A atual gestão da Prefeitura de Goiânia pagou em 19 meses cerca de R$ 576 mil em dez contratos sem licitação a uma empresa para realização de cursos sobre processos licitatórios ou ingresso de servidores públicos municipais em eventos sobre o tema. O valor já é 52% maior do que o contratado pela gestão anterior, entre 2017 e 2020. A Secretaria Municipal de Educação (SME) é quem mais acionou a empresa: seis vezes.Os temas dos cursos são semelhantes aos ofertados gratuitamente a servidores públicos de todos os municípios goianos pela Associação Goiana dos Municípios (AGM) com a participação de técnicos do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM-GO).O foco dos contratos tem sido a lei federal 14.133 (Nova Lei de Licitações), que entrou em vigor no ano passado e passa ser obrigatória a partir de abril de 2023. No momento, os órgãos públicos podem optar entre esta e a antiga, a lei federal 9.666, que no próximo ano completa três décadas.Em março, a Secretaria Municipal de Administração e Recursos Humanos (Semad) contratou por R$ 256 mil a Excelência para um curso presencial de dois dias sobre a elaboração de termo de referência para licitações. Foram quatro turmas que juntas somavam cerca de 200 servidores efetivos e comissionados de várias pastas da administração municipal, somando ao todo oito dias.Leia também:- Após mutirão inédito, Prefeitura conclui entrega de cestas básicas em GoiâniaTermo de referência é o documento elaborado a partir de estudos técnicos que caracterizam o objeto da licitação e subsidiam a justificativa para levar adiante o processo.Na época, a Prefeitura divulgou, em seu site, notícia destacando a presença da palestrante, autora de livros sobre o tema e presidente de um instituto em Minas Gerais sobre direito administrativo. “O objetivo é qualificar agentes públicos que lidam com compras na elaboração do termo, com destaque ao estudo da descrição do objeto, pesquisa mercadológica e principais elementos que compõem o documento”, informou.O curso mais recente foi contratado pela SME por R$ 38 mil. O extrato do contrato foi publicado nesta sexta-feira no Diário Oficial do Município. No documento não consta informação sobre o tema do curso, apenas que é para “atender as necessidades” da pasta, conforme especificações no termo de referência. É o mesmo que consta em todos os contratos assinados neste ano pela secretaria.O assessor jurídico da AGM, Sérgio Siqueira, diz que os cursos oferecidos no mercado são semelhantes aos gratuitos da associação e que estes ocorrem mensalmente. Inclusive, e principalmente, sobre as atualizações em decorrência da Nova Lei de Licitações. “É o mesmo conteúdo programático”, diz.Ainda segundo Sérgio, os cursos da AGM estão bem focados na nova legislação por se perceber que muitas prefeituras ainda não estão devidamente capacitadas para atuar com ela.Capital se destacaA Excelência Educação foi criada em janeiro de 2017 e desde então já fez 18 contratos com a administração municipal em Goiânia, sendo 8 deles na gestão passada, e outros também no interior. Com o governo estadual, foram localizados três: um com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), outro com a Saneago e o último com a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego).Os cursos e eventos realizados pela Excelência contam com a participação de técnicos de tribunais de contas e professores de instituições espalhadas pelo país, alguns deles com livros publicados sobre temas específicos de licitações.A empresa informou ao POPULAR que a inexigibilidade de licitação é prevista em lei “sempre que houver impossibilidade jurídica de competição” e que ao longo dos anos tem sido contratada por órgãos públicos de diversos locais e esferas. “Informamos que possuímos publicamente diversos atestados de capacidade técnica, que comprovam a nossa qualificação empresarial para se habilitar em qualquer contratação por meio da inexigibilidade.”Um dos sócios da Excelência, Edmilson Rodrigues, diz que em 2022 a demanda pelos cursos aumentou bastante por causa do prazo da nova lei de licitações. Segundo ele, a lei federal 14.133/21 tem 196 artigos que mudam vários aspectos do que se fazia na parte de planejamento, de licitação e de contrato e que o governo federal ainda não concluiu todas as 56 regulamentações necessárias.Edmilson também argumenta que a capacitação do servidores é uma exigência legal e a empresa tem profissionais com notória especialização no mercado. “A capacitação vai gerar também uma economia para as prefeituras”, comentou.Cursos “essenciais”A Prefeitura argumenta que a Semad tem uma escola de governo responsável por “oferecer cursos de qualificação e aperfeiçoamento para os servidores do município durante todo o ano, seja por convênios com outros órgãos ou por contratação de empresas especializadas”.Segundo a Prefeitura, os contratos são feitos sem licitação, por inexigibilidade – um mecanismo previsto na legislação – por levar em conta “a inviabilidade de competição na contratação de serviços técnicos com profissionais especializados”.“A empresa é detentora dos cursos oferecidos por profissionais especializados, que possuem notório saber em suas áreas de conhecimento, com experiência, domínio de conteúdo e atuações em funções específicas que atendem aos objetivos de aperfeiçoamento dos servidores do município”, informou o executivo.Em nota, a SME informou que os cursos contratados pela pasta, fora da Escola de Governo da Semad, servem para formar os servidores sobre a lei 14.133/21 e são essenciais para o desenvolvimento do trabalho interno. “Com a desatualização ao longo dos anos, os cursos de qualificação são imprescindíveis à SME Goiânia diante de seu orçamento executável e volume de contratações.”A secretaria também afirma estar atenta aos cursos de atualização oferecidos por órgãos de controle e outros fornecedores. Entretanto, com o tema sobre licitação, os contratos identificados pela reportagem são apenas com a Excelência Educação.Nas edições do DOM constam também dois contratos da Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg) com a Excelência Educação, no valor total de R$ 50,3 mil. Entretanto, a Prefeitura informou não haver esses contratos.