Desde o início do ano letivo nas escolas da rede estadual de educação em Goiás, no final de janeiro, até meados deste mês, as autoridades já interceptaram pelo menos 20 ameaças de atentados ou massacres nas unidades de ensino. O dado representa mais de um caso por semana e apresenta uma crescente, visto que em fevereiro a superintendência de segurança escolar da Secretaria de Estado de Educação de Goiás (Seduc-GO) verificou quatro casos, outros oito em março, seis em abril e dois até meados de maio. Em razão disso, a gestão da rede trabalha para inserir ações pedagógicas e prevenir as ocorrências.Em abril, a Delegacia Estadual de Apuração de Atos Infracionais (Depai) verificou que dois adolescentes, de 16 e de 14 anos, foram os responsáveis por enviar áudios com ameaças de massacre em uma escola estadual de Aparecida de Goiânia. Os envios começaram no domingo (3), anunciando o atentado para o dia seguinte, mas desde o dia 1º os servidores da unidade encontraram uma pichação no banheiro com os dizeres “Massacre 04/04/22”. Outro adolescente chegou a ser apreendido pela Polícia Militar (PM) por suspeita de participar do caso, mas as investigações apontaram apenas dois responsáveis, que confessaram.Um dos áudios afirmava: “Vai achando que essa p* é brincadeira. Amanhã o Colégio Villa Lobos cai, não quero nem saber”. O outro aluno disse: “Já estou levando facão e armas.” As falas garantiam que a servidora responsável por ficar na porta da escola seria a primeira a morrer e eram acompanhadas de fotos de armas.Leia também: - Preço da gasolina bate novo recorde em Goiás- Goiás notifica segundo caso suspeito de hepatite aguda de causa desconhecida- Vegetação cresce mais e aumenta preocupação com fogo ao redor do Reservatório do João LeiteO superintendente de Segurança Escolar da Seduc-GO, coronel Mauro Vilela, diz que os indícios são apurados e monitorados com o serviço de inteligência das polícias Civil e Militar. “Normalmente, colocam isso nas redes sociais e se divertem. Mas não desacreditamos das ameaças, investigamos todas, e em apenas dois (casos) não conseguimos encontrar os adolescentes.”Para ele, os atos de indisciplina dos alunos são naturais e sempre ocorreram, e que ocorre em toda instituição, mas que o caso das ameaças de atentados está além do natural. “Toda escola tem, desde que eu era aluno do Colégio Lyceu já existia indisciplina. Mas acredito que os alunos voltaram às aulas presenciais muito carentes, com energias reservadas.”SimulacroVilela conta que das 20 ocorrências duas chamam mais a atenção, pois os envolvidos chegaram a apresentar uma arma nas escolas, mas em ambas tratavam-se de simulacros. Em Caldas Novas, na região Sul do estado, um adolescente chegou a entrar no colégio militar com o simulacro ameaçando atirar nos policiais, que tiveram de rendê-lo, enquanto que em Goiânia um aluno já maior de idade queria atirar em uma ex-namorada e teve de ser rendido pelo Batalhão Escolar da PM. Vilela acredita que o aumento do número de ameaças de atentado nas escolas se dá com a retomada das aulas presenciais após o período de isolamento em decorrência da pandemia de Covid-19.O superintendente relata que antes da pandemia as ocorrências mais comuns eram de evasão escolar, como deixar de frequentar alguma aula ou atividade. Agora, as ameaças de atentado chamaram a atenção da Seduc, além do aumento de brigas no entorno das unidades. Entre março e abril foram nove vias de fato, com três lesões corporais. Vilela diz que quando os estudantes são identificados há a convocação dos responsáveis e do Conselho Tutelar, além de mobilizar multiprofissionais e de ações e prevenções da Seduc. Professores estão preocupadosPresidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), Bia de Lima afirma que os profissionais têm tido preocupações com as ameaças de atentados às escolas e considera que o retorno das aulas presenciais após o afastamento provocado pelas medidas de contenção da pandemia de Covid-19, de fato, agravou o aumento da violência que já ocorria nas instituições. Para ela, as escolas já não possuem mais o controle do limite dos alunos, e que isso também ocorre entre os funcionários e a direção. “Os professores se sentem reféns e isso tem feito com que muitos, mesmo sabendo que não é a melhor solução pedagógica, têm preferido ir para os colégios militares, apenas para ter maior segurança. Hoje em dia, a própria avaliação de um professor a um aluno já vira motivo de agressão”, afirma a presidente. Segundo ela, os profissionais das escolas estão totalmente vulneráveis e não têm a quem recorrer. Ela entende que esse foi o motivo para que a diretora da Escola Municipal Professora Dalka Leles ter chamado um guarda municipal para palestrar aos alunos.O caso ocorreu no começo de maio e redundou em falas que geraram receio nos estudantes e em confusão na escola, já que os guardas usaram spray de pimenta nos alunos enquanto eles voltavam para as salas de aula. O caso vem sendo investigado pelas autoridades. Bia de Lima entende que a violência nas escolas resulta da perda de autoridade dos profissionais da educação. “As escolas têm alta rotatividade de professores, que trabalham com sobrecarga, ficam estressados. Qualquer coisa na escola, afastam o diretor, é culpa do professor. Falta autonomia ao professor.”A presidente relata que solicitou à Secretaria de Estado de Educação de Goiás (Seduc-GO) a construção de um novo regimento de normas e condutas de todas