Em 2021, mais de 35 mil estudantes da rede estadual de educação em Goiás não renovaram matrículas nem solicitaram transferência para outras escolas. Os dados indicam a quantidade de alunos que figura na lista de evasão escolar, ou seja, os que optaram por não dar continuidade aos estudos. O volume, apesar de alto, foi considerado positivo pela Secretaria de Estado de Educação em Goiás (Seduc), visto que é 47,5% menor que o registrado no ano passado, quando 68.063 alunos evadiram das escolas. De acordo com Seduc, o levantamento foi realizado com base no número de matrículas. De 2020 para 2021, foram exatos 35.696 estudantes. Além da evasão, há ainda os alunos que configuram dentro do abandono escolar, ou seja, que deixaram a escola, mas se matricularam novamente no ano seguinte. Neste caso, 2020 contabilizou mais de 9 mil nesta condição em Goiás. Gerente de Avaliação da Rede Estadual e Estatísticas Educacionais da Seduc, Márcia Maria de Carvalho Pereira afirma que analisar os dois indicadores – evasão e abandono escolar - é importante para que o Estado possa redefinir ações e desenvolver estratégias para a melhoria do acesso à educação básica. Para ela, há relação direta com as ações da chamada busca ativa que foram promovidas e ampliadas nos últimos anos. Em março de 2020, logo no início da pandemia, a Seduc lançou um painel de monitoramento pelo qual é feito um levantamento periódico da frequência dos estudantes e do acesso deles às aulas não presenciais. A pasta explica que as unidades escolares entram em contato com alunos ausentes há mais de 14 dias. Maria Julia Azevedo é gerente de Implementação de Projetos do Instituto Unibanco. A instituição, que não possui fins lucrativos, tem parceria com seis Estados, incluindo Goiás, a fim de melhorar a qualidade do ensino público. Ela avalia a redução na evasão escolar em Goiás como positiva e diz que é fruto de um esforço conjunto entre professores, gestores e técnicos. “A secretaria aplicou questionários com os diretores de mais de 900 escolas da rede sobre a atual relação dos jovens e suas famílias com a escola, com o objetivo de identificar as maiores dificuldades encontradas pelas escolas para manter o vínculo com estudante e mapear ações de busca ativa com resultados positivos”, afirma Maria Julia. Entre os exemplos positivos, Maria Julia Azevedo cita o Colégio Estadual Pedro Neca, localizado em Aparecida de Goiânia, que criou o Dia do Resgate. Neste dia, professores não colocam atividades na plataforma e ficam on-line para tirar dúvidas ou resolver as demandas trazidas pelos estudantes. Além disso, também realizam visitas nas residências daqueles que não conseguem acessar a plataforma e organizaram um serviço de call center executado por uma professora, que liga com frequência para todos os estudantes da escola. “Após a implementação da busca ativa na escola, a participação dos estudantes no ensino remoto aumentou de 50% para 95%”, pontua a gerente.Em Goiás, a estratégia da Seduc foi distribuir cestas básicas. Durante a entrega presencial dos kits, as equipes pedagógicas questionam os pais sobre a participação dos estudantes nas aulas. “Essa ação tem resgatado muitos alunos e melhorado a relação de parceria escola/família. Nesse momento, também são entregues as atividades impressas, tanto do aluno resgatado como dos estudantes que não têm acesso à internet”, explica a superintendente de Organização e Atendimento Educacional da Seduc, Patrícia de Morais Coutinho. “Para muitos, a alimentação na escola cumpre um papel importante na segurança alimentar”, avalia o coordenador de políticas educacionais do movimento Todos pela Educação, Ivan Gontijo. Ivan diz que a estratégia em Goiás é válida, mas que sozinha não é suficiente. “Temos de olhar os dados de Goiás com muito cuidado. Não pode ser vendido como uma super conquista porque a tendência em todo o País é de aumento. O que temos de observar, na realidade é: quando as aulas voltarem presencialmente, será que o número de alunos permanece? Não adianta nada o aluno estar pegando as cestas, mas quando as aulas voltarem ele não retornar à escola. Os impactos deste período de pandemia são muito grandes”, completa. Conselho tutelar Patrícia de Morais, da Seduc, explica que uma das últimas alternativas inclui acionar o Conselho Tutelar. “No momento em que a escola identifica que o aluno está com baixa