A Prefeitura de Goiânia conseguiu reverter decisão judicial que a obrigava a retirar até o final de agosto as pedras colocadas como bloqueio para pessoas em situação de rua que frequentam uma das laterais do viaduto da Rua 243 sobre o Marginal Botafogo, ao lado do Cepal do Setor Sul. O obstáculo, chamado de “arquitetura hostil”, está há mais de um ano e meio no local e foi alvo de uma ação protocolada pela Associação Estadual de Apoio à Saúde (AAS) em abril.A desembargadora Ana Cristina Ribeiro Peternella França acatou parcialmente recurso protocolado pela Procuradoria Geral do Município (PGM) contra liminar da juíza Patrícia Machado Carrijo, da 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos de Goiânia, e suspendeu no dia 28 de agosto a determinação para que as pedras fossem retiradas em até 60 dias, conforme havia determinado Patrícia em junho. O prazo havia vencido no dia 20 último.Ana Cristina aceitou argumento da PGM de que as pedras estão ali não para afastar a população em situação de vulnerabilidade, mas, sim, para reforçar a estrutura da obra do viaduto, “garantindo assim a segurança dos transeuntes e das próprias pessoas em situação de rua”.Entretanto, a desembargadora manteve as outras medidas decididas pela juíza, como o impedimento de instalação de novos obstáculos pela cidade e a retirada de qualquer tipo de bloqueio, como pedras e estacas, de outros pontos de Goiânia que tenham como intuito impedir o acesso de pessoas em situação de rua a espaços considerados públicos.O PGM usou quatro argumentos no recurso que a decisão de Patrícia, sendo que os três primeiros foram descartados pela desembargadora. Em um deles, a Prefeitura alegou que a AAS não teria legitimidade para entrar com este tipo de ação, mas Ana Cristina disse que tal análise deve ser feita inicialmente pela juíza e que não cabia isso no recurso que chegou a ela.No pedido feito à desembargadora, a PGM admite que a instalação de pedras culminou na retirada da população em situação de rua que vivia no local, mas afirma que a medida se deu “em razão da necessidade de reforço da base (do viaduto), a fim de garantir a segurança dos transeuntes da região e da própria segurança dos moradores de rua (sic), que estavam sob condição de risco”.Relatórios apontam vulnerabilidadeNo recurso, a PGM apresentou relatórios feitos pela secretaria municipal da área de assistência social apontando que em visita ao entorno do viaduto encontrou diversas pessoas em situação de rua, algumas delas fazendo uso de drogas e que estas relataram viver ali por questões envolvendo dívida com traficantes.O documento mais antigo é de 2016, relatando a presença de pessoas em vulnerabilidade no local. Foi feito um também no dia 3 de fevereiro do ano passado, no dia em que a Prefeitura colocou britas e pedras no local sob alegação de reforçar o muro de arrimo, na sustentação do viaduto. Em agosto de 2021, assistentes sociais voltaram ao local e encontraram pessoas em situação de rua mesmo com as pedras no local. Na ocasião, este grupo foi convidado a ir a uma das unidades da Prefeitura para hospedagem temporária, mas a proposta foi recusada.Em relatório feito em julho deste ano é dito que numa das abordagens no local, feita no dia 24 de agosto de 2021, foram encontradas duas famílias com duas crianças ao todo, somando 11 pessoas. Também é dito que uma equipe de assistência social esteve por último no dia 13 de julho de 2022 e foram encontrados no local barracas, colchões e outros pertences mesmo com as pedras ainda presentes.Não foi colocado no processo nenhum documento que comprovasse a necessidade de reforço na base do viaduto com a instalação de pedras.Críticas à “arquitetura hostil”Na decisão de junho, a juíza criticou a postura do executivo municipal em adotar obstáculos para impedir a circulação de pessoas em situação de rua e afirmou que é um sofrimento duplo desta parcela da população, que já sofre por não ter acesso ao direito a uma moradia. De acordo com ela, ficou claro na ação e nas respostas que o Executivo Municipal tem implementado a arquitetura hostil em viadutos “com a finalidade de impedir que as pessoas mais vulneráveis, ou seja, em situação de rua, possam ocupar referidos locais”.“Essas pessoas, cujos direitos e garantias fundamentais já vêm sendo negligenciadas pelo Poder Público, pela sociedade e pela família, resulta exatamente na situação de vulnerabilidade social e, assim, deve ser questionado o que se esperar do Município quando este, ao contrário de acolher a pessoa em situação de rua faz justamente o contrário, com a colocação de pedras nos viadutos da cidade (e demais ofendículos), através da chamada ‘arquitetura hostil’”, escreveu a magistrada em sua sentença há cerca de dois meses.