À frente do primeiro Centro Excelência de Inteligência Artificial (Ceia) do País, o professor doutor Anderson Soares, da Universidade Federal de Goiás (UFG), é um dos seis pesquisadores brasileiros indicados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia para integrar, pelos próximos dois anos, o Comitê de Governança de Dados da Aliança Global de Inteligência Artificial, ação desencadeada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O movimento visa a criar e recomendar diretrizes de boas práticas nos sistemas de inteligência artificial, respeitando os valores éticos, morais e sociais.O comitê, que reúne representantes de países de todo o mundo, independentemente de serem ou não membros da OCDE, já realizou três rodadas de discussões. No Brasil, além dos seis pesquisadores, o Ministério das Relações Exteriores também marca presença. Para o professor, que é goiano de Catalão, a sociedade precisa entender que o mundo passa por uma nova revolução industrial. “Temos a mudança da forma de trabalho, com a extinção de diversos empregos e a criação de outros. É preciso criar políticas para lidar com essa questão.”O docente da UFG ressalta que a iniciativa da OCDE visa também o aumento da competitividade dos países no desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA). No Brasil, acredita Anderson Soares, o comitê poderá recomendar alterações na Lei Federal 14.129, publicada no fim de março, que dispõe sobre princípios, regras e instrumentos para o aumento da eficiência pública, o que envolve a transformação digital. O presidente Jair Bolsonaro vetou o parágrafo 3, do artigo 29, que estabelecia a cobrança pelo uso de dados públicos acessíveis via acesso à informação. Para o professor, na prática o mecanismo inviabiliza soluções que consomem dados públicos.“Para alcançar o desenvolvimento e treinar algoritmos de IA, uma grande quantidade de dados (big data) é necessária. Os dados incorporados em um determinado produto não são ‘propriedade’ dos detentores dos direitos autorais, mas esses podem criar impedimentos para acessar e usar essas informações em um contexto digital. A função do comitê é mapear e prever a adoção de recomendações internacionalmente aceitas, avaliar os benefícios e riscos da diferença entre as jurisdições, identificar os instrumentos jurídicos apropriados e as organizações que seriam mais eficientes para alcançar uma abordagem harmonizada,” afirma Anderson Soares.A necessidade de uma governança em IA é tema recorrente. Em 2018, a renomada pesquisadora de cibertecnologias emergentes, a norte-americana Eleonore Pauwels publicou um texto no site do Fórum Econômico Mundial com esta preocupação. “O sistema multilateral precisa ajudar a construir, com urgência, um novo contrato social para garantir que a inovação tecnológica, em particular a inteligência artificial, seja implantada de maneira segura e alinhada com as necessidades éticas de um mundo globalizado”, disse ela. Para Eleonore, formas coletivas e colaborativas de governança podem ajudar as tecnologias orientadas para IA a manter a estabilidade global.Em maio de 2019 a própria OCDE publicou uma série de orientações lançando bases éticas para o desenvolvimento, uso e aplicação da IA. O coordenador do Ceia concorda e exemplifica o caso das substituições dos cobradores do transporte coletivo por catracas eletrônicas. “Houve uma preocupação em qualificar essas pessoas que perderam o emprego? Precisamos mostrar que somos organizados para minimizar os efeitos desta revolução”, afirma Anderson Soares.Em agosto do ano passado, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) anunciou que estava elaborando o documento Éticas em Inteligência Artificial, uma espécie de cartilha de recomendações para o uso consciente de IA. Único brasileiro envolvido no projeto, o professor da Universidade Federal do Rio Grande Sul, Edson Prestes citou as fake news em entrevista ao Canaltech. “Elas são uma violação clara aos direitos humanos, à nossa liberdade de expressão, ao nosso respeito e à nossa dignidade.” Para o pesquisador, noticias falsas influenciam a informação que o cidadão recebe e impacta em suas decisões.ResultadosAnderson Soares acredita que o convite para integrar o comitê se deu pelo trabalho feito a partir da UFG. Com 250 pesquisadores contratados, o Ceia já atraiu investimentos da ordem de R$ 40 milhões, 70% deles de empresas de fora de Goiás. “Isso mostra que estamos fazendo a diferença também na economia digital, não somente na agroindústria.” Ele ressalta que muitas dessas empresas se instalaram em território goiano para ficar mais perto do Ceia. “Estamos ajudando na geração de empregos.”A UFG criou em 2020 a primeira graduação de IA do País. Os 40 estudantes selecionados pelo Sistema de Seleção Unificada para o curso já a partir do primeiro ano participam do desenvolvimento de projetos tecnológicos inovadores e recebem bolsas que oscilam entre R$ 600 e R$ 3 mil. “Conseguimos isso com as empresas, o que é importante porque libera a UFG para cuidar de outros cursos que não possuem este tipo de acesso.” Anderson Soares lembra que o Brasil passa por um momento difícil, com índice elevado de desemprego, mas por outro lado tem uma carência colossal de profissionais de tecnologia.