frequência ou deixou de frequentar, o gestor da escola entra em contato com o Conselho Tutelar. Isso depois de ele ter feito todas as ações: contato por telefone; ir até a casa do estudante, procurar a família”, pontua a superintendente. Dados questionados O Tribunal de Contas do Estado (TCE) realizou um levantamento sobre o assunto e no documento, questiona alguns pontos da busca ativa dos estudantes. Segundo o relatório, assinado pelo conselheiro Saulo Marques Mesquita, diz que o Painel de Monitoramento traz o quantitativo de alunos que não está participando das atividades, mas não é possível identificar qual/quem é esse aluno. “A identificação desses alunos é uma condição que oportuniza uma atuação concreta e particularizada junto aos alunos infrequentes, buscando extrair deles as causas desta infrequência e/ou evasão para, dessa forma, proceder a respostas adequadas”, diz o relatório. A professora Míriam Fábia Alves, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) diz que a queda do registro de evasão é importante, mas ressalta que os números ainda são altos e que outros dados precisam ser levados em consideração. “Precisamos ponderar se a diminuição da evasão ocorre de forma proporcional para ensino fundamental e médio. Caiu entre os mais pobres? Entre os estudantes marcados pelos critérios de cor? Com certeza a pandemia deve ter marcado muito a desistência de estudantes com maiores dificuldades para acessar a escola. É o que mostram todas as pesquisas”, finaliza. Estudante emite alertasCoordenador de políticas educacionais do movimento Todos pela Educação, Ivan Gontijo diz que alunos de evasão e abandono dão sinais ao longo do período letivo. “Geralmente repetiram muitas vezes ou não são tão engajados com a comunidade escolar”, completa. Gontijo também aponta o ingresso precoce ao mercado de trabalho como fator importante, principalmente para alunos do ensino médio, geralmente para ajudar a renda familiar. Neste momento pandêmico, ele cita ainda a migração para o ensino remoto, bem como a vulnerabilidade de famílias com menor condição financeira. “O terceiro ponto vivido agora é uma crise econômica sem precedentes que amplia tudo isso”, finaliza.Unicef aponta dano ainda maiorUm relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta dados ainda maiores englobando em todo o Estado (escolas municipais, estaduais, particulares e conveniadas), crianças e jovens fora da escola em 2021. Os dados compilados de abandono e evasão indicam que em Goiás são mais de 123 mil, com idade entre 6 e 17 anos. No ano passado, o primeiro da pandemia do coronavírus (Sars-CoV-2), eram mais de 54 mil com idade entre 4 e 17 anos. A conclusão do estudo é que entre os reflexos da Covid-19 está o agravamento de uma situação já problemática no país. De uma forma geral, a maior parte dos alunos que deixa a escola, seja retomando no ano seguinte, ou não, envolve jovens com idade entre 15 e 17 anos. O relatório divulgado pela Unicef também mostra que há relação alta entre a pobreza e a exclusão da escola. “Apenas 9,9% dos que estavam fora da escola e tinham de 4 a 17 anos em 2019 vivem em famílias com mais de um salário mínimo per capita; 90,1% vivem em famílias com renda familiar per capita menor que um salário mínimo. Desses, 32,3% em famílias com até um quarto do salário mínimo de renda familiar per capita, 29,6% entre um quarto e a metade e 28,2% de meio até um salário mínimo per capita.”, diz o documento. Gerente de Implementação de Projetos do Instituto Unibanco, Maria Julia Azevedo afirma que com a queda brusca da atividade econômica, o desemprego aumentou e, consequentemente, pioraram as condições dos estudantes e das famílias. “Muitos estudantes terão de trabalhar para ajudar a complementar a renda da família”, completa. Zenaide Dourado dos Santos, de 41 anos é auxiliar de serviços gerais, mas está sem emprego formal. O marido é pedreiro, também sem trabalho. O casal tem dois filhos que deixaram a escola: Igor da Silva, de 18 anos e Geovanna Dourado Alves, de 16. Ambos ajudam os pais em bicos. “Ficou muito difícil ir à escola e buscar as tarefas. Também mudamos de setor e ficou ainda mais longe. Eles perderam o ano passado e creio que vão perder todo este ano de novo”, explica a mãe. Os dois estudavam em uma escola municipal em Senador Canedo, cidade da Região Metropolitana de Goiânia. -Imagem (1.2244128)