Os 135 bilhões de litros de água que compõem o Reservatório do João Leite, na região metropolitana de Goiânia, precisam, afirmam especialistas, de um olhar atento e cuidados técnicos em afluentes do ribeirão para que o recurso esteja disponível em quantidade e qualidade. Eles sustentam que apenas a desistência da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Semad), divulgada nesta sexta-feira (22), de dar fim à proposta de liberação para lazer no local não é suficiente para a preservação.Leia também:Lazer no João Leite vai afetar toda a bacia do Meia Ponte, alerta comitêGoverno estadual desiste de liberar barragem do João Leite para exploração turísticaApós críticas, Caiado mandou Semad desistir de proposta de turismo na barragem do João LeiteLago do João Leite pode ser liberado para lazerOs especialistas defendem que deve haver a conservação ambiental e a execução de um programa de monitoramento, incluindo os afluentes do Ribeirão João Leite a jusante da barragem. Neste raio estão municípios como Teresópolis, Goianápolis, Campo Limpo e Ouro Verde. “Se o reservatório fosse para hidrelétrica, poderia fazer uso recreativo, mas este é para abastecimento, não se recomenda fazer os usos múltiplos”, disse ao POPULAR o engenheiro eletricista e especialista em Hidrologia e Recursos Hídricos, Marcos Correntino, que acrescenta, “aquilo ali tem de cuidar com o máximo de cuidado”.Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Meia Ponte (CBH Meia Ponte). Fábio Camargo acrescenta que a proteção ao reservatório também passa pela preservação das nascentes dos afluentes do ribeirão e deve-se impedir a degradação das áreas de preservação permanente (APP). “É importante também que nas fazendas sejam feitas as curvas de nível para que o manancial não seja assoreado. O que acontece muito quando chove é que a terra das áreas se deslocam para dentro do manancial.”Correntino foi presidente do CBH Meia Ponte e explica que o possível uso do reservatório como lazer poderia implicar no aumento do custo do tratamento da água. “Tem o protetor solar, a urina, aumenta a queda de folhas no lago, começa a haver desmatamento fora do normal. É difícil você ter contemplação sem ter outras atividades, como quiosque para alimentação e sanitários. Estes dejetos, dependendo do desnível, podem contaminar o manancial”, preocupa-se. A Saneago se posicionou para manter o Reservatório do João Leite exclusivamente para abastecimento público.Conforme mostrou O POPULAR na última quarta-feira (20), a eventual liberação do lazer no reservatório do João Leite poderia afetar toda a bacia do Meia Ponte, na qual o manancial está inserido. Ela abrange 29 municípios onde estão cerca de 2,6 milhões de pessoas, ou seja, aproximadamente 30% da população de Goiás.RecuoA possibilidade de exploração turística no reservatório caiu nesta sexta-feira e a decisão partiu do governador Ronaldo Caiado (UB) após ser informado da repercussão negativa da proposta.O deputado estadual Virmondes Cruvinel (UB) afirmou que esteve com o governador na noite da última quinta-feira (21) e ouviu dele que o uso dos recursos hídricos do reservatório seria exclusivamente para o abastecimento da região metropolitana de Goiânia. “Ele disse que também teve acesso a estas informações da consulta pública, vendo este mesmo norte definiu isso e avisaria junto à Secretaria do Meio Ambiente que a prioridade seria exclusivamente para o abastecimento e não para o espaço para lazer”, afirmou.A proposta estava em discussão por meio de uma consulta pública, disponível no site da Semad. Ela foi formalizada no Plano de Uso Público (PUP). O texto previa a possibilidade de natação, standup padle, tirolesa, caiaque, remo e aquaball. Além deste documento, o espaço aberto à opinião da sociedade inclui os planos de manejo dos parques estaduais João Leite (PEJol) e Altamiro de Moura Pacheco (Peamp), ambos no entorno do reservatório, entre Goiânia e Teresópolis de Goiás.RepercussãoAs manifestações contra ganharam corpo na