A cada minuto, o trecho urbano de 26 quilômetros (km) da rodovia BR-153 entre Goiânia e Aparecida de Goiânia recebe 40 veículos, totalizando um tráfego de 58 mil por dia. É o trecho de maior fluxo de automóveis, motocicletas e caminhões de toda a região metropolitana e resultado do crescimento das cidades ao longo da via federal, que deveria ser de trânsito rápido e livre, mas recebeu ao longo dos anos equipamentos importantes para a geração de tráfego e atualmente é a principal ligação Norte-Sul entre os dois municípios de maior população de Goiás.Nos horários de pico, entre 7h30 e 9h30 e 17h e 19h, os trechos de interseção com as entradas das duas cidades ficam congestionados. O principal ponto é a região do Estádio Serra Dourada e Paço Municipal até a interseção com a GO-020 e Avenida Jamel Cecílio, justamente o local em que mais carros entram na rodovia no sentido Norte-Sul. Já no sentido oposto, o congestionamento é pior entre as proximidades da indústria Mabel até a casa de shows Atlanta Music Hall. Além disso, o interesse pela rodovia é causa de outros congestionamentos na capital nos pontos de acesso.Em Goiânia, já são locais tradicionais de problemas de fluxo de veículos o cruzamento da BR-153 com a Avenida Vera Cruz, no Jardim Guanabara, onde começa o chamado trecho urbano, com a Avenida Anhanguera, na Vila Bandeirante, e com a Alameda Contorno, na Vila Redenção.Professor de Engenharia de Trânsito do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen, avalia que o fluxo no trecho é muito alto. “Considerando que o tráfego se concentra em algumas horas do dia, no pico, tanto de manhã quanto de tarde, devem passar aproximadamente 5 mil veículos. É mais de 80 veículos por minuto, mais de um por segundo”, afirma.Para se ter uma ideia, mesmo em horário entrepico, a velocidade usual no trecho urbano da rodovia é a menor em comparação a outras vias federais ou estaduais na capital. Às 15h30 da última quarta-feira (18), segundo aplicativos de mobilidade, era possível percorrer os 26 km do trecho urbano da BR-153 em 29 minutos. Neste mesmo tempo, dia e horário, um motorista em Goiânia poderia pegar a BR-060, no Setor Rodoviário, chamada de Avenida Pio XII, e andar 31 km e chegar até o município de Guapó, ou dirigir pela GO-020, após o viaduto de encontro com a BR-153, e andar por 37 km, chegando próximo a Bela Vista.Os especialistas apontam que o trecho é uma avenida metropolitana e deveria ser tratada como tal em relação a engenharia de tráfego e fiscalização.Geógrafo, especializado em políticas públicas de trânsito e membro da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Antenor Pinheiro, avalia que “o perímetro urbano da BR-153, há muito, funciona informalmente como via arterial urbana do tipo avenida, mas sobreposta por frotas rodoviárias flutuantes (passantes), o que resulta em saturação excessiva do seu leito, e com outro agravante: a inexistência de infraestruturas para o convívio com outras funções hierárquicas viárias urbanas dedicadas aos transportes ativos e público coletivo”.Pinheiro lembra que os estudos para o diagnóstico do Plano de Desenvolvimento Integrado da região metropolitana de Goiânia, realizados pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2016, relataram um fluxo de 130 mil pessoas se deslocando diariamente por motivo de trabalho e/ou estudo entre Goiânia e Aparecida, o que reforça o conflito de uma rodovia cumprindo funções urbanas. “Além de dar suporte aos fluxos pendulares mais expressivos da região metropolitana e funcionar como entroncamento de ligação rodoviária sul-norte, a ‘avenida’ BR-153 é alimentada por grandes polos geradores de viagem (hipermercados, casas de shows, condomínios fechados, bairros de alta densidade, repartições públicas etc.)”, explica o geógrafo.Para o professor Rothen, este crescimento urbano é histórico e fundamental para explicar a situação atual do trecho urbano da BR-153. “Historicamente, o