A Prefeitura de Goiânia precisa que a Câmara Municipal aprove antes do recesso a autorização do repasse de R$ 30,7 milhões para a Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia (Comurg), caso contrário, se a votação do pedido ocorrer só após a volta aos trabalhos, em fevereiro de 2023, existe um grande risco de os serviços feitos pela companhia – principalmente os de limpeza urbana, coleta de lixo e manutenção do aterro sanitário – começarem a ser interrompidos.A informação foi confirmada ao POPULAR por três fontes do executivo municipal e da companhia. Oficialmente, o repasse foi decidido durante assembleia geral extraordinária da Comurg, no dia 19 de abril, como um “aumento do capital social” no valor R$ 30.771.425,08 e o recurso viria de um suposto excesso de arrecadação da Prefeitura neste ano, não afetando nenhuma pasta da administração.Entretanto, conforme a reportagem apurou, a transferência foi uma solução encontrada pelo executivo para conseguir repassar no curto prazo este montante e reduzir o déficit que a companhia tem acumulado mês a mês. A situação teria se complicado na atual gestão após atuação do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e da Agência de Regulação de Goiânia (AR), a primeira por cobrar maior rigor nos repasses feitos à companhia e o segundo por conseguir precificar os serviços realizados.A Comurg é uma empresa pública mista contratada pela Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) para prestação de serviços como limpeza urbana, coleta de lixo, manutenção do aterro sanitário e de espaços públicos, como praças e parques. O déficit mensal, entre o valor do serviço efetivamente executado e os gastos que a estatal têm, giraria em torno de R$ 6 milhões em média.Na gestão do prefeito Rogério Cruz (Republicanos), a Comurg passou a assinar contratos para outros tipos de serviços, inclusive com outras pastas, como revitalização da Praça do Trabalhador, reforma de um cemitério e reconstrução de unidades de assistência social como forma de aumentar a fonte de receita. Por ser empresa pública, é dispensável de licitação.Leia também:- Prefeitura de Goiânia tenta repassar R$ 30 milhões para Comurg ainda em 2022- Prefeito de Goiânia diz que “impeachment não é qualquer coisa e não se faz de qualquer maneira”- Comurg assume reforma de 14 CRAS sem concluir outras obrasAo longo do ano, a imprensa tem noticiado momentos críticos de suspensão de algumas atividades envolvendo caminhões usados pela Comurg por atraso no pagamento da locação dos mesmos. Isso teria ocorrido pelo menos duas vezes neste semestre – em agosto e outubro. Houve também notícia de atraso no repasse de recurso referente a direitos trabalhistas e a exoneração de boa parte dos comissionados da pasta.O pedido foi entregue à Câmara na segunda-feira (26) e já emperrou na primeira etapa de votações, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que convocou sessão extraordiniária na manhã desta terça-feira. Os membros aprovaram o pedido de vistas feito pelo vereador Paulo Henrique da Farmácia (PTC) e a expectativa é que ele devolva o projeto nesta quarta-feira. No legislativo já se fala da possibilidade de convocar sessão extraordinária para sexta-feira (30), pois a proposta precisa passar ainda por duas votações no plenário.A ideia inicial da Prefeitura era deixar o pedido de autorização do repasse para 2023, mas houve um temor que com a votação ficando para fevereiro, quando os vereadores voltassem do recesso, a falta de recursos fizesse com que alguns serviços fossem interrompidos na sua totalidade. Atualmente, segundo alguns servidores ouvidos, a limpeza urbana e a coleta estariam sendo feitas parcialmente, priorizando as áreas chamadas “nobres” da capital, com redução na frequência de trabalho nos outros bairros.Os principais gargalos financeiros da Comurg, segundo servidores e vereadores ouvidos, estariam nos contratos com locação de veículos usados na limpeza urbana, na manutenção dos caminhões, entre eles os usados para a coleta, e nos gastos com combustíveis. Na sessão da CCJ, vereadores comentaram que a companhia precisava do dinheiro para a manutenção dos veículos. “Eles rodam 24 horas por dia, às vezes só param para trocar o