Um projeto da Universidade Federal de Goiás (UFG) pode colocar o estado como um dos importantes desenvolvedores de pesquisa sobre o petróleo sintético. O combustível é alternativa à fonte fóssil que é uma das responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa (GEE) e, consequentemente, associado à crise climática.O escopo da iniciativa prevê que o Instituto de Química (IQ) da UFG trabalhe com técnicas que permitam a utilização de biomassa renovável, material abundante no estado, para a produção de crude. Esta é uma substância que pode ser refinada para a produção de gasolina, querosene (QAV), diesel ou gás, a depender das composições moleculares presentes na mesma.Coordenador do projeto, o engenheiro químico Christian Alonso explica que o processo envolve o uso de catalisadores de cobalto ou de ferro e um reator, onde o hidrogênio (H2) verde e o monóxido de carbono (CO) provenientes de uma fonte orgânica de biomassa renovável são convertidos no crude. “A partir desta mistura na presença do catalisador, sob pressão e temperatura adequadas, a gente reconstrói as moléculas obtendo toda a distribuição de tamanhos de cadeia de carbono no crude”, explica.A variedade de cadeias de carbono faz com que seja necessário, a partir daí, o refino do crude, assim como é feito com o petróleo convencional. Conforme o professor, não é possível produzir uma molécula específica, mas sim uma mistura delas.O processo para conversão de H2 e CO no crude recebe o nome Fischer-Tropsch, tendo sido inventado em 1925 pelo químico alemão Franz Fischer e pelo químico checoslovaco Hans Tropsch. Esse conhecimento foi aplicado durante a Segunda Guerra Mundial pelos alemães para a produção de combustível para as máquinas empregadas nas batalhas. O H2 verde, que é um vetor energético, é obtido por meio de processos de baixo impacto ambiental. Esse mecanismo já foi tema de teses de mestrado e doutorado na UFG, além de ser um campo de experiência do coordenador.Ainda que a técnica básica tenha surgido há muito tempo, as pesquisas continuam, inclusive em outras universidades no Brasil, diz o coordenador do projeto, para que o processo ganhe escalabilidade e se torne mais barato e eficiente.Conforme Alonso, o escopo do projeto prevê o aproveitamento de biomassas oriundas de resíduos em fase líquida. “Eu posso utilizar rejeitos da produção do biodiesel, da indústria do etanol ou até a água contaminada de uma Estação de Tratamento de Esgoto”, cita algumas possibilidades. Embora não haja um levantamento específico da quantidade destas fontes, elas podem ser encontradas com fácil acesso e em abundância devido às características da economia de Goiás.Embora os estudos se dediquem ao uso de matérias na fase líquida, a produção do petróleo sintético pode ser realizada por meio de muitas outras fontes, como rejeitos de aterro sanitário, esterco e metano (biogás), um GEE extremamente danoso ao meio ambiente, quando não tratado adequadamente. Ele é produzido na decomposição de matéria orgânica em lixões, por exemplo. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg), uma iniciativa do Observatório do Clima, apontam que em Goiás, em 2020, 68% das emissões do estado foram provenientes da agropecuária. O número expressa parte do potencial do estado.Meio ambienteUm dos pontos que pesam a favor do projeto é a sustentabilidade. Como há o aproveitamento de material que seria descartado ou teria usos menos nobres, abre-se a possibilidade de reduzir a geração de resíduos e diminuir a emissão de gás carbônico.O Acordo de Paris, firmado em 2015, é um dos impulsionadores de iniciativas como a da UFG. O texto assinado por 195 países tem o objetivo de conter o aumento da temperatura média do Planeta abaixo de 2°C, preferencialmente em 1,5°C. A Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC, na sigla em inglês) do Brasil firmada para atingir a meta global estabelece redução de 37% nas emissões até 2025 com base nos valores de 2005. Em 2030 a diminuição deve alcançar 43% sobre o mesmo ano base. Na Cúpula de Líderes sobre o Clima, organizada pelo presidente norte-americano Joe Biden, em 2021, o presidente Jair Bolsonaro antecipou em 10 anos o objetivo de neutralidade nas emissões, ficando para 2050.Resultados devem vir em 18 mesesOficialmente a iniciativa começou em 1º de março deste ano. Neste momento, estão sendo feitas cotações para a aquisição de equipamentos e a preparação de laboratórios na UFG. A expectativa do coordenador do projeto, Christian Alonso, é que os primeiros resultados possam ser apresentados em 18 meses a contar do pontapé oficial.A data inicial refere-se à assinatura do convênio firmado entre a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, por meio da Deutsche Gesellschaftfür Internationale Zusammenarbeit GmbH (GIZ), e a UFG, com o apoio da Fundação Rádio e Televisão Educativa e Cultural (RTVE).Ao longo de dois anos, está previsto um aporte de 760 mil euros, R$ 3,87 milhões aproximadamente considerando a cotação da última quinta-feira (14). Em cerca de 5 meses, os laboratórios devem ser equipados e os envolvidos na pesquisa treinados. Entre o grupo de professores e alunos do Programa de Pós-Graduação da UFG envolvidos, apenas dois serão remunerados. Eles devem ser contratados na condição de bolsistas de pós-doutorado.O projeto faz parte das ações desenvolvidas pelos governos da Alemanha e do Brasil para a produção de combustíveis que sejam alternativos aos de origem fóssil. O foco deve ser a aviação. O motivo é que enquanto carros têm um caminho mais avançado para se livrarem do petróleo, com a eletrificação, o mesmo não acontece com as aeronaves.O volume e o peso das baterias, entre outros percalços, dificultam o caminho para voos que emitam menos poluentes.Alonso sustenta que durante a execução deste projeto outras parcerias devem ser buscadas para a continuidade dos trabalhos, mesmo após cessar o prazo da cooperação com a instituição alemã.No entanto, para ele o legado mais importante da iniciativa é a disseminação de conhecimento. “O mais importante é esta possibilidade de oferecer isso para os nossos alunos, para a formação de recursos humanos possibilitando que eles tenham acesso à pesquisa sobre combustíveis alternativos, renováveis e neste contexto global”, celebra.Leia tambémMonitoramento climático mais detalhado no Cerrado- Pesquisa mostra que aulas presenciais aumentaram estresse dos alunos- Temperatura média em Goiânia sobe 1,2° C em 30 anos