O sistema penal de Goiás está com déficit de tornozeleira eletrônica. O problema vem sendo exposto em processos judiciais contra investigados que ganham o direito de responder em liberdade. Pela falta do equipamento, é informado que a medida não pode ser cumprida de forma imediata, acarretando em fila não dimensionada.Um dos registros consta no processo contra o pintor e catador de materiais recicláveis Baltazar Campos David, de 41 anos, dependente químico que ateou fogo acidentalmente no viaduto da Avenida T-63, no Setor Bueno, na madrugada do dia 15 deste mês, fato que está em investigação. Apesar de conseguir liberdade provisória um dia depois do fato, ele só foi solto dois dias depois.Antes da soltura, a Diretoria Geral de Administração Penitenciária (DGAP) encaminhou um despacho informando que não havia disponibilidade de tornozeleira “e nem margem para instalação” do equipamento em Baltazar. “Pedimos vossa compreensão, e assim que houver possibilidade, atenderemos o presente pleito”, informou no documento.Em registro ainda mais recente está o caso de David dos Santos Sousa, de 31 anos, que morreu uma semana após ser baleado pela Polícia Militar, em Goiânia, durante uma abordagem. Ele havia sido preso em flagrante por lesão corporal no momento da ação e ficou na carceragem do Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo) por uma semana.Dois dias depois da internação, a Justiça havia decidido pela sua liberdade mediante o uso da tornozeleira. Após despacho que informou a falta do item, a Justiça ordenou que David ainda assim fosse solto, mesmo sem o equipamento, o que não chegou a acontecer em razão de sua morte.CrescimentoOs números do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) indicam que até dezembro de 2021 Goiás tinha 5.564 pessoas em monitoramento domiciliar. O número já era superior ao limite contratado pela DGAP, que tem contrato firmado para o fornecimento de até 4 mil aparelhos e, segundo a empresa responsável, já atingiu o limite para aditivos, tendo atualmente um total de 5 mil tornozeleiras.Em contato com a reportagem, inicialmente a DGAP havia admitido a falta do equipamento. Por nota, informou que a falha estaria sendo causada porque a empresa fornecedora estaria com problemas para receber insumos. A diretoria chegou a considerar que a questão teria relação com a pandemia da Covid-19. “Fato bem comum em praticamente todo o setor industrial brasileiro”, informava.Confrontados com a resposta da empresa Spacecom, responsável pelo fornecimento, que negou dificuldades, a DGAP mudou a versão e disse que, “atualmente”, não está com falta dos equipamentos.Ainda assim, a Administração Penitenciária informou que está com um processo de licitação em andamento para a contratação de mais de 3 mil tornozeleiras, o que irá representar um acréscimo de 75% do montante contratado originalmente. A previsão informada pela DGAP é de que até dezembro a contratação seja concluída.Na primeira resposta, quando admitiu o problema, a DGAP informou que por conta do alegado problema da fornecedora, “existe um lapso temporal entre a determinação judicial para a instalação de tornozeleira e a liberação do equipamento”, mas que “porém, há uma lista de espera em que serão contemplados todos os custodiados”.A empresa afirma em nota posterior que apesar da situação mundial com a falta de insumos, honra com o contrato. A Spacecom acrescenta que fornece mais de 5 mil unidades de tornozeleiras para que a administração estadual possa realizar eventuais manutenções.O presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Goiás, Alexandre Pimentel questiona a situação. “A OAB Goiás não concorda com a falha de estrutura estatal, que enseja situações dessa natureza e isso deve ser objeto de apuração”, considera o representante.A reportagem entrou em contato com a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), que informou estar realizando um levantamento das audiências de custódia para dimensionar a gravidade da situação.HistóricoO POPULAR noticia, desde 2017, que o Estado teve problemas para fornecer tornozeleiras em mais de um momento. As dificuldades sempre estiveram relacionadas com o não cumprimento de pagamentos para a fornecedora, que é a mesma desde 2014. Em 2018 a empresa contabilizava R$ 6,5 milhões em dívidas do estado. Os atrasos nos pagamentos chegaram a colocar em risco o fornecimento.O número de aparelhos insuficiente também é um problema de longa data. Em 2018 o POPULAR mostrou que diante da quantidade insuficiente dos itens, a Justiça começou a mudar a situação de detentos dos regimes aberto e semiaberto. Na época, aqueles em regime aberto poderiam deixar de ser monitorados e os do regime semiaberto poderiam ser colocados em prisão domiciliar.Nesta terça, o presidente da Spacecom, Savio Bloomfield, disse à reportagem que o Estado não tem dívidas com o atual contrato e que todos os pagamentos estão em dia. No entanto, o contrato anterior está judicializado pela falta de pagamento de aproximadamente R$ 3 milhões.DemandaA tornozeleira eletrônica foi regulamentada em 2010 como medida alternativa às prisões. A ferramenta pode ser usada tanto quando a pessoa está respondendo o processo em liberdade e ainda não foi condenada, como para o monitoramento do cumprimento de regimes como o aberto e o semiaberto.A alternativa busca aliviar a superlotação das prisões. Em Goiás a população carcerária dobrou de tamanho em nove anos, indo de 13.244 presos em 2013 para 26.365 no ano passado, conforme os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. De todo o montante registrado em dezembro de 2021, 5,5 mil demandavam o uso de tornozeleira.Leia também:- Polícia investiga três mortes de presos na CPP, em Aparecida de Goiânia- MP denuncia homem filmado atirando contra sogro em farmácia de Goiânia- Três presos são encontrados mortos dentro de celas da CPP, em Aparecida de Goiânia