O processo judicial que teria tido uma decisão comprada pelo padre Robson de Oliveira Pereira, a principal razão do pedido de prisão feito pela Polícia Federal (PF) na semana passada, segue tramitando no Judiciário, em duas instâncias. O religioso é investigado por supostamente ter pago R$ 750 mil como propina para três magistrados do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) para que uma decisão proferida em novembro de 2019 fosse favorável à entidade presidida por ele na época, a Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe).Dois anos após a 1ª Câmara Cível do TJ-GO ter dado razão aos argumentos da Afipe contra a cobrança de uma dívida de R$ 15 milhões, a parte cobradora, a Agropecuária Nova e Eterna Aliança, recorre no Superior Tribunal de Justiça (STF) contra a vitória da Afipe. Do outro lado, a associação religiosa pede na 2ª Câmara Cível a devolução de uma fazenda avaliada em R$ 37 milhões, embargada como garantia para o pagamento da suposta dívida.O suposto pagamento de propina foi revelado pelo programa Fantástico, da Rede Globo, no dia 21 de fevereiro, com base em perícia feita em um celular encontrado com o padre durante a Operação Vendilhões, pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) no segundo semestre de 2020. Ele tinha diversas conversas gravadas no aparelho, uma delas com o advogado Cláudio Pinho, no qual este detalha que teria se comprometido com três magistrados para conseguir reverter uma derrota na primeira instância que obrigava a Afipe a pagar a dívida.Esta suspeita de propina originou a abertura do inquérito 1.462, pedido pela subprocuradora da República Lindôra Araújo e autorizado pelo ministro Benedito Gonçalves no dia 23 de fevereiro. O padre deixou a gestão da Afipe em agosto de 2020.A Agropecuária cobra o pagamento de multa de R$ 15 milhões por descumprimento de um contrato firmado na compra de seis fazendas, aquisição com custo total de R$ 83 milhões. Para ter garantia de pagamento da dívida reclamada, a reclamante pediu a posse de um terreno da Fazenda Arrazoal, que segue embargada pela Justiça até hoje.Após novas derrotas ainda na segunda instância do TJ-GO, com recursos sendo negados, a Agropecuária entrou no STJ com um agravo em recurso especial no dia 28 de julho de 2020, afirmando que os magistrados goianos não levaram em consideração parte das provas. O pedido teve uma primeira decisão desfavorável proferida pelo ministro João Otávio Noronha em 24 de agosto de 2020, mas a defesa entrou com novos recursos. O processo passou para as mãos da ministra Maria Isabel Gallotti em outubro do ano passado e desde 20 de março está concluso para decisão dela.Devolução do terrenoJá a Afipe entrou com um agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo para que o terreno deixado como garantia fosse devolvido, uma vez que a cobrança da dívida foi cancelada pela 1ª Câmara Cível em novembro de 2019.O recurso da Afipe veio depois que na primeira instância foi negado o pedido sob alegação de que ainda há embargos em análise no STJ. Entretanto, a defesa alega que a tramitação do processo em Brasília não suspende a decisão de novembro de 2019 que anulou a cobrança da dívida, o que permite a devolução. Além disso, alega que a Afipe sofre com prejuízos por estar impedida de usufruir da fazenda embargada.Este novo recurso foi feito no dia 2 de fevereiro de 2021, inicialmente pelo advogado Cláudio Pinho, o mesmo que aparece na conversa flagrada pelo MP-GO.Dois dias depois, o juiz substituto Roberto Horácio Rezende nega liminar para a Afipe, alegando ser melhor esperar ouvir a Agropecuária e ter uma análise mais aprofundada do pedido. Ele respondia interinamente como relator do processo no lugar da desembargadora Amélia Martins de Araújo, que no dia 1º de março, 10 dias após a matéria do Fantástico, pediu para se afastar do processo por motivo de foro íntimo. Ela e Roberto são dois dos três magistrados que cuidaram da decisão de novembro de 2019 favorável à Afipe. Ambos negam qualquer pagamento de propina, colocaram seus sigilos bancários e fiscais à