O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) afirma em um requerimento enviado à Justiça que um homem embriagado de 31 anos foi morto por um policial militar durante uma abordagem com um tiro a menos de um metro de distância em uma região fatal do corpo (o pescoço) após reclamar de uma suposta agressão dizendo: “Que isso! Tá doido? Me mata logo!” Testemunhas teriam dito que pouco após esta exclamação da vítima, o cabo da PM José Alves da Silva, de 59 anos, apontou a arma e efetuou um disparo.O comerciante David dos Santos Sousa estava com a mãe em um pitdog na Alameda Emílio Póvoa, em Goiânia, por volta de 20h30 do dia 17 de julho, um domingo, quando o cabo chegou com um sargento em uma viatura para atender uma ocorrência de ameaça que teria sido feita por David contra uma comerciante em uma distribuidora a poucos metros dali. Nervoso e agressivo por causa da embriaguez, David atacou a mulher e destruiu parte do estabelecimento ao não conseguir comprar mais bebida alcoólica no local.A dona da distribuidora chamou a Polícia Militar por temer que David voltasse ao local, como teria ameaçado fazer, inclusive dizendo que retornaria com uma faca. Porém, quando ele foi abordado pelos policiais estava esperando um lanche com a mãe. Ela, a irmã e o cunhado da vítima dizem que o cabo foi a todo momento agressivo. Já o policial, seu colega e mais uma testemunha dizem o contrário.Após ser baleado entre o pescoço e o ombro, David foi levado pelo cunhado e pedestres ao Hospital e Maternidade Dona Iris, para os primeiros-socorros, e depois para o Hospital de Urgência de Goiânia (Hugo), onde ficou internado por sete dias e morreu em decorrência de um traumatismo na medula cervical na altura do pescoço causado pelo disparo. Durante este tempo, seus familiares foram impedidos de visitá-lo.No documento do MP-GO, protocolado nesta quinta-feira (17) pedindo que a Justiça Militar deixasse o processo que tramita por lá com a Comum, a promotora Adrianni Santos Almeida afirma que no mínimo a ação do policial configura-se como um caso de dolo eventual, quando o ferimento é causado sabendo das consequências. “O militar, antevendo como possível o resultado lesivo com a prática de sua conduta, não se importou com sua ocorrência, assumindo o risco”, escreveu.Relatos Cada depoimento relata uma situação diferente sobre a abordagem. A mãe de David diz que o cabo o derrubou ao fazê-lo abrir as pernas para uma revista e que ao levantar o filho fez a exclamação provocativa pedindo que o policial o matasse. Já o cunhado da vítima disse que, após a provocação, o policial pediu que parasse de falar senão atiraria e que David então respondeu que ele não teria coragem de cumprir a ameaça. O disparo teria ocorrido neste momento.Já os policiais afirmam que não conseguiram concretizar a abordagem e a revista devido à postura agressiva do comerciante e que este a todo momento colocava as mãos na cintura, dando a impressão que tiraria algo de lá. Os dois disseram também que tinham informação de que ele poderia estar armado com uma faca e ao avançar em direção ao cabo o fez novamente com a mão na cintura. O autor do disparo diz que atirou com intenção de conter uma possível agressão.Leia também:- Cobal está com os dias contados em Goiás- Trio é condenado por torturar jovem, filmar e postar nas redes sociais para ‘dar exemplo’- Justiça revoga prisão de condenados por envolvimento na morte de Valério LuizHá no inquérito feito pela Polícia Militar mais depoimento de outras quatro pessoas, que corroboram trechos ou da versão dos familiares ou dos policiais, mas nenhuma destas relatou ter presenciado todo o momento em que durou a abordagem até o disparo. Estas pessoas também foram ouvidas pela Polícia Civil, mas o inquérito da Delegacia de Homicídios segue em andamento.No requerimento do MP-GO, consta que as testemunhas também contaram que o policial e o comerciante já se conheciam de uma outra abordagem, ocorrida 40 dias antes, e que neste primeiro encontro houve um “entrevero”. “Do que foi apurado no presente procedimento, a análise dos indícios aponta no sentido da ocorrência de crime doloso contra a vida praticado por policial militar contra civil”, afirmou a promotora.O MP-GO também afirma haver informações de que, após David ter sido baleado e hospitalizado, policiais militares retornaram ao local do fato e nas redondezas abordando possíveis testemunhas e tentando obter possíveis gravações captadas por câmeras de segurança. Segundo os depoimentos, “a fim de apagarem as imagens”.Os policiais também apresentaram uma faca que, segundo eles, foi encontrada nas proximidades após David ter sido socorrido e que poderia ser dele. Mas nenhum dos inquéritos, até o momento, aponta se uma perícia foi feita nela.Apesar de casos envolvendo morte de civil em abordagem policial sempre serem remetidos para a Justiça comum e as investigações serem de competência da Polícia Civil, todas as mortes são alvo de inquérito por parte da Polícia Militar, mesmo sob protestos de promotores do MP-GO.O inquérito da PM foi encaminhado à Justiça no dia 11. Já o da Polícia Civil ganhou um prazo de mais 120 dias para a conclusão, determinado pelo juiz Antônio Fernandes de Oliveira, da 4ª Vara de Crimes Dolosos de Goiânia, no dia 28 de setembro.No documento encaminhado pela delegacia ao Judiciário junto com o pedido de dilação de prazo constam apenas os depoimentos dos policiais e da comerciante atacada por David.