Quase três meses após o início dos casos de Covid-19 em Goiás, a busca por um tratamento eficaz ou preventivo para a doença segue na população, que muitas vezes prefere adquirir e tomar medicamentos sem comprovação científica. A desinformação ou as informações contraditórias podem levar a um surto de doentes crônicos em razão da automedicação, alertam especialistas. Em Goiânia, a reportagem verificou em 20 farmácias como estavam as vendas ou procuras por medicamentos que passam por protocolos de pesquisa contra a contaminação do novo coronavírus (Sars-CoV-2) ou mesmo aqueles de iniciativa do cliente para a doença. Em apenas uma a resposta foi que não houve aumento da procura e nas outras a busca pelos remédios aumentou até quatro vezes ao que se tinha antes da pandemia.Farmacêuticos ou trabalhadores dos estabelecimentos ouvidos pelo POPULAR apontam que a cloroquina ou hidroxicloroquina ainda são os mais procurados pelas pessoas, muitas vezes como forma preventiva, ou seja, alegam não ter sintomas da Covid-19. No entanto, essa procura já foi maior no início da pandemia, chegando a zerar os estoques das farmácias quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não havia colocado a substância entre os itens controlados, que necessitam de prescrição médica. “Aqui antes chegava a vencer a cloroquina, ninguém comprava, depois vendeu tudo de uma vez”, conta a dona de uma farmácia do Setor Campinas.Atualmente, a cloroquina perdeu espaço para a ivermectina, um remédio utilizado normalmente para combater piolhos, por exemplo. Isso porque em meados de maio foi publicado um estudo feito em laboratório, na Austrália, com este medicamento que constatou a destruição do Sars-CoV-2 em até 48 horas. No entanto, o mesmo resultado já foi conferido para outros vírus, como HIV, dengue e Zika, sem a manutenção da eficácia ao ser utilizada a medicação em seres humanos. O fato foi suficiente para que a população passasse a comprar o remédio. Há também aumento na procura pelas vitaminas C e D, com as indicações de que ambas aumentariam a resistência do organismo humano ao vírus.Professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Mércia Pandolfo Provin ressalta que a automedicação tem um risco natural, mas que em casos como destes medicamentos a situação é pior porque as reações adversas, com efeitos cardíacos, são mais perigosas. “Toda vez que a gente usa uma medicação temos que pensar no benefício que ela pode nos dar. Todo remédio tem um dano e a gente mede isso para dosar a medicação. Nesse caso, o paciente fica apenas com o risco, sem a chance do benefício”, diz. Com isso, ela vê alto risco de parcela da população passar a ter doenças crônicas causadas pela automedicação.A gerente de uma farmácia no Setor Rodoviário conta que chegou a ter procura de 20 caixas de ivermectina por um mesmo cliente e, agora, o estabelecimento limitou a compra a duas caixas por pessoa. Ocorre que a ivermectina é o único dos medicamentos apontados como capazes de destruir o novo coronavírus que não há controle para a venda, o que ampliou a corrida às farmácias, pois há o impedimento de adquirir a cloroquina e o antibiótico azitromicina.Presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de Goiás (Sincofarma), João Aguiar Neto, que possui farmácia no Setor Santo Hilário, conta que as falas do presidente dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, sobre a cloroquina reforçou a procura pelo medicamento. Ele acredita que o aumento ou não desta procura sempre ocorre de acordo com a divulgação de determinadas informações. Depois desta alta houve diminuição por, segundo ele, falas de especialistas informando sobre a falta de comprovações científicas quanto ao uso do medicamento para a Covid-19. No seu estabelecimento, ele diz que a cloroquina tinha uma procura de quatro clientes por mês e que chegou a um pico de 150 no mesmo período no começo da pandemia. Com as regras para a aquisição do medicamento, a procura diminuiu, mas Aguiar Neto afirma que ainda há cerca de 70 clientes por mês querendo a medicação. Correria nunca foi tão intensa, diz farmacêuticaA professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Mércia Pandolfo Provin, conta que sempre que há um risco de saúde, mesmo com surto de determinada doença, é natural que as pessoas procurem a prevenção ou o tratamento. “Sempre tem o pânico, mas nunca foi tão grande assim. Talvez porque nunca foi necessário esse isolamento também, mas com o H1N1 também teve pressão, tanto que no Brasil foi necessário regular o Tamiflu”, afirma sobre o medicamento usado contra a Influenza A, que causou pandemia em 2009. O farmacologista e diretor secretário do Conselho Regional de Farmácia de Goiás (CRF-GO), Daniel Jesus de Paula, diz que em uma medicação há não só a questão do tipo, mas também da posologia e o período de uso. “Quanto mais toma, mais perigo tem. Existe um ideal de quantidade, período, tipo e menor custo para a comunidade. Temos de lembrar que essa pessoa está tirando remédio de quem de fato precisa, são medicamentos já utilizados para outras doenças”, reforça. Ele acredita que as discussões políticas têm descredenciado a questão científica para a Covid-19.Até por isso, a Faculdade de Farmácia da UFG criou um centro de informação para a população, que funciona a partir do WhatsApp (3209-6297). No serviço, professores da área respondem dúvidas sobre a Covid-19. Mércia conta que a maior parte dos questionamentos tem sido sobre as formas de contaminação e, mais recentemente, de diagnóstico, devido a chegada dos testes rápidos às farmácias. “Mas a ideia surgiu por esses problemas de desinformação, dos efeitos colaterais dos medicamentos também”, diz.