disposição na época em que a reportagem foi ao ar. Uma sindicância também foi aberta pelo TJ-GO e arquivada cinco meses depois.Nos oito dias seguintes, o processo passou por novas substituições. Alegando também motivo de foro íntimo, os dois relatores sorteados em seguida se recusaram a ficar com o processo. Só o desembargador Amaral Wilson de Oliveira aceitou levar adiante ao recurso. No dia 9 de março, a Afipe também substituiu o escritório de advocacia, saindo o de Cláudio Pinho.Parte não foi ouvidaNo dia 14 de junho, a 2ª Câmara Cível aprovou o recurso da Afipe e determinou a devolução do terreno, mas duas semanas depois a defesa da Agropecuária entrou com um recurso alegando não ter sido ouvida no processo. É que devido a um erro no sistema, os advogados antigos da empresa foram notificados e não os atuais, que haviam assumido o caso ainda no começo de 2020.“Pela simples análise processual, verifica-se a ocorrência de nulidade devido à falha na intimação da agravada (a Agropecuária) para apresentar contrarrazões ao recurso, bem como acompanhar o julgamento e a existência de erro de fato”, escreveu a defesa. “Ocorre que a referida intimação, realizada através de publicação no Diário Oficial, foi feita em nome dos antigos patronos da agravada, cujo mandado procuratório fora revogado em fevereiro de 2020.”No dia 27 de setembro deste ano, a 2ª Câmara Cível anulou a decisão e determinou que a defesa atual da reclamada fosse devidamente intimada. “Ao que se vê, procede a nulidade processual apontada pela embargante/exequente (a Agropecuária), haja vista que não constou os nomes das atuais advogadas constituídas na publicação referente à intimação da parte agravada, determinada pelo então Relator, para a apresentação das contrarrazões recursais”, escreveu Amaral Wilson.Ao apresentar o recurso alegando não ter sido ouvida no processo da 2ª Câmara Cível, a defesa da Agropecuária cita pela primeira vez nos processos envolvendo a cobrança da dívida o inquérito aberto por determinação do STJ após a divulgação do áudio pelo Fantástico.“(A defesa) Argumenta, nesse intento, que além do recurso de agravo em recurso especial, existem investigações em curso no Ministério Público Estadual e sindicância perante a Presidência deste egrégio Tribunal de justiça, conforme noticiado nas mídias e imprensa”, escreveu a defesa. Advogada não citou nova suspeitaAo POPULAR, a advogada Melina Lobo, que responde pela Agropecuária, diz que são diversos os documentos que demonstram que a Afipe não cumpriu os prazos estabelecidos nos contratos e por isso a multa deve ser cobrada. Não há prazo para julgamento no STJ, mas, segundo Melina, o voto já está pronto e pode ser lido a qualquer dia. A advogada afirma que a defesa não citou, ao STJ, a denúncia de suspeição dos desembargadores investigada pela PF. “Como é um recurso especial nós só podemos citar elementos do processo”, explica Melina, que acrescenta: “Nossa expectativa é que o recurso seja provido. Foram ignorados documentos importantes”. A reportagem procurou a defesa da Afipe no processo tratado nesta matéria. A advogada, porém, disse que não poderia se manifestar até consultar os clientes, não podendo responder dentro do prazo da reportagem, nesta segunda (22). Prisão em análiseO pedido de prisão contra o líder religioso feito pela PF ao STJ no último dia 16 ainda não teve uma decisão divulgada. Nesta segunda-feira (22), o advogado Cléber Lopes, que defende Robson, teve uma audiência com o ministro Benedito Gonçalves, que ainda analisa a demanda policial. A solicitação feita pelo delegado Bruno Calandrini apresenta uma versão maior da conversa gravada entre o padre e Cláudio Pinho, contextualiza-a e afirma que o diálogo prova que o pagamento foi efetuado.Além da prisão de Robson, a PF pede a de outras três pessoas, além de busca e apreensão nos endereços dos quatro e interceptação telefônica. Após a divulgação do suposto esquema de compra de decisão, o TJ-GO chegou a abrir sindicância para apurar o envolvimento dos magistrados na denúncia, mas o processo foi arquivado em julho.