No início deste mês, quando auxiliava o pai idoso que se preparava para uma cirurgia, o professor doutor Laerte Guimarães Ferreira Júnior, de 55 anos, pró-reitor de Pós-Graduação da Universidade Federal de Goiás (UFG), percebeu que não estava bem. Resfriado e sentindo cansaço, decidiu fazer o teste para Covid-19 em um laboratório da instituição. “Fui informado de que, além de positivo, eu estava com uma carga viral muito grande”, conta ao POPULAR. Do dia 9 até a última segunda-feira (22), ele ficou internado no Hospital do Coração Anis Rassi, em Goiânia, oito dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), com 70% dos pulmões comprometidos, mesmo sentindo poucos sintomas.Em casa, convalescendo antes de retomar as atividades acadêmicas, ele fala da experiência de vivenciar uma doença ainda desconhecida e do privilégio de ter sido envolvido numa enorme rede de solidariedade. “Isso é muito gratificante. O que mais quero agora é agradecer às pessoas.” Laerte Guimarães se considera uma pessoa de sorte por ter adoecido num momento em que há muito conhecimento sobre a doença e protocolos consolidados. “Me dei conta do quanto eles evoluíram em tão pouco tempo. Há muita gente engajada. Me chamou a atenção o quanto os médicos estão estudando essa doença”, afirma.O pró-reitor, que ainda ficou quatro dias em casa após o resultado do teste antes de ir para o hospital, acredita que a asma, da qual sofre, pode ter influenciado em seu quadro. “Não sei o quanto a asma contribuiu, mas me chamou a atenção a rapidez da evolução. No primeiro exame de imagem meus pulmões estavam 50% tomados pela infecção e quando fui internado tinha atingido 70%. As radiografias mostraram um quadro devastador do meu pulmão e, ao mesmo tempo, meus sintomas foram leves. Sentia algum desconforto, mas não na mesma proporção”. Na UTI precisou usar uma máscara para receber oxigênio.PlanosLaerte Guimarães diz que aos poucos vai tomando conhecimento de tudo o que aconteceu aqui fora, da rede de amigos e familiares que correu contra o tempo para que ele ficasse livre da Covid-19. Ainda busca o momento de responder as mensagens que recebeu durante a internação e faz planos para um futuro breve. “Quero voltar ao hospital para agradecer pessoalmente a todos os profissionais tudo o que fizeram por mim”.Ele menciona profissionais que foram pontuais desde o início. “Foram pessoas que me monitoraram e me disseram o que deveria ser feito.” Entre eles estão os médicos Antônio Fernando Carneiro, diretor da Faculdade de Medicina da UFG e do Anis Rassi, e Hélvio Martins Gervásio, uma das pessoas que mais tem atuado junto aos pacientes contaminados pelo novo coronavírus e que precisam de cuidados em UTIs. Também foi muito presente a epidemiologista, professora do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP) da UFG, Cristiana Toscano. A professora foi a única brasileira indicada para compor o grupo de trabalho de vacinas para Covid-19 coordenado pela Organização Mundial da Saúde.Plasma“Fico imaginando o quanto fui beneficiado pela minha rede de conhecimentos e que a maioria das pessoas não tem essas oportunidades.” O professor soube da enorme mobilização nas redes sociais para que ele conseguisse plasma de convalescente da Covid-19 com anticorpos contra a doença, uma solução que vem sendo utilizada com sucesso em casos graves da doença. Por não se tratar ainda de um protocolo oficial, sua mulher, Maria Cristina, optou por não assinar o termo de autorização para que ele fizesse uso do soro. Por outro lado, houve também uma grande movimentação pela internet para a obtenção de um medicamento de última geração. “Vivi o lado positivo das redes sociais. Uma mobilização de pessoas que fez toda diferença.”Laerte Guimarães, que se considera um trabalhador inveterado – “férias para mim sempre foram um problema” – não vê a hora de retomar a função na UFG. Ele diz que o momento agora é de cuidar da saúde e da alimentação, o que não faz há anos. “Estou esperando uns dias para entender o pós-doença”, explica, antes de mencionar que está usando medicação para evitar coagulação e para melhorar a respiração. “Estou fraco e ainda tenho dificuldade para dormir”, diz, mesmo assim acredita que já, na segunda-feira (29), tenha condições de retomar suas atividades de forma remota, embora a recomendação médica tenha sido para repouso de 30 dias. “A UFG nunca parou”, diz professorQuando estiver de volta à UFG, Laerte Guimarães retoma os debates em andamento num grupo de trabalho criado para decidir sobre atividades acadêmicas remotas. “As discussões demandam tempo e energia, mas construções feitas na busca do consenso tendem a ser mais robustas.” Aos críticos sobre a ausência de aulas virtuais na UFG a partir da instalação da pandemia no Brasil, ele ressalta que a instituição nunca parou. “Essa crise sanitária teve um impacto muito grande na universidade. Num primeiro momento a UFG teve a preocupação de cuidar das pessoas, foi quando entramos no isolamento social. Já na semana seguinte montamos um grupo de trabalho para ver como poderíamos nos engajar nas ações de combate a Covid-19.O pró-reitor ressalta que foram várias frentes, com centenas de alunos e professores envolvidos. “Naquele momento não podíamos falar em aula porque precisávamos entender o que estava acontecendo. Foi extremamente bonito ver as pessoas se voluntariando. Partimos para conserto de equipamentos, fabricação de respiradores e de equipamentos de proteção individual (EPIs). A UFG foi a primeira instituição do Estado a montar uma plataforma com números, mapas e projeção da Covid-19. Agora, sim, está tendo uma ampla discussão sobre o retorno das aulas e já com aprovação do Conselho Universitário a retomada de algumas atividades, entre elas da pós-graduação.” Laerte Guimarães faz questão de enfatizar a complexidade da UFG. Somente na pós-graduação, com 8 mil alunos, 5% possuem dificuldades concretas, de equipamentos e de acesso a dados. “Precisamos encontrar uma solução para eles. Temos de enfrentar essa crise com o princípio da isonomia, a inclusão é um valor forte na UFG.” O pró-reitor estima que a crise estará totalmente vencida apenas em março de 2021. Os debates na UFG convergem para a retorno das aulas em agosto, mas de forma virtual.Para o professor, que quase perdeu a vida para a Covid-19, crise traz vulnerabilidades, mas também oportunidades de melhorarmos como pessoas, como nação e como país. “Se não fosse o Sistema Único de Saúde e as universidades estaríamos com cadáveres nas ruas. Espero que o País consiga se recuperar e refletir sobre tudo isso e começar uma reconstrução de valores. Experimentei muito o valor da solidariedade, me curei por isso. Está sendo muito importante dizer obrigado”.