as pessoas do regime educacional, de modo a mostrar a responsabilidade de cada um que participa do processo. Bia diz que não houve andamento na proposta apresentada.O gerente de Programas e Projetos Intersetoriais e Socioeducação da Seduc-GO, Marcos Pedro da Silva, diz que a secretaria tem ido às escolas que sofreram ameaças neste ano e conversando com os profissionais. Ele conta que os locais não tiveram novas ocorrências e há um acompanhamento de perto. “Estamos trabalhando toda a escola, com orientação pedagógica e com um programa de orientação educacional.” Silva percebe que a situação é um problema social que se reverbera nas escolas. “Tem a preocupação legítima, mas não existe o pavor. Temos que prevenir.” Casos não são apenas uma “brincadeira”Psicóloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG), Silvia Zanolla explica que as ameaças de atentados às escolas não podem ser entendidas como uma brincadeira de adolescentes. Para ela, esse pode ser o argumento do estudante, mas é preciso entender a razão dele escolher essa ação como uma “brincadeira”. “A ameaça não é um fato isolado, mostra o adoecimento social, o despreparo para conviver em família e na escola”, afirma.Ela conta que, na maioria dos casos, as ameaças seguem um ritual. “Os estudantes usam sempre as redes sociais, vão deixando indícios, comportamentos. São pessoas muito adeptas ao mundo virtual, usam até mesmo comportamentos de personagens de jogos, por exemplo.” Silvia afirma que é preciso levar a sério esses indícios, mas não é preciso ter pânico.A professora diz ainda que o aumento das ocorrências de violência, como as ameaças de atentados, já era esperado por profissionais da psicologia e da educação. “São denúncias que sempre ocorreram, mas após o isolamento da Covid-19 era esperado que isso fosse maior. Nesse momento, demonstra um comportamento mais agressivo. A violência anda junto com o adoecimento, não é isolada.”A razão para que isso ocorra após o isolamento provocado pelas medidas sanitárias de combate à Covid-19, de acordo com Silvia, é que o período de confinamento fez com que as pessoas lidassem com muitos conflitos e perdas, mesmo dentro das casas. “Não é só uma ameaça à escola, houve aumento também da violência doméstica. A pandemia trouxe um clima de muitas incertezas, em que houve muitas perdas, mudança dos cotidianos das pessoas.” Ela diz ainda que há pesquisas científicas que apontam que 18% das pessoas que tiveram Covid-19 apresentam sequelas de adoecimento mental. “A pandemia trouxe muitos casos de suicídio, muitas ameaças de suicídio coletivo, por exemplo.” Por isso, Silvia acredita que a melhora da situação passa pelo entendimento de toda a sociedade sobre a necessidade de enfrentar esse momento. “É preciso ter paciência e entender como lidar com isso. A única forma de impedir a violência é a educação.”A psicóloga reforça que isso não se dá apenas no ambiente escolar, de modo que deve ser integrado com a família, a formação de professores e até mesmo com a segurança pública. “Toda atitude punitiva não leva à educação, só inverte a violência. É preciso um trabalho intersetorial e multidisciplinar para uma política de educação para humanização e inserção dos estudantes.Ocorrências também chegam a escolas particulares e universidadesAlém das 20 ocorrências confirmadas pela Secretaria de Estado de Educação de Goiás (Seduc-GO) na rede estadual de ensino com relação a ameaças de atentados nos locais, há ainda casos que não entram no registro por não especificarem uma escola ou por serem instituições privadas. Isso ocorreu, por exemplo, em Águas Lindas, na região do Entorno do Distrito Federal, na segunda-feira (16). Na cidade começou a circular em grupos de mensagens e aplicativos de celular fotos de que um massacre ocorreria na terça-feira (17), acompanhadas de áudios e textos que variavam desde a citação a uma escola privada a uma série de atentados em todo o País. Houve escola na cidade que deixou de funcionar no dia 17 em razão dos boatos e a Polícia Militar na cidade emitiu comunicado no município de que as atividades focadas nas escolas foram reforçadas.Em abril, a imagem que gerou a investigação sobre o caso do Colégio Estadual Villa Lobos, em Aparecida de Goiânia, foi usada poucos dias depois por alunos de um colégio particular da capital, no setor Crimeia Oeste. A foto viralizou entre os alunos e fez com que os pais pedissem para retirar os estudantes das salas de aula, o que foi permitido com a anuência dos responsáveis. Os boatos chegaram ao ponto de dizer que havia viaturas policiais no entorno da escola e de que dois alunos estavam armados na instituição. A escola emitiu uma nota de esclarecimento, na época, informando que o Batalhão Escolar da PM foi acionado e esteve no local para acalmar a comunidade escolar, mas não foi encontrado nenhum indício de atentado na unidade.Já na terça-feira (17), as supostas ameaças às escolas chegaram ao ensino superior, quando começou a gerar preocupação na comunidade escolar de uma universidade localizada na BR-153, em Goiânia. Isso se deu depois que um aluno, de 19 anos, postou um questionamento em um grupo do WhatsApp: “Se vocês fizessem um massacre, quem vocês poupariam da nossa sala?”. Após investigação da Polícia Civil goiana, o estudante alegou em depoimento que a mensagem foi retirada de contexto, em que sua intenção seria debater sobre a morte e escolhas e não propor um massacre na instituição.-Imagem (1.2459467)