motorista, então precisam de muita manutenção”, comentou um deles à reportagem.Em outubro, a Comurg anunciou a exoneração de 346 comissionados, o que representaria cerca de 90% do total, e, segundo a companhia, seria para contenção de despesas e para “alcançar o equilíbrio financeiro da companhia”. O POPULAR havia mostrado, na época, que os gastos com estes servidores – muitos deles por indicação política - chegava a R$ 2,1 milhões mensais. Como a folha de pagamento da empresa não é atualizada desde outubro, não se sabe quantos comissionados há atualmente, mas a reportagem apurou que nos últimos dois meses foram contratados pelo menos 77 comissionados, entre eles alguns dos exonerados.Outras medidasA Prefeitura trabalha com outros dois caminhos para equilibrar as contas da Comurg após a aprovação do repasse de R$ 30,7 milhões. A primeira é pegar para si os contratos que a companhia terceiriza, como a locação dos caminhões usados para serviços diversos, como limpeza urbana, a gestão do aterro, a compra de combustíveis entre outros. A intenção com isso seria reduzir os gastos da Companhia, deixa-la focando na gestão dos trabalhadores.A ideia é acabar como a chamada “quarteirização” dos serviços pela Comurg ou a “terceirização da terceirização”. A companhia é contratada para prestar serviços para a prefeitura e parte deles ela repassa para outros prestadores de serviço. Como a situação financeira do executivo está melhor que a da companhia, há quem defenda que isso também representaria uma economia para o Paço, que poderia conseguir preços melhores.A segunda medida seria dar celeridade ao pedido feito pela Comurg em julho para uma reavaliação dos valores previstos nos contratos com a Prefeitura para coleta de lixo e limpeza urbana. A alegação dada na época foi o reajuste expressivo no valor do diesel e nos insumos usados para manutenção dos veículos e equipamentos. Esse procedimento teria dado uma celeridade após a troca no comando da Seinfra, em outubro, mas é considerado mais demorado, por depender de série de aprovações, como da Procuradoria Geral do Município (PGM).QueixasA maioria dos 12 vereadores que estiveram presentes na reunião da CCJ, entre eles um que não era membro da comissão, listaram uma série de problemas tanto na forma como a Prefeitura encaminhou o projeto para a Câmara como também enfrentados pela própria companhia. A vereadora Aava Santiago (PSDB) reclamou, por exemplo, que a proposta estava pronta desde 14 de dezembro, com os pareceres necessários já concluídos, mas só foi enviada pelo Paço 12 dias depois.Apenas o vereador Izídio Alves (MDB), relator do projeto na comissão, defendeu a rápida aprovação da proposta para, segundo ele, resolver os problemas da companhia e possibilitar a continuidade dos serviços com qualidade.O vereador Mauro Rubem (PT) afirmou a situação da Comurg se deve a deficiências na gestão da companhia e que o risco que o projeto corre de não ser aprovado neste ano se deve à “incompetência” do prefeito. “Como o prefeito pode tratar a Comurg deste jeito, mandar o projeto no apagar das luzes, deixar para o último momento. E se a gente não tiver quórum amanhã?”Tanto no plenário como na CCJ, Aava denunciou durante a sessão no plenário da Câmara uma suposta manobra do vice-presidente da Casa, vereador Clécio Alves (Republicanos), que pediu vistas do projeto que atualiza o Código Tributário Municipal (CTM) até quinta-feira (29) para que, segundo ela, haja quórum garantido para votação do crédito extra para a Comurg.Presente na reunião da CCJ, o titular da Secretaria Municipal de Governo (Segov), Michel Magul, disse à imprensa que a Prefeitura vai aguardar o debate no legislativo sobre o projeto e preferiu não comentar o que poderia acontecer caso o repasse não seja aprovado. Segundo ele, os R$ 30 milhões são necessários para que a “vida da Comurg tenha mais independência” e possa realizar trabalhos “que estão dentro do projeto”, sem dar mais detalhes. No final da reunião, ele conversou em particular com Paulo Henrique da Farmácia.O POPULAR pediu uma série de respostas para a Prefeitura e para a Comurg, como, por exemplo, o detalhamento do déficit da companhia, mas até a conclusão desta reportagem não houve nenhum retorno.