modos de produção e consumo mais eficientes. “Isso permitirá que a mesma quantidade de água possa ter uma produção e atendimento maior”, diz. Para isso, o especialista diz que custos maiores serão acarretados no início, mas que no longo prazo permitirá ganhos com a economia. “Por isso que são medidas que tenderão a serem implementadas localmente nos pontos mais críticos, mas em prazos maiores (não previstos no plano) tendem a se tornar corriqueiras, como ocorrem em muitos países do mundo”, destaca.Outra possibilidade de mudança é a cobrança pelo uso de recursos hídricos, que depende diretamente do enquadramento de qualidade dos trechos, ponto ainda em discussão. Após definir a qualidade de cada trecho, o Comitê vai passar a cobrar pelo uso das águas em metros cúbicos (m³). No plano elaborado pela UFG, levando em consideração os valores diferenciados para cada área e a quantidade de recursos utilizados por cada uma, a estimativa é de que sejam arrecadados mais de R$ 16,5 milhões por ano.Períodos podem reduzir liberaçõesAtualmente, são levadas em conta para determinar o quanto é liberado para exploração do Rio Meia Ponte as medições da vazão do manancial. Este é outro ponto que o plano aponta possibilidade de mudanças. Em vez de autorizar uma quantidade de água para o ano inteiro levando em consideração a medição de 12 meses, as outorgas podem passar a levar em consideração as épocas do ano. Assim, a liberação para exploração oscilaria com mais ou menos fluxo em meses determinados no documento, com maior disponibilidade em épocas chuvosas e mais restritiva em quantidade de água nos meses de seca.O Comitê do Meia Ponte já prevê medidas emergenciais em casos da vazão atingir níveis de alerta. “O que faz muita falta é a instalação de mais pontos de monitoramento ao longo da bacia hidrográfica para, de fato, determinar com precisão o comportamento da água”, destaca Bento Godoy, consultor em gestão de meio ambiente e recursos hídricos. Nesta semana, o comitê deve determinar as medidas emergenciais que serão tomadas ao longo do ano para conter uma possível crise.Para o consultor, a bacia demanda outras ações estruturais de modo urgente. Bento sustenta que chegou o momento do uso efetivo do reservatório do Ribeirão João Leite e outros usos alternativos. “Somente decretos e situação de emergência todos os anos não resolvem nada”, considera.Especialista em recursos hídricos, Marcos Correntino acompanha a elaboração do plano. Ele avalia que o mais importante é que se tenham estudos e informações suficientes sobre a disponibilidade hídrica para assim determinar sobre os limites de uso. “Às vezes o que resolve é uso racional, e não o limite de usos. O que o Estado deve fazer é instalar a sua rede de monitoramento hidrológico. Isso é urgente. Em se tratando de recursos hídricos você não gerencia adequadamente aquilo que você não monitora”, destaca.De acordo com a Semad, parte do acompanhamento a que Marcos se refere já é feita junto aos usuários responsáveis por retirar o maior volume da bacia. Segundo a pasta, 80 bombas são acompanhadas diariamente. -Imagem (1.2255243)