audiência pública realizada na segunda-feira (18) no Centro Cultural Oscar Niemeyer. A grande maioria das pessoas presentes - cerca de 50 - e das que acompanhavam virtualmente - aproximadamente 80 - se posicionou pelo fim da ideia. Organizações civis, especialistas em meio ambiente e técnicos sanitaristas estavam presentes e apresentaram os argumentos mais contundentes.Na audiência pública, parte das manifestações contra o lazer no reservatório viam a liberação como um passo inicial para que outras atividades de maior impacto tivessem início.Apesar do anúncio da desistência feito pela manhã, a consulta ainda estava disponível no site da Semad na noite desta sexta-feira. A região do reservatório é alvo da cobiça do mercado imobiliário. (Colaborou Márcio Leijoto)Semad afirma convergênciaNa nota que comunicou a desistência do lazer no reservatório, a Semad explicou que a decisão “foi tomada em convergência com a manifestação e consenso da maioria, ouvidos técnicos e especialistas.” A reportagem solicitou uma entrevista com a titular da Semad, Andréa Vulcanis, mas a assessoria de imprensa respondeu que ela não iria mais falar do assunto. Andréa Vulcanis não compareceu à audiência pública. Ela foi representada por uma servidora, embora na agenda dela, disponível no site da Semad, constasse apenas “despachos internos” nos períodos de 8h às 12h e 14h às 18h daquele dia. A Semad também deixou questionamentos em aberto a respeito da proposta que foi tema de matérias do POPULAR durante toda a semana. Nesta sexta-feira, a reportagem indagou o motivo da ausência da secretária no evento, mas não houve resposta.Com a entrevista negada, a reportagem questionou a assessoria de imprensa. Foi perguntado se com a desistência do turismo no local os planos de manejo continuariam em discussão ou readequados. Não houve resposta até o fechamento da reportagem.RMG depende de ribeirão até 2040O Ribeirão João Leite fornece água para aproximadamente 66% de Goiânia e Aparecida, municípios da Região Metropolitana de Goiânia (RMG). O outro manancial que completa o total é o Rio Meia Ponte. A importância dele tende a crescer até 2040, para quando é projetada uma população atendida de 3,2 milhões de habitantes. Este é mais um motivo para a defesa da preservação de todos os mananciais que alimentam o Ribeirão João Leite. O Sistema Mauro Borges/João Leite engloba a Barragem João Leite, a ETA Mauro Borges e a ETA Jaime Câmara. Elas têm capacidade de tratamento de 4.000 l/s e 2.000 l/s, respectivamente. A primeira não opera com a capacidade total porque não há demanda, conforme a Saneago. Ainda assim, ela complementa o Sistema Meia Ponte com 800 l/s. A interligação é feita por meio de uma adutora.Se observados os aspectos geográficos, o Sistema Mauro Borges/João Leite faz o atendimento das regiões Leste, Central, Sul e Sudeste e de parte da região Norte, que tem no Meia Ponte um de seus fornecedores do recurso hídrico.O Sistema Meia Ponte, informa a Saneago, utiliza a água do rio com captação direta, ou seja, sem reservação, e estação de tratamento de água (ETA). Ele tem capacidade para beneficiar 2 mil litros por segundo (l/s). O recurso atende principalmente as regiões Norte, Noroeste e Sudoeste de Goiânia. Nos momentos mais críticos da estação seca, ele recebe reforço do Sistema Mauro Borges.A obra da barragem do João Leite foi iniciada em 2002 e concluída em 2009, com investimento de R$ 154 milhões. Hoje, conforme a Sala de Situação da Saneago, há 98% da capacidade preenchida. No ano seguinte começavam a ser feitas a Estação Elevatória de Água Bruta e a ETA Mauro Borges. A conclusão foi em 2019 com custo de R$ 330 milhões.Conforme a Saneago, a água tratada dos três sistemas chega a 99,5% da população urbana.Como a implantação de sistemas de abastecimento são demoradas, pela complexidade do processo, que envolve estudos, levantamento de impactos ambientais, recursos financeiros e grandes obras, a Saneago já busca alternativas para o abastecimento público da RMG.