desenvolvimento do interior brasileiro seguia o desenvolvimento das ferrovias e posteriormente o desenvolvimento das BRs. As cidades foram crescendo em volta das rodovias. O entorno das rodovias é um local privilegiado para a implantação de negócios, tais como: postos de abastecimento, restaurantes, comércios de peças, depósitos de logística, indústrias e diversos outros negócios. O entorno sempre foi disputado por empreendedores. Durante a construção das BRs, a preocupação normalmente era a de viabilizar os negócios no entorno e não o de fazer uma rodovia segura. Em outros países as rodovias principais ficam isoladas da cidade e só poucos postos de abastecimento podem ter acesso direto à rodovia. Novo trecho apenas depois de relicitaçãoDesde 2013, há projeto de municipalizar o trecho urbano da rodovia BR-153 entre Goiânia e Aparecida de Goiânia, de modo que um novo traçado da via federal seria criado, mais afastado das cidades e complementando o Anel Viário, parcialmente construído no início dos anos 2000. No entanto, o descumprimento do contrato com a concessionária Triunfo Concebra, que não realizou as obras sob o argumento da falta de recursos financeiros prometidos via empréstimo federal, fez com que o problema se prolongasse. Neste ano, o pedido de relicitação do trecho feito pela Triunfo Concebra foi aceito pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). No momento é aguardado um decreto presidencial formalizando a devolução da concessão e liberando que novo edital seja divulgado. O documento vai constar a exigência da continuidade do Anel Viário no contorno Sul a Leste, promovendo o novo traçado da rodovia e liberando o trecho urbano para o uso apenas do tráfego metropolitano. O novo traçado deve iniciar em Hidrolândia e chegar até o posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Teresópolis de Goiás.Assim mesmo, a expectativa é que a mudança retire cerca de um terço do movimento da via, cerca de 20 mil veículos, que é a quantidade estimada de carros e caminhões que se locomovem no trecho com a intenção de seguir a estrada. Atualmente, o volume de tráfego, calculado em 58 mil veículos por dia, ainda é menor do que no período pré-pandemia. Em 2019, passavam a cada dia no trecho cerca de 67 mil veículos, enquanto que no ano passado a média foi de 54 mil, mostrando um aumento para este ano. Os dados são da Triunfo Concebra. A concessionária entende que essa oscilação ocorreu como consequência das medidas sanitárias de combate ao coronavírus, além da crise econômica e também a alta dos combustíveis. Ainda assim, a diminuição não gerou um menor número de congestionamentos ao longo do trecho. “O volume de veículos no espaço viário deve obedecer ao estudo de capacidade máxima que a via suporta e que tipo de hierarquização funcional ela cumpre. A circulação de veículos e acessos a ambientes urbanos estão diretamente associados aos expressivos fluxos e intensidades de deslocamentos pendulares entre as duas maiores cidades da região metropolitana de Goiânia”, esclarece o geógrafo Antenor Pinheiro. Solução vai além de mudança no traçadoApontada como solução para o tráfego no trecho urbano da rodovia BR-153 entre Goiânia e Aparecida de Goiânia, a realização de um novo traçado para a via federal não resolveria, por si só, os congestionamentos que ocorrem atualmente e nem mesmo impediria que, no futuro, eles viessem a ocorrer no trecho alternativo. O professor do Instituto Federal de Goiás (IFG) e engenheiro de trânsito, Marcos Rothen aponta que “seria necessário um novo planejamento operacional para a rodovia”. Válido ressaltar que, em razão da relicitação da concessão do trecho rodoviário federal, o edital para a nova concessionária só deve ser publicado em 2022, com início dos trabalhos em 2023. A previsão dos técnicos é que o novo traçado só seja iniciado em 2027.Segundo Rothen, o novo traçado vai permitir a saída especialmente de veículos pesados, mas “isso incentivará uma maior ocupação do entorno da rodovia”. “Será necessário um planejamento completo. A engenharia brasileira sabe fazer esse planejamento e não vejo justificativa para não fazermos corretamente. Sabemos ordenar o trafego, fazer o desenho viário, com curvas seguras e sabemos isso há muitos anos. Tenho ido muito ao Anel Viário e lá é fácil ver que foi construído errado e sem justificativa, pois sabemos fazer o certo”, informa. Ele relata que a BR-153, no trecho urbano, apresenta cruzamentos transversais em nível, “o que já não se usa há muitos anos”, pois facilitam a ocorrência de colisões laterais. De acordo com a concessionária Triunfo Concebra, os principais problemas do trecho urbano em si são as colisões traseiras e os congestionamentos. “Corrigir os problemas que já foram permitidos na BR e fazê-la novamente é praticamente impossível, ou seja, a situação da BR-153, que hoje é um misto de avenida com rodovia, é irreversível”, afirma o professor e engenheiro.Para o geógrafo Antenor Pinheiro, especializado em políticas públicas de trânsito, há duas medidas urgentes a serem executadas. A primeira é a construção do Anel Viário. “Com esta opção estruturante, certamente teríamos algo próximo de 20 mil caminhões (por dia) a menos circulando no perímetro urbano.” Após isso, afirma ele, deveria ocorrer a estruturação de uma via metropolitana administrada por um consórcio (convênio) intermunicipal, incluindo as prefeituras de Goiânia, Aparecida de Goiânia e Hidrolândia, “provida de todos os equipamentos urbanísticos, tecnologias operacionais modernas e intervenções socioambientais e paisagísticas que permitissem a equidade de seu uso”.ReformulaçãoEsta medida, segundo Pinheiro, permitiria, “não somente a transição gradativa veicular entre as funções hierárquicas e o balanceamento entre elas, como também assumiria o status de via inteligente, sustentável e de forte apelo inclusivo em desenho metropolitano exemplar e inédito no Brasil”. Neste propósito, sendo uma via metropolitana a “avenida” deveria ser provida de todas as tecnologias e opções de mobilidade possíveis, coordenada por uma exclusiva central de monitoramento eletrônico, políticas de fiscalização e engenharia compartilhadas pelas administrações municipais envolvidas, estruturas de atendimentos mecânico e de saúde, etc”, diz. Pinheiro afirma ainda que a solução para a situação do trecho urbano deve ser somada a repaginação da pavimentação, implantação de sistemas eficazes de drenagem, arborização compatível e infraestrutura de iluminação permanente. “Com certeza, não apenas a fluidez melhoraria, mas teríamos um sistema viário de conceito metropolitano traduzido numa das mais belas avenidas do Brasil. É uma utopia possível, basta querer fazer”, entende.Neste ano, a Prefeitura de Goiânia assumiu a iluminação pública do trecho urbano da BR-153, que também colocou fim a uma disputa histórica sobre de quem seria a responsabilidade do serviço. Há anos, o problema era jogado entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), o Governo de Goiás, visto se tratar de divisa entre municípios, e as administrações municipais, além da própria Triunfo Concebra. Melhoria deve evitar expansão no entorno da viaO professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen, reforça que para manter o novo traçado da BR-153 com um fluxo aceitável de veículos e sem a produção de congestionamentos é necessário cuidado ao longo da via federal. “O novo Anel Viário tem de ser feito com restrições de acesso, isolado da cidade e resistir ao apelo econômico de liberar construções ao lado. O novo trecho do anel viário tem de ser isolado da cidade tanto na construção quanto na operação”, afirma. Para ele, não basta se preocupar apenas com o trecho urbano que seria municipalizado, pois a nova rodovia federal, em um futuro próximo, poderia ter o mesmo destino da via atualmente próxima das cidades.-Imagem (